Semanas atrás, o governo anunciou uma meta de redução de 10% da intensidade de emissões de carbono do setor de combustíveis para o transporte no Brasil até 2028, o que resultaria, segundo as contas do Ministério de Minas e Energia, numa redução de 600 milhões de toneladas de carbono (CO2) nos próximos dez anos. A meta é parte do projeto RenovaBio, que visa a promover a ampliação do uso de biocombustíveis, em especial o etanol e o biodiesel na matriz de transportes brasileira.
Mas, olhando com mais calma os números que embasam o anúncio do MME, nota-se que, em vez de reduzir, as emissões de CO2 crescem de 289 milhões para 335 milhões de toneladas entre 2018 e 2028. A redução, na verdade, só ocorre se comparada com uma projeção de quanto seria a emissão em 2028 se a intensidade de emissões de carbono permanecesse a mesma de 2018. Como a meta de aumento de eficiência é de cerca de 1% ao ano, mas o aumento do consumo de combustíveis cresce mais de 2% ao ano, o resultado é o aumento do volume total de emissões.
No final do período de 10 anos, a participação dos biocombustíveis na matriz de transportes subiria de 20 para 28%, muito pouco frente ao potencial do Brasil, até porque mais de 74% da frota circulante já são flex, e deve chegar a mais de 90% em 2028, segundo projeção do MME.
A Política Nacional de Biocombustíveis (RenovaBio) foi criada para ser uma grande alavanca ao uso de biocombustíveis e redução das emissões de gases de efeito estufa. Para operacionalizá-lo, um dos instrumentos principais são os Créditos de Descarbonização de Biocombustíveis (CBio).
Quem produz biocombustíveis gera CBios, e as distribuidoras que vendem têm que adquirir uma quantidade predefinida de créditos. A demanda de CBios é dimensionada a partir das metas de intensidade de emissões do setor de combustíveis.
A definição das metas passou por uma queda de braço entre o setor de biocombustíveis, a sociedade civil, que propôs metas mais ousadas de descarbonização, e o setor de petróleo e gás (leia-se Petrobras), que sistematicamente bloqueou as propostas de maior ambição, propondo inclusive metas ainda menores que as aprovadas.
Para atingir a meta proposta, o esforço adicional ao que já é feito é mínimo, as metas seriam atingidas quase que por inércia. Se quisermos realmente baixar as emissões é preciso estabelecer metas mais agressivas de penetração dos biocombustíveis combinadas com eletrificação dos transportes (nossa matriz já é 80% renovável), o desestímulo ao transporte individual motorizado, o estímulo ao transporte público e promoção dos modais ferroviário e aquaviário para o transporte de carga.
Aí sim, podemos falar em real redução das emissões de poluentes do setor de transporte brasileiro.
Publicado em O Globo, em 27.06.2018