Tente carregar algo que tenha seu peso. Talvez, consiga levar por dez metros, mas é provável que não.
Uma formiga carrega cinquenta vezes o peso dela, por dezenas de metros, o que equivale a você andar alguns quilômetros com um carro grande nas costas. Como somos seres muito inteligentes, inventamos o automóvel. Uma engenhoca que pesa uma tonelada e roda pelas ruas das cidades, hoje, carregando uma ou duas pessoas. O motor de combustão interna de carros de passeio, quando muito eficiente, consegue transformar em movimento 15% da energia do combustível consumido, e essa energia é utilizada basicamente para movimentar o peso do carro (talvez por isso se chame automóvel). Resultado: menos de 2% da energia do combustível colocado no veículo realmente movem a pessoa.
Em um ônibus que carrega o seu peso em passageiros, esta eficiência pode subir para 20-30%.
Um carro médio de passeio emite anualmente mais ou menos uma tonelada de CO2 (tipo assim... imagine seu veiculo vaporizado... todo ano).
Funcionando nestas bases, estamos emitindo 50Gt CO2eq (bilhões de toneladas de gases de efeito estufa) na atmosfera que, ao longo dos anos, vão se concentrando e provocando o aumento da temperatura média do planeta. A ciência do clima indica que um aumento médio maior de 2 graus C na temperatura da Terra traria impactos que os recursos tecnológicos, financeiros e logísticos disponíveis não dariam conta de enfrentar.
Para termos 50% de chance de limitar o aumento médio da temperatura do planeta, a concentração de GEE na atmosfera não deve ultrapassar 450ppm, e, para tanto, no decorrer deste século, as emissões de GEE não podem ultrapassar 1.800Gt. Isso dá 18Gt/ano em média. É como um orçamento de carbono, as emissões de todos os países somadas durante o século não podem ultrapassar este orçamento.
Na primeira década deste século, o planeta já emitiu cerca de 450Gt CO2eq e, no ritmo atual, teremos emitido mais de 1.000Gt até 2020. Ou seja, nos 80 anos que restarão até o final do século, teremos que emitir em média 11Gt, 80% menos do que emitimos hoje. No compasso atual, a China sozinha emitirá mais de 15Gt em 2020.
Para evitar os trágicos impactos da mudança climática, temos que ser muito, mas muito mais eficientes do que somos hoje. Temos que produzir muito mais para cada tonelada de carbono emitida. Uma revolução.
Em Cancún, estão reunidos, desde a semana passada, representantes de quase 200 países com esse desafio. Montar um acordo que viabilize reduzir drasticamente as emissões do planeta nos próximos anos, que ao mesmo tempo assegure o desenvolvimento dos mais pobres e a adaptação às mudanças climáticas para os países mais vulneráveis.
Desde 1992, quando foi adotada a convenção sobre mudanças climáticas, as emissões não só não diminuíram como continuaram aumentando, e num ritmo mais forte. É preciso um novo acordo que envolva todos os países com compromissos claros e proporcionais à sua contribuição para o problema e às suas capacidades e possiblidades.
É uma equação dificílima e que precisa da liderança das maiores economias do mundo. Os países do G-20 representam mais de 80% das emissões globais. O Brasil, nesse grupo, é provavelmente o país que mais tem a perder com as mudanças climáticas (especialmente devido aos possíveis impactos da produção agrícola e na geração de energia hidroelétrica), mas, paradoxalmente, é o país que mais se beneficiará de uma transição para uma economia de baixo carbono, devido ao enorme potencial de energias eólica, solar, hidroelétrica e biomassa.
E o Brasil vem evoluindo em seu posicionamento desde 2005, culminando com a definição em 2009 de metas significativas de redução das suas emissões até 2020, gerando um efeito em cascata que levou outros países a apresentarem também suas metas.
Agora é o momento de o Brasil dar um passo à frente e apontar na direção de um novo acordo legalmente vinculante que contenha atribuições e compromissos de todos os países com ações, metas e recursos para o enfrentamento deste que é um dos maiores desafios já enfrentados pela humanidade. Sim, mas e a pulga do título? Bem, ela é capaz de carregar mais de mil vezes o próprio peso.
Artigo publicado em O GLOBO em 09/12/2010