“Há um clamor nacional contra o descaso em que se encontra o problema florestal no Brasil, gerando calamidades cada vez mais graves e mais nocivas à economia do país. A agricultura itinerante continua se desenvolvendo segundo os métodos primitivos dos primeiros anos do descobrimento. Chega o agricultor, derruba e queima as matas, sem indagar se elas são necessárias à conservação da fertilidade do solo ou do regime das águas. Depois de alguns anos de exploração, renovando anualmente a queimada, como meio de extinguir a vegetação invasora, o terreno esgotado é entregue ao abandono e o agricultor, seguindo as pegadas do madeireiro que adiante derrubou as árvores para extrair as toras, inicia novo ciclo devastador idêntico ao precedente.”
“Como efeito disto, a agricultura cada vez se interioriza mais e cada vez se distancia mais dos centros consumidores, requerendo transportes sempre mais caros. As margens dos rios são devastadas e os desbarrancamentos sucedem-se, oferecendo perigos sempre maiores à navegação. Hoje, todos os rios do Brasil, inclusive o Amazonas, estão necessitando de dispendiosas dragagens. Muitos rios estão secando e tornam-se já inservíveis ao tráfego fluvial, suas barras enchem-se de bancos de areia e lama deixando os portos imprestáveis. Inundações cada vez mais destruidoras, pela remoção desordenada de florestas, colocam em sobressalto as populações de centenas de cidades.”
Esta é a introdução da carta do então Ministro da Agricultura Armando Monteiro Filho enviou ao Presidente da Republica em 1962 expondo os motivos para a elaboração de um projeto de lei do que viria a ser aprovado como o Código Florestal de 1965, vigente até os dias de hoje. O projeto foi elaborado por um grupo de três agrônomos e três juristas entre abril de 1961 e maio de 1962 e foi submetido a consulta publica prévia ao envio para o congresso.
É notável como o diagnóstico sobre os problemas ambientais enfrentados à época se assemelha aos atuais. A diferença fundamental está no comportamento de boa parta das lideranças do setor rural que tem insistido em teses conspiratórias sobre o código florestal, repetindo delírios como “o Código Florestal é produtos de medidas provisórias e decretos orquestrados por radicais ambientalistas e ONGs internacionais”. Nada mais contra factual. O Código Florestal atual foi elaborado por projeto de lei debatido por anos no Congresso Nacional bem como as suas alterações posteriores, com exceção da medida provisória de 2001 que aumentou a área de reserva legal na Amazônia para 80%.
Nenhuma destas modificações diminuiu a proteção das florestas como se propõe agora. Em audiência publica no Senado na semana passada a Procuradora Cristina Godoy no MP-SP foi direto ao ponto: as alterações nas definições de área de preservação permanente efetivamente retiram a proteção e permitem o desmatamento de áreas muito sensíveis como os mangues e topos de morro.
Em uma simulação aplicando no Guarujá, litoral sul de São Paulo, a redefinição de topo de morro da proposta atual a área protegida cai de 400 para 4 hectares, ou seja uma redução de 99% da área protegida em meio a região de altíssimo risco de deslizamentos nos períodos de chuva.
Ou seja, efetivamente o novo Código Florestal reduz a proteção das florestas e amplia as áreas passíveis de desmatamento. Estes e outros temas são sistematicamente negados como afirmações vazias do tipo “não há uma linha no PL que diga que pode desmatar mais”. Durante esta semana uma maratona de debates esta sendo conduzida na internet (www.florestafazadiferenca.org.br) para ajudar as pessoas entenderem que o que está em é jogo é a qualidade do ambiente em que vivem todos os brasileiros.
Felizmente o Senado dá sinais de que não vai aceitar simplesmente passar à frente o projeto de lei aprovado na Câmara e algumas dezenas de emendas foram colocadas na mesa nas ultimas semanas para recolocar o Código Florestal em seu devido lugar: o de proteger as florestas como um bem de todos os brasileiros.
E fazer valer a frase repetida aos quatro ventos pelos últimos três ministros da agricultura: “não precisamos derrubar mais nenhuma árvore para desenvolver a agricultura brasileira”.
Publicado em O Globo em 21/09/2011