quarta-feira, 28 de setembro de 2016

Candidato Sustentável





No próximo domingo vamos votar para eleger os prefeitos e vereadores que irão operar as políticas públicas mais próximas do dia a dia dos cidadãos, incluindo uma boa parte da agenda de sustentabilidade. Aqui vão quatro destes temas em que a administração municipal é fundamental: mobilidade, saneamento, florestas e compras públicas.

A mobilidade é regulada e orientada pela prefeitura. Aqui a lógica é simples: a cidade deve criar as condições para que as pessoas andem, pedalem, usem o transporte público e, apenas como exceção, façam uso de veículos particulares. E, quando esta for a opção, que seja de baixa emissão (biocombustível ou elétrico).

O saneamento e a gestão de resíduos, mais do que um dos mais fundamentais investimentos de saúde básica, é também um elemento fundamental para manter um ambiente equilibrado e saudável para a biodiversidade terrestre e aquática e para as pessoas.

A presença de áreas verdes e arborização urbana — ou espaços de natureza — reduz a sensação de calor ou frio (um espaço com árvores pode estar até 20 graus mais fresco que um espaço de concreto ou asfalto). Além disso, melhora a qualidade do ar e aumenta a absorção de água da chuva, entre outros benefícios físicos. Mas, talvez mais importante, a maior revisão dos estudos sobre benefícios de áreas verdes conclui que conhecer e experimentar a natureza nos fazem mais felizes e saudáveis.

Atrás das políticas de mobilidade, saneamento, áreas verdes e todas as outras estão as decisões de compra e contratação de produtos e serviços para implementá-las. Estas decisões de compra pública envolvem contratos de curto prazo (por exemplo, construção de uma escola) e também contratos de longo prazo, como iluminação pública, coleta e tratamento de resíduos e transporte público. É fundamental que os editais e contratos reflitam claramente critérios de sustentabilidade. No curto prazo, os condicionantes e incentivos precisam se limitar ao possível no presente (energia solar nos prédios públicos, por exemplo). Já nos contratos de longo prazo, pode-se ir mais longe. Por exemplo, um contrato de 40 anos para ônibus urbanos deve prever emissão zero ao longo de sua vigência — talvez não factível em um contrato de curto prazo, mas totalmente realista para o longo prazo.

Em essência, é preciso constituir cidades sustentáveis, que envolvem decisões de todos os dias e de longo prazo. Avaliar o compromisso dos candidatos a prefeito e vereador com esta visão é o objetivo de uma série de iniciativas da sociedade civil, como o Projeto Ficha Verde, no Amazonas, ou Piracicaba Sustentável, no interior São Paulo.

E você? Sabe quais as propostas do seu candidato?

Publicado em O Globo, 28-09-2016


quarta-feira, 21 de setembro de 2016

Futuro Planejado



Planejamento não é previsão. O futuro a gente faz.

Em 1986, foi instalado na província de Shandog o primeiro projeto piloto de um gerador eólico da China. Ele foi seguido por dezenas de outros pilotos. Isso até que, em 1993, o país asiático estabeleceu o seu primeiro conjunto de políticas de incentivo e desenvolvimento tecnológico para promover esse tipo de energia e alguns anos depois, em 1997, foi definida a primeira meta. Até 2001, a capacidade instalada eólica deveria ser de 1 mil megawatts (MW) – o que representava uma das maiores do planeta para essa fonte (no inicio da década de 90, a capacidade total instalada no mundo era de 5 mil MW).

A ambiciosa marca não foi atingida em 2001. Entre outros motivos, pesou o custo pouco competitivo da tecnologia. No 10º Plano Quinquenal de Desenvolvimento (2001 a 2005) a aposta chinesa foi dobrada, com objetivo de fomentar indústria e reduzir à metade esses custos. Assim, em 2004, a meta de 1 mil MW foi alcançada e, em 2007, já havia 40 fabricantes de turbinas eólicas operando no país. Já em 2010, a China estabeleceu que atingiria 100 mil MW, em 2015, e 150 mil MW, em 2020.

Ocorre que, ao final de 2015, o país já havia batido nos 145 mil MW. Ou seja, em 2016, terá pulverizado a meta de 2020 (para dar uma ideia do que isso representa, basta dizer que a capacidade instalada de todo o parque elétrico brasileiro – incluindo todas as fontes de energia – é de 160 GW). Nessa trajetória, que é muito similar no setor de energia solar e automação industrial, a China tornou-se o maior provedor de equipamentos e tecnologia para geração eólica no planeta.

A China corre contra o tempo. Sabe que precisa ter alternativas viáveis e em grande escala para o suprimento de energias limpas e renováveis que possam substituir o intenso uso do carvão,  fonte que polui de forma assustadora cidades cada vez mais populosas e drena recursos naturais — a água, em particular.

A China, pela magnitude e pelo regime político único, é uma base complicada de comparação. Mas, ali pertinho, a Coreia do Sul é outro exemplo interessante de planejamento para o futuro. O país, que é uma democracia às vezes tão turbulenta quanto a nossa, acaba de lançar seu plano de investimento público-privado em ciência e tecnologia, voltado para o que eles acreditam ser as chaves para o desenvolvimento e o bem-estar nas próximas décadas.

Anote aí. São nove temas que equivalem a uma espécie de guia para o futuro: a inteligência artificial, os veículos elétricos e autônomos, os materiais leves, as cidades inteligentes, a realidade virtual, a gestão de poeira fina (controle de poluição de materiais particulados), os produtos de carbono, a biomedicina e a medicina de precisão.

Apenas como exemplos da estratégia, até 2020 o país quer abrigar pelo menos mil empresas de inteligência artificial, quase dez vezes mais do que tem hoje. Já os veículos autônomos devem estar circulando pelas ruas da Coréia em 2024. Ou seja, tanto a tecnologia quanto a regulamentação serão desenvolvidas e implantadas em menos de uma década. Para os produtos de carbono, a meta também é ambiciosa. A Coréia do Sul pretende liderar o desenvolvimento de sistemas de remoção do carbono da atmosfera, uma fonte do aquecimento global, para transformá-lo em algo útil e economicamente interessante para sociedade.


Esses casos nos ensinam que, mais importante do que tentar prever o futuro, é trabalhar para torná-lo uma realidade. Isso além de transformar essa busca em um processo de desenvolvimento sustentável. Esse é o real motor da inovação social, econômica e tecnológica.

Publicado na revista Época Negócios (Set/2016)

quinta-feira, 1 de setembro de 2016

Ratificação



No dia 12 de setembro será sancionada no Brasil a ratificação do Acordo de Paris, o mais abrangente acordo sobre clima desde que a Convenção Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas foi aprovada, em 1992. EUA e China, os dois maiores emissores de gases de efeito estufa, e mais duas dezenas de países anunciaram a intenção de ratificar ou confirmar o acordo ainda em setembro. 

Nesta toada, o Acordo de Paris poderá atingir o limite mínimo de 55 países, representando pelo menos 55% das emissões globais, para entrar em vigor em menos de um ano, após o encontro em dezembro de 2015 em Paris.

Em processos oficiais da diplomacia, é uma velocidade estonteante. Para efeito de comparação, o Protocolo de Kyoto — o primeiro instrumento criado no guarda-chuva da convenção de clima e que gerou a obrigação de redução das emissões para os países desenvolvidos — demorou oito anos para entrar em vigor. Foi aprovado em 1997 e entrou em vigor apenas em 2007, quando a Rússia finalmente ratificou o protocolo, permitindo atingir o mínimo de 55% das emissões.

Mesmo no caso do Brasil, que não tinha obrigações vinculadas ao Protocolo, e sim potenciais benefícios com os créditos do Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (MDL), a ratificação aconteceu apenas em abril de 2002, cinco anos após a aprovação.

O Acordo de Paris é muito mais ambicioso que os instrumentos anteriores, apontando como meta limitar o aumento de temperatura global bem abaixo de 2 º C, de preferência próximo a 1,5º C. Mesmo assim, ou talvez justamente por isso, no Brasil conta com amplo apoio em universidades, sociedade civil, empresas e movimentos sociais, o que acabou dando o tom da tramitação do projeto de ratificação tanto na Câmara quanto no Senado em tempo recorde em meio ao turbulento processo de impeachment.

Neste contexto, nada mais adequado que a inclusão da agenda de clima e floresta na abertura da Olimpíada no Rio, que alertou para os desafios das mudanças climáticas, aliados à esperança nas ações práticas para enfrentá-los, como reflorestar, usar fontes renováveis de energia e nos livrarmos da dependência do petróleo e carvão.

A hora é de arregaçar as mangas e promover as revoluções necessárias para zerar as emissões líquidas de gases e efeito estufa até meados do século. Nesse sentido, as noticias das últimas semanas são alvissareiras: a FAO anunciou que a perda de florestas desacelerou nos últimos cinco anos; a primeira gigafábrica começou a produzir em Nevada, nos EUA, e vai derrubar em 30% o preço das baterias; a China instalou impressionantes 20.000 MW de capacidade de geração solar apenas no primeiro semestre de 2016 (equivalente a duas usinas de Belo Monte); e as vendas de carros elétricos dispararam, devendo a frota mundial superar dois milhões de veículos este ano.


Que venham mais boas notícias! Temos que nos mover rápido. Muito rápido.


Publicado em O Globo, 31.08.2016