quarta-feira, 30 de novembro de 2016

Sina de Desmatar


Desde 2004 o Brasil não via o desmatamento crescer na Amazônia por dois anos seguidos. Mas eis que, em 2015, o desmatamento saltou de cinco mil para 6,2 mil quilômetros quadrados, e os números preliminares indicam que em 2016 a taxa chegará a oito mil, um aumento de 60% em dois anos. Foram derrubados 250 metros quadrados por segundo (isso mesmo, por segundo!) ou, pensando em árvores, cerca de 900 delas por minuto.

Tendo como base os dados do Sistema de Estimativa de Emissões de Gases de Efeito Estufa do Observatório do Clima, as emissões pelo desmatamento na Amazônia em 2016 poderão superar sozinha as emissões totais de todo o setor de energia, transporte e indústrias do Brasil em 2015.

É certo que houve grande queda do desmatamento desde o pico de 2004, quando bateu em 27,7 mil quilômetros quadrados. Uma série de políticas aplicadas nos anos seguintes derrubou as taxas a 11 mil em 2007. Nesse período, foram implementados o monitoramento mensal dos focos de desmatamento, operações extensivas de combate à exploração ilegal, a forte ampliação das áreas protegidas e da política de gestão de florestas públicas. Em 2008 sinais da reversão da tendência (a taxa chegou a 12,9 mil quilômetros quadrados) provocaram uma nova série de medidas, como o embargo de áreas desmatadas ilegalmente, a criação da lista suja de municípios que mais desmatam, as alterações na política de crédito agrícola, a responsabilização da cadeia produtiva pelo desmatamento e a criação do Cadastro Ambiental Rural (CAR). Seguiram-se quatro anos de queda, e em 2012 a taxa chegou a 4,5 mil quilômetros quadrados, o número mais baixo registrado na série histórica iniciada em 1988. Os anos seguintes foram de crescimento entre cinco e seis mil.

Apesar deste avanço, o Brasil continuou sendo o país que mais desmata no mundo. Em 2009, na preparação para a Conferência de Copenhague, lançou a meta de reduzir até 2020 o desmatamento em 80% da Amazônia e 40% do Cerrado com relação à média do período de 1996 a 2005. Para a Amazônia, isso significa chegar em 2020 com até 3,9 mil quilômetros quadrados de desmatamento. Em 2016 a taxa de desmatamento deve ser mais do que o dobro desta meta. Estamos nos distanciando dela, em vez de 
acelerar e buscar o mais rápido possível o desmatamento zero.

Nos últimos anos, as políticas de combate ao desmatamento e promoção da conservação foram afrouxadas, com a fragilização do Código Florestal, a paralisia na definição de novas áreas protegidas, o corte dos orçamentos da fiscalização e a redução da transparência dos sistemas de alerta do desmatamento. Agora a conta chegou.
É hora de reverter este quadro. 

Os recentes sinais do governo através do Ministério do Meio Ambiente sobre a retomada da criação de áreas protegidas e destinação das terras públicas não destinadas, a implementação das concessões florestais, a volta dos alertas em tempo real do desmatamento (e não só na Amazônia) e a abertura dos dados do CAR e de todo o sistema de dados de licenciamento e transporte de madeira e pecuária são bons sinais. Mas precisam se concretizar, e rápido. Cada hectare de floresta perdido agrava os problemas climáticos e reduz nossa capacidade de adaptação. É urgente e é para agora!

Publicado em O Globo em 30.11.2016


quinta-feira, 3 de novembro de 2016

Entrou em vigor, e daí?


No dia 4 de novembro entra em vigor o Acordo de Paris, com o objetivo de limitar o aumento da temperatura global abaixo de dois graus e, se possível, próximo a 1,5 grau. É notável que, em apenas 11 meses, mais de 80 países, representando quase 60% das emissões mundiais, já ratificaram o acordo, permitindo que entrasse em vigor em tempo recorde.
E tem que acelerar mesmo. Desde o início de 2014, o planeta tem batido recordes de temperatura seguidamente a cada mês. No ritmo atual, a marca de 1,5 grau de aumento de temperatura pode acontecer em menos de uma década. Se, por um lado, as estimativas de emissões globais ainda não apontam o início da queda (embora tenha desacelerado o crescimento dos últimos cinco anos); por outro, vários movimentos mundiais indicam que o alinhamento global provocado pelo Acordo de Paris começa a refletir em grande escala na tomada de decisões de longo prazo de governos, indústrias e setor financeiro.
O setor de aviação civil fechou um novo acordo para limitar as emissões globais em 2020 e compensar todo e qualquer aumento depois disso. Os setores de cimento, siderurgia e navegação também discutem medidas a serem adotadas. Mais de 400 empresas globais já aderiram à agenda do desmatamento zero na sua cadeia de valor até 2020.
Na área de transporte, 2016 será lembrado como o ano em que a revolução dos transportes ganhou tração. A eletrificação, conectividade e automação dos veículos passou a ser, definitivamente, o futuro da massa de produtores de veículos. Praticamente todas as grandes montadoras globais revelaram planos mais ou menos acelerados para eletrificar sua frota, correndo atrás das centenas de startups do setor.
O hyperloop — transporte ultrarrápido em tubos a semivácuo — terá seus primeiros testes de campo nos próximos meses. A emissão de greenbounds (títulos verdes) para financiamento de infraestrutura de baixo carbono disparou de US$ 2,6 bilhões para US$ 42 bilhões entre 2012 e 2015 e já superou US$ 61 bilhões em 2016.
Enquanto isso no Brasil os sinais são controversos. Ratificamos o Acordo de Paris rapidamente, mesmo em meio à turbulência politica, e o BNDES anunciou que não mais financiará térmicas a carvão. Por outro lado, o Congresso acaba de aprovar um projeto de lei que cria um programa de renovação e ampliação do parque termelétrico a carvão (como voltar ao século XIX) ao mesmo tempo em que o desmatamento mostra as garras e volta a subir.
Precisamos parar de dar sinais dúbios e apontar a nau brasileira para o centro da revolução em curso. O mundo deu a largada e vai acelerar; se comermos bola, corremos o risco de largar dos boxes ou nem participar da corrida.
Publicado no Jornal O Globo em 26.10.2016