quarta-feira, 26 de abril de 2017

Nosso Tesouro



Qualquer um que visite as pirâmides do Egito, as vilas em cavernas da Capadócia, as ruínas incas de Machu Picchu ou os templos maias de Chichén Itzá volta transformado, imaginando como seriam estas populações, como elas trabalhavam, viviam, e o imenso conhecimento sobre a natureza, a astronomia, o clima e tantos outros campos. Museus e centros de visitação nestes locais convidam o visitante a conhecer a língua, decifrar a forma de organização política e social e entender o vasto conhecimento destas populações e assim conhecer mais a si próprio, sua gente e o seu território. Percebe-se que a identidade nacional é moldada pelo orgulho destes verdadeiros tesouros que são a história de suas populações originais.

No Brasil temos igual tesouro, não futebol, carnaval, feijoada, caipirinha e bossa nova, mas a imensa diversidade dos povos indígenas. E com uma diferença importante: não são coisa só do passado, mas também do presente. Apesar de toda a pressão de séculos que quase dizimou a população, ainda resistem 800 mil índios de mais de 200 etnias e línguas distintas que podem contar nossa história, dividir seu imenso conhecimento e nos ensinar a conservar o nosso maior patrimônio, a biodiversidade, a água e o solo.

Em 1612, o missionário Claude D’Abbeville descreveu como os tupinambás relacionavam as marés às fases da lua, fenômeno que só foi explicado por Isaac Newton em 1687. No Rio Negro, os Baniwa há anos registram as alterações climáticas que estão percebendo ao seu entorno com um nível de detalhes que deixaria de queixo caído os cientistas do IPCC. As imensas malocas dos Kayapó são uma aula de arquitetura e engenharia, e as intricadas armadilhas de pesca feitas de cascas e galhos pelos Enawenê-nawê, em Rondônia, ou pelos Kaigang, no Paraná, são uma obra de arte. Estes povos são a memória viva de quase 10 mil anos de história vinculada ao território brasileiro, esse é nosso grande tesouro.

Mais que nosso dever constitucional, mais que um direito destes povos, o reconhecimento e a demarcação de seus territórios precisa ser entendida como a preservação de algo tão fundamental como a história de nossas próprias famílias.

Não podemos retroceder nesta agenda como tem sido verificado nos últimos anos nas iniciativas do Congresso e do governo com a vergonhosa omissão de setores organizados da sociedade. Para manter nosso grande tesouro, temos que retomar a demarcação dos territórios indígenas. Demarcação Já!

Publicado em O Globo em 26.04.2017

terça-feira, 18 de abril de 2017

Faça você mesmo


Dia desses, estava a cata da tampa de minha lapiseira favorita (que além de evitar que os grafites caiam funciona com apontador). Já era a terceira vez que perdia a tampa e já estava conformado de ter de tampar com uma fita ou comprar outra lapiseira porque obviamente não existem tampas avulsas a venda.

Atenta, minha filha de 7 anos procurou me tranquilizar: Papai não se preocupe. Quando crescer vou ser inventora e criarei uma máquina faz tudo, você coloca o desenho de um lado e sai pronto do outro lado. Qualquer coisa!

Não sei se ela vai mesmo ser inventora, mas certamente ela viverá num mundo onde fabricar com precisão estas peças ou objetos específicos em casa será tão trivial quando navegar na internet. É a revolução da impressão em 3D.

Impressão em 3D não é propriamente uma novidade; já se vão mais de 30 anos desde que Chuck Hull, pesquisador na Califórnia, montou o primeiro modelo de impressora que utilizava a luz para solidificar camadas de resinas fotossensíveis para formar objetos.

As primeiras impressoras 3D comerciais foram introduzidas no mercado dez anos depois, em meados dos anos 90. Eram utilizadas por grades industrias ou laboratórios de design para produzir protótipos que ao final do processo tinham que ser ainda lixados, acabados antes de atingir seu formato final. Grades, pesadas, lentas e caras estas máquinas eram o equivalente aos antigos mainframes das empresas.

O processo de camadas é simples. Ao adicionar uma camada sobre a outra forma-se o objeto. Quanto mais camadas (e mais finas) mais preciso e bem-acabado fica o objeto, mas isso torna o processo mais lento. Na última década este paradigma foi rompido.

Empresas como a Carbon3D desenvolveram uma tecnologia que rompe com o processo em camadas. Em essência, ao controlarem o nível de oxigênio e luz em uma superfície liquida conseguem produzir de forma continua um objetivo saindo do próprio líquido. É equivalente aquela cena de O Exterminador do Futuro que de um líquido metálico forma-se o vilão da história. O método, dezenas de vezes mais rápido e preciso que o tradicional método de camadas, forma peças e produtos complexos perfeitamente acabados e com diferentes características físico-químicas. É possível produzir desde órgãos artificiais até peças para veículos que serão submetidas e extrema pressão e temperatura.

Na velocidade que o preço e qualidade das impressoras 3D evoluem não é preciso bola de cristal para prever que num futuro próximo este será um objeto tão comum numa casa ou escritório como é hoje um computador.

A impressão 3D tem um enorme potencial para contribuir para redução do desperdício. Uma oficina de automóveis por exemplo poderá imprimir as peças de reposição quando necessárias. Toda logística associada a fabricação, transporte e estoque será evitada. O mesmo vale para um hospital ou clínica de próteses ou órgão artificiais ou coisas mais triviais trocar o bocal na mangueira que espanou ou o puxador da porta do armário.

Pensando bem, vou guarda esta lapiseira sem tampa. Ainda hei de consertá-la.


Publicado em Epoca Negocios na Edição de Abril2017