Passado o calor dos acontecimentos do rompimento da barragem de Mariana em 2015, restou o doloroso e complexo processo de reparação às vitimas e recuperação dos danos ambientais e da economia, que segue em curso com muitos aprendizados e avanços, mas ainda com um longo caminho a ser percorrido.
De lá para cá, pouco foi feito para fortalecer o sistema de licenciamento, monitoramento, fiscalização e mitigação de risco de barragens e evitar outra tragédia. Ao contrário, nos últimos três anos, as tentativas de fortalecimento desta agenda foram sufocadas, desvirtuadas, esquecidas ou simplesmente ignoradas em nome de um discurso antigo e ambidestro, mas plenamente revigorado de caracterização do cuidado ambiental como um entrave do desenvolvimento. Esse discurso está embrenhado de forma quase orgânica no governo do presidente Bolsonaro, do próprio presidente à ministra da Agricultura, do ministro do Meio Ambiente ao chefe da Casa Civil.
Sob esta ótica, a forma de harmonizar meio ambiente e o chamado “setor produtivo” seria submeter o primeiro ao segundo. Licenciamento deveria ser expedito, pois é uma burocracia despropositada; a fiscalização precisa ser controlada para deixar de perseguir os produtores. Se uma autuação for revertida na Justiça, que seja punido quem cumpriu seu dever de fiscalizar. Já a sociedade civil, ao pressionar pelo controle ambiental, estaria atendendo a interesses internacionais e se locupletando de recursos públicos em detrimento da agenda de desenvolvimento econômico.
Infelizmente, foi preciso que mais uma tragédia acontecesse para que fosse acionado um freio de arrumação. A repetição da tragédia do rompimento de uma barragem, que nem ativa estava, escancarou a fragilidade dos sistemas de monitoramento e fiscalização e a debilidade dos sistemas de gestão de risco no país. Se acontece com uma das empresas mais estruturadas do país, que dirá nas outras centenas de casos com significativamente menos recursos?
O estrondoso “eu te disse” de especialistas e representantes da sociedade civil ecoa desde os processos de licenciamento onde foram votos vencidos até os debates da Assembleia Legislativa de Minas Gerais e no Congresso Nacional, onde as propostas de avanços para fortalecer a legislação foram arquivados.
Pode até ser que o rompimento da barragem seja um caso fortuito, mas a falha nos sistemas de monitoramento, alerta e alarme, entre tantos outros, é fruto de problema sistêmico muito maior. Agora é hora de atender à emergência das vítimas de Brumadinho, mas, logo após, é fundamental enfrentar o problema de frente, fortalecendo o sistema de licenciamento e controle ambiental antes que a próxima tragédia recaia sobre nós.
Publicado em O GLOBO em 30.01.2019