quarta-feira, 30 de setembro de 2020

Eletrificar pra Valer



Para limitarmos o aumento da temperatura global em 1,5 grau,  é preciso eliminar o desmatamento, multiplicar a agricultura de baixo carbono e, principalmente, reduzir ao mínimo a queima de combustíveis fósseis,  que respondem por dois terços das emissões globais de gases de efeito estufa.

Para conseguir eliminar a queima de combustíveis fósseis,  é necessário eletrificar a economia. Este é o jeito mais fácil de gerar e transportar energia renovável e limpa. O sol e o vento,  que são fontes quase inesgotáveis de energia,  já são mais baratos que as fontes de energia fósseis em quase todos os países.

Hoje,  apenas 20% da demanda energética do mundo se dão por meio de eletricidade. Esse número precisaria duplicar ou triplicar em três décadas. Para atingir esta meta,  será necessário converter quase toda a frota de transporte do mundo, hoje baseada em motores a combustão, para veículos elétricos (VEs). Os VEs já se provaram muito melhores em termos de segurança, performance, torque, conforto e custo de manutenção. Até mesmo a autonomia das baterias já se aproxima e,  em alguns casos,  supera aquela dos veículos tradicionais a combustão. O grande gargalo para sua produção  é o alto custo das baterias.

A frota em circulação de EV’s saltou de 17 mil em 2010   para 7,2 milhões em 2019,  com vendas anuais chegando a 2,1 milhões (2,6% do mercado). Nesse período, o custo das baterias caiu de US$ 1.200 para US$ 150/KWh,  e a densidade de energia subiu de 200 para 300 Wh/kg,  o que aproximou o valor de EVs aos veículos similares a combustão em várias regiões.
As projeções mostram que se as baterias atingirem o valor de US$ 100/KWh,  com densidade acima de 300 Wh/kg,  praticamente qualquer EV seria tão vantajoso economicamente que decretaria a morte dos veículos a combustão.

Para se atingir este limite, será necessário dar um ganho de escala da produção — saindo do nível de GW para TW de produção anual  com transformações disruptivas em toda a cadeia.
Há  poucos dias,  Elon Musk —  o excêntrico empreendor da SpaceX, Neuralink e Tesla —  apresentou na reunião anual de acionistas da Tesla um roadmap de cinco  anos para cortar pela metade os custos de produção de baterias,  ao mesmo tempo em que permite multiplicar a capacidade de produção mundial mais de cem  vezes até 2030.

Isso permitiria ao mundo não só transformar toda a frota global de novos veículos (carros, motos, caminhões e ônibus) em EV, mas agregar sistemas de armazenamento ao grid do sistema elétrico para estabilizar as fontes intermitentes, como solar e eólico.

Dado o passado de propostas ousadas feitas por Elon Musk ao longo dos últimos 15 anos (e executadas!),  como a reutilização de foguetes de lançamento espacial e construção de gigafábricas operando 100% em energias renováveis, é o prenuncio de que,  pelo menos nesta frente,  temos uma chance real de virar o jogo em uma década.

Publicado em O Globo em 30.09.2020

quinta-feira, 3 de setembro de 2020

Não falta monitoramento, falta ação


Agosto terminou, e o ritmo dos incêndios na Amazônia não arrefeceu, continua nos mesmos níveis de 2019, os mais altos da última década. O desmatamento se mantém acelerado. Embora com pequena queda em julho em relação a 2019, continuou tendo um dos maiores valores desde o início da implantação do sistema de detecção mensal em 2004. Os números mostram que a estratégia do emprego das Forças Armadas para coordenar o combate ao desmatamento e aos incêndios na Amazônia não está funcionando.

Confrontadas com a realidade, as autoridades federais, como o vice-presidente da República, Hamilton Mourão, na qualidade de presidente da Comissão da Amazônia, costumam argumentar que faltam informações estratégicas para agir e que não há como identificar e punir os infratores.


Num cenário de completa falta de recursos, o Ministério da Defesa abriu um processo para aquisição – sem licitação – de um microssatélite para monitorar a Amazônia por R$ 145 milhões, mais do que o dobro do orçamento do Ibama para combate aos ilícitos ambientais e quase 20 vezes mais caro que o Prodes e o Deter, dois programas de monitoramento do desmatamento desenvolvidos pelo Inpe e que são benchmark no mundo.


A ideia de que faltariam instrumentos de monitoramento do desmatamento e degradação na Amazônia simplesmente não faz sentido. A Amazônia Brasileira é de longe o bioma mais monitorado em toda a região tropical. São pelo menos cinco sistemas de detecção de desmatamento em operação. Além do Deter/Inpe, com dados semanais (e até diários, no caso do Ibama) de desmatamento e degradação, existe ainda o SAD, desenvolvido pelo Imazon com dados mensais; o GLAD, da Universidade de Maryland, que publica dados diariamente; o Sirad-X, do Instituto Socioambiental, que monitora com imagens de radar o desmatamento na Bacia do Rio Xingu; e o Sipamsar, desenvolvido pelo Ministério da Defesa com sistema de radar que opera em regiões específicas no período chuvoso. Todos, exceto justamente o sistema do Ministério da Defesa, produzem informações públicas e abertas.


Além destes sistemas, existem ferramentas complementares para apoiar a priorização das áreas de fiscalização, como o Deter-Intenso do Inpe, e a identificação remota dos infratores, como o MapBiomas Alerta, que faz a validação e o refinamento de todos os alertas públicos de desmatamento gerados e os transforma em laudos customizados pelos usuários para verificar se um desmatamento é ilegal e identificar os responsáveis.


Claramente não nos falta monitoramento. Entre 2004 e 2012, quando o desmatamento caiu 80%, só existiam o Deter (lançado em 2004), com resolução mais baixa e menor frequência, e o SAD, lançado em 2005.


Por que agora não conseguimos baixar o desmatamento? Porque o monitoramento não está se convertendo em ações no campo ou remotas. Enquanto o desmatamento cresce e aprendemos que 99% têm fortes indícios de ilegalidade, como apontou o MapBiomas, o ano de 2020 tem o menor número de multas aplicadas pelo Ibama em 21 anos. A operação Controle Remoto — que promove a autuação à distância utilizando os dados do Cadastro Ambiental Rural — foi paralisada por completo em 2019.


General Mourão, faça o básico, retome a estratégia de sucesso do PPCDAM – Plano de Prevenção e Combate ao Desmatamento na Amazônia. O governo tem técnicos e expertise para reverter a curva do desmatamento. Use sua influência para garantir recursos financeiros, apoio logístico e a contratação de mais fiscais e dê autonomia para o Ibama e o ICMBio coordenarem as operações. Você colherá os resultados muito antes do que imagina.


Publicado em O Globo em 02.09.2020