O alerta não veio de uma ONG ou de ativistas socioambientais, mas do
presidente do Banco Mundial, o coreano-americano Jim Yong Kim: se não
conseguirmos mudar nossa atitude em relação às mudanças climáticas,
em menos de uma década o mundo estará imerso em conflitos relacionados ao
acesso à água e a alimentos.
Com essa frase, Jim Yong fez espécie de resumo do resumo da segunda
parte do 5º Relatório de Avaliação sobre as mudanças climáticas Globais,
produzido e divulgado pelo Painel Intergovernamental sobre mudanças
climáticas (IPCC), na última semana de março, em Yokohama, no Japão. O
foco do trabalho: impactos, vulnerabilidade e adaptação às mudanças
climáticas.
Se a primeira parte do relatório demonstrava que o aquecimento global
sem precedentes é um fato e as emissões de gases de efeito estufa são
a principal causa, a segunda mostra que as alterações do clima provocadas por
esse aquecimento (aumento do nível do mar, acidez dos oceanos e redução da
extensão e da espessura do gelo nos polos) já estão causando impactos
significativos na vida das pessoas e no ambiente natural, tais como perda de
produção agrícola, aceleração da extinção e deslocamento de espécies, ampliação
de danos à infraestrutura e à economia, por extremos de chuva e seca.
O painel de cientistas alerta ainda para o fato de os impactos se
agravarem, intensificarem e ampliarem nas próximas décadas, caso não tenhamos
sucesso em reduzir drasticamente as emissões de gases de efeito estufa.
O relatório, com mais de 2 mil páginas, é recheado de exemplos de impactos
relacionados a extremos climáticos recentes, como ondas de calor, secas,
enchentes, ciclones, incêndios florestais, que revelam a vulnerabilidade e
exposição de muitos ecossistemas e da instraestrutura humana para lidar com a
variabilidade climática atual.
Nas últimas décadas, as mudanças climáticas causaram
impactos nos sistemas naturais e aos humanos em todos os continentes e em todos
os oceanos. Em muitas regiões, mudanças na precipitação e no derretimento da
neve e do gelo estão alterando o sistema hidrológico, afetando a quantidade e a
qualidade dos recursos hídricos.
Várias espécies terrestres, aquáticas e marinhas alteraram sua
distribuição geográfica, rotas migratórias, calendário biológico, abundância e
até mesmo sua interação com outras espécies, em resposta às mudanças do clima.
Os fitoplanctons, por exemplo, têm se deslocado cerda de 400km por década em
busca de águas mais frias. As principais culturas agrícolas estão sendo
impactadas. Os ganhos anuais de produtividade caíram de 2% para 1% nas últimas
duas décadas. Para algumas culturas, como a do milho, a produtividade já está
caindo.
A avaliação dos riscos dos impactos futuros derivados das mudanças
climáticas é a parte mais complexa do relatório. O risco de impacto é
resultado da interação de três fatores principais: a ameaça em questão (aumento
do nível do mar, seca severa etc.), o grau de exposição do ambiente ou da
população (proximidade ao local da ameaça) e o grau de vulnerabilidade (acesso
a infraestrutura disponível para enfrentar períodos de seca).
A exposição e a vulnerabilidade não podem ser alteradas ao longo do
tempo, de acordo com as condições econômicas e sociais, decisões de
investimento e até como consequência de conflitos. Embora os impactos das mudanças
climáticas se distribuam por todos os continentes e oceanos, são
justamente as populações mais pobres e menos desenvolvidas as mais vulneráveis.
A falta de infraestrutura, conhecimento e investimentos para prever, monitorar,
adaptar-se e reagir aos eventos climáticos extremos e suas consequências coloca
em risco as vidas de milhões de pessoas no planeta, espremidas entre duas
opções: adaptar-se ou mudar-se para outra região.
O 5º Relatório do IPCC é a mais extensa, completa e profunda revisão do
estado da ciência do clima já produzido. Deve ser revisto e considerado pelos
tomadores de decisão nos setores público e privado, para se estabelecer ações
para mitigar as emissões e adaptar atividades, negócios, infraestrutura e todos
os aspectos de nossa vida.
O relatório é categórico ao afirmar que a forma mais efetiva de reduzir
os riscos é evitar o aquecimento, ou, em outras palavras, reduzir as emissões
de gases de efeito estufa. Ainda que tenhamos sucesso em reduzir
drasticamente as emissões, teremos riscos importantes de impacto derivados das
emissões históricas acumuladas e, portanto, é preciso gerenciar esses riscos a
aumentar a resiliência dos ambientes e da sociedade.
Publicado em Correio Brasiliense 08.04.2014