O ano de 2015 será crucial para a definição de metas ambientais em todo o mundo — ou, como definem os especialistas, para a agenda global de mudanças climáticas. Ao longo dos próximos meses, serão fixadas, por exemplo, as propostas para um novo acordo sobre o clima, que será discutido em dezembro, em Paris. Também serão definidas as bases para o desenvolvimento sustentável do planeta, que substituirão os Objetivos do Milênio, fixados pela ONU, em 2000. As posições adotadas nesses dois campos terão impacto duradouro. Podem balizar e evolução da política ambiental até 2030 — ou além. “No mínimo, o que for decidido nessas duas frentes de trabalho vai nortear o que faremos durante uma década no setor”, diz o engenheiro florestal Tasso Azevedo, coordenador do Sistema de Estimativas de Emissão de Gases do Efeito Estufa (SEEG), ligado ao Observatório do Clima, uma rede formada por 30 ONGs no Brasil.
As propostas brasileiras para esses arranjos internacionais estão sendo elaboradas no Planalto. Não se sabe, porém, que rumo tomarão sob a batuta do novo ministério de Dilma Rousseff 2. “O que mais preocupa é a escolha do ministro da Ciência e Tecnologia, Aldo Rebelo”, diz Azevedo. “Ele, simplesmente, ainda não acredita na existência do aquecimento global. E isso é trágico”. O ambientalista conhece os meandros e labirintos da burocracia federal. Presidiu o Serviço Florestal do Brasil, nas gestões de Marina Silva e Carlos Minc, no Ministério do Meio Ambiente. Acredita que o país precisa ousar como nunca nesse campo, pois é um dos que acusam com maior intensidade o impacto das mudanças climáticas. A seguir trechos da entrevista concedida por Tasso Azevedo a Época NEGÓCIOS.
A agenda do clima ganha ou perde com o novo ministério da presidente Dilma Rousseff?
Temos de observar esse tema por partes, avaliando cada um dos ministros. Veja o caso da pasta de Minas e Energia. Sob o ponto de vista da agenda da sustentabilidade, o novo ministro, Eduardo Braga [PMDB], representa um avanço. Ele foi governador do Amazonas, conhece o tema e já participou de reuniões internacionais sobre clima. Por outro lado, a escolha do ministro Aldo Rebelo [PCdoB] para a Ciência e Tecnologia, uma área fundamental para questões climáticas, foi um desastre. É um grande problema, a menos que ele diga algo como: “Esqueçam tudo que eu já disse”. Isso porque ele já afirmou que não existem evidências de que as mudanças climáticas estejam ocorrendo e muito menos sobre a influência do homem nesse processo. É um cético, mas sem nenhuma sustentação científica.
Em relação a esse tema, ele pode atrapalhar?
Não digo que vá atrapalhar. Tomara que não. O problema é que ele também tem ojeriza ao terceiro setor. Define as pessoas que compõem esse segmento como “imperialistas”. O ideal seria que não se metesse nesse assunto. A presidente Dilma não tem grande simpatia pelo tema, mas cumpre o seu papel. Acredito que ela seguiria a orientação dos técnicos em decisões no campo ambiental, ainda que fizesse isso sem grande ousadia. Por isso mesmo, é importante observar, agora, o que vai acontecer com os técnicos do Ministério de Ciência e Tecnologia. A atual equipe que trata das questões climáticas é muito boa. Vamos torcer para que seja mantida.
E os demais ministérios? A pasta da Agricultura, por exemplo?
Acho que a mudança não faz grande diferença. A ministra Katia Abreu expõe o seu ponto de vista de forma enfática. Não acho isso ruim. Eu prefiro os que falam o que pensam de forma clara e transparente aos dissimulados. Acredito que, sob o ponto de vista da agenda do clima, a ministra é neutra, embora tenha um inegável viés negativo nesse campo, pois é contra as unidades de conservação e as áreas indígenas. Outro problema é que ela prega o “desmatamento ilegal zero”. Ou seja, tudo o que for legal pode ser feito. Então, qual a estratégia? É tornar as coisas legais, como reduzir a área reservada para a conservação ambiental nas propriedades agrícolas.
Como o senhor avalia a permanência da ministra Isabella Teixeira, no Meio Ambiente?
Ela compreende bem a agenda de sustentabilidade. Mas não sei se terá força para agir em um ministério com um peso político tão grande. Nesse contexto, eu a vejo como alguém que tem maior possiblidade de executar os projetos do que inlfuenciar de fato as grandes decisões da agenda.
E as outras peças do ministério?
Existe uma curiosidade. O ministro da Fazenda, Joaquim Levy, tem sensibilidade para questões relacionadas ao meio ambiente. Ele é um exímio conhecedor de árvores. Conhece mais espécies do que muitos engenheiros florestais — e eu me incluo entre eles. Ele tem interesse pessoal sobre o assunto. Está preparando um livro sobre árvores do Rio de Janeiro. A esposa do Levy, a Denise, também é ecóloga. O atual ministro do Planejamento, o Nelson Barbosa, também conhece bem a agenda do clima. Quando ocupava o posto de secretário executivo da Fazenda [entre 2011 e 2013], era uma pessoa importante para negociarmos questões relacionadas ao meio ambiente. Na verdade, a avaliação final do novo ministério, sob a ótica do clima, pode não ser ruim, mas precisamos de grandes avanços nessa área.
Por quê?
Em 2015, o mundo vai definir as novas metas para o desenvolvimento sustentável e as regras de um novo acordo climático. Os documentos que surgirão dos debates nessas duas frentes vão balizar o que será feito no setor até 2030 ou 2050. O Brasil ainda não definiu as suas propostas. E é importante que elas sejam muito ousadas. Se adotarmos uma posição contundente poderemos influenciar outros países, principalmente entre os emergentes. As empresas, a sociedade civil e a academia têm um papel importante nesse processo para dar suporte ao governo brasileiro na definição dessas propostas ambiciosas como, por exemplo, o compromisso com o desmatamento zero ou mesmo com a produção e veículos menos poluentes.
Será que isso pode ocorrer em 2015, um ano de apertos na área econômica? O cenário não parece favorável a mudanças que resultem em custos.
É preciso que isso aconteça. O Brasil é um dos países mais impactados pelas mudanças climáticas. Veja, por exemplo, a questão da água. Ela é central tanto para a saúde da população, como para a agricultura — um carro-chefe da economia brasileira — ou como fonte de produção de energia. Além do mais, o Brasil — e o mundo — tem muito a evoluir nesse campo. Estamos muito distantes de uma economia de baixo carbono.
O quão distantes estamos?
Uma economia de baixo carbono é aquela que tem níveis pequenos de emissão de gases do efeito estufa. Essa cota tem de ser limitada, em todo o mundo, para que possamos restringir o aumento da temperatura global em no máximo dois graus Celsius até 2100. Nós temos um orçamento de emissões, um limite. Ele é estimado em 3.600 gigatoneladas de dióxido de carbono (CO2) equivalente [uma gigatonelada equivale a um bilhão de toneladas]. Esse valor é para ser gasto desde o início da era industrial até o ano de 2100. O problema é que já gastamos 2.600 gigatoneladas. Então, o nosso saldo é de mil. A agravante é que emitimos 50 gigatoneladas por ano. Gastando dessa forma, vamos atingir o teto em 20 anos. Por isso, tem de haver uma redução muito forte nas emissões nos próximos anos. Elas, na verdade, têm de ser negativas a partir da segunda metade do século.
E a situação parece piorar. É verdade?
Em 2050, a população global pode atingir 9 bilhões de pessoas. Isso significa que, mantidas as condições atuais, a cota per capita de emissões será de uma tonelada ou no máximo 2 toneladas por habitante do planeta por ano. Uma tonelada é muito pouco. É o que emite um carro, em um trajeto de 20 quilômetros. Uma viagem entre São Paulo e Londres, na classe econômica, com a tecnologia atual, também lança uma tonelada de CO2 equivalente na atmosfera. Um boi emite em um ano 50 quilos de metano, o que equivale a uma tonelada de carbono.
Qual a emissão per capita no Brasil?
Hoje, gira em torno de 7,5 a 7,8 toneladas por ano. É mais alta do que a média global, que está 7 toneladas. Ela já chegou a 18 toneladas, em 1994, quando houve um grande avanço do desmatamento na Amazônia.
O senhor participou da divulgação de um relatório, no fim do ano passado, que aponta para um aumento das emissões no Brasil. Qual foi esse crescimento?
A emissão de gases que provocam o efeito estufa aumentou 7,8% em 2013, em comparação com 2012. O levantamento mostrou que houve uma mudança de trajetória nesse indicador. Ele havia registrado, por exemplo, uma queda de 4,7% entre 2011 e 2012.
O que piorou no último ano analisado?
Todos os setores pioraram. Mas, proporcionalmente, o pior resultado ocorreu na área de energia. Ele está ligado ao aumento de consumo de combustível, lastreado na política de vender carro, vender carro e vender carro. Nessa área, também está acontecendo uma mudança que prejudica o total de emissões de CO2. Constatamos no relatório entre 2009 e 2012, que houve uma troca do tipo de consumo de combustível. O uso da gasolina aumentou pouco mais de 30% e o do etanol caiu em proporção semelhante. Observe-se que a nossa meta, em 2009, era aumentar em 10% o consumo do etanol por ano no Brasil.
E as termelétricas?
Elas contribuíram muito para o aumento das emissões no setor de energia. Entre 2009 e 2013, elas mais do que dobraram o volume de gases lançados na atmosfera. Só esse aumento registrado com as termelétricas, e considerando apenas 2013, equivale à emissão de todos os ônibus que circulam no Brasil em um ano.
Considerando o comportamento atual da espécie, em contraste com as necessidades globais, parece não existir a menor possibilidade de o mundo cortar as emissões de CO2 na proporção necessária até 2100. O que acontecerá?
Não é bem assim. Há 20 anos, as empresas de telecomunicações estimavam que o mundo teria hoje cerca de 5 milhões de linhas de celulares. Só no Brasil temos quase 300 milhões. Esse tipo de tecnologia chegou aos rincões da África. Algo que parecia inacreditável. Outro exemplo: em 2000, toda a capacidade instalada de energia solar do mundo somava 1 gigawatt/hora. Terminamos 2014 com pelo menos 150 gigawatts/hora. E esse salto, embora tenha sido expressivo, ainda nem começou. Mais emblemático ainda é o problema do buraco na camada de ozônio. Há cerca de duas décadas, ele parecia irreversível. Mas um grande acordo foi firmado para a solução do problema. O resultado é que o buraco está sendo fechado.
Então, é possível atingir as metas de emissão?
Sim. Para isso, é preciso de um grande acordo global, que crie condições para uma ruptura, como ocorreu nos exemplos que citei. Não podemos usar o olhar do presente para pensar no longo prazo. Se fizermos isso, os problemas parecem realmente insuperáveis. O fato é que não são. Ocorre que só conseguimos dar grandes saltos dessa magnitude quando há confluência de interesses. É isso o que temos de buscar