terça-feira, 30 de junho de 2015

Na direção correta, mas frustrante

Frustrante. Não tem outra forma de ler os compromissos do Brasil contidos na declaração sobre clima apresentada durante visita aos EUA.

São basicamente três compromissos apresentados: (i) buscar zerar o desmatamento ilegal em 2030 (a data não esta no documento mas foi expressa pela presidente da entrevista coletiva); (ii) reflorestar ou recuperar 12 milhões de hectares de florestas; e (iii) alcançar em 2030 entre 25 e 33% de participação de fontes renováveis (exceto hidroelétricas) na matrix energética brasileira.

Nada sobre metas de redução de emissões. Talvez porque, ao fazer as contas, o governo concluiu que estas metas não garantem redução de emissões em 2030.

De fato, zerar o desmatamento ilegal é o mesmo que dizer só nos comprometemos a garantir o cumprimento da lei em 2030. Além disso, uma parte do desmatamento é legal, em especial no Cerrado, onde temos atualmente a maior área anual de desmatamento.

No caso do reflorestamento ou recuperação de florestas, o compromisso é menor do que a própria estimativa do governo quanto ao que precisa ser recuperado para cumprimento do código florestal (números variam de 19 a 24 milhões de hectares).

A soma dos dois compromissos fica muito abaixo da meta de zerar a perda de cobertura florestal até 2015 prevista no Plano Nacional de Mudanças Climáticas de 2008.

No caso de energia, a impressão é de que tem algum erro no texto. Historicamente, a participação de energias renováveis que não hidroelétrica sempre estivaram acima da faixa proposta para 2030 como pode ser ver no gráfico abaixo com dados de produção de energia primária do Brasil publicadas no Balanço Energético Nacional. De fato só ficou abaixo de 33% justamente no atual governo. Ou seja, a meta a ser atingida em 2030 seria abaixo da performance histórica.



Nas atividades de cooperação tem algumas coisas interessantes como desenvolver silvicultura de espécies nativas entre outros tópicos. Mas são ações que perdem relevância quando avaliadas no contexto das metas apresentadas.

Enfim, agora é torcer para que este tenha sido apenas um ensaio do que poderá e deverá será  INDC brasileira. E quem sabe até a sua publicação nível de ambição aumente bastante.

O Observatório do Clima na semana passada apresentou uma proposta completa e viável de INDC brasileira com um nível de ambição muito mais alto e poderia servir de inspiração para o governo brasileiro.


quinta-feira, 25 de junho de 2015

Coalizão improvável

O que têm em comum o Greenpeace e a Sociedade Rural Brasileira ou a SOS Mata Atlântica e a Associação Brasileira do Agronegócio?

Esta semana foi lançada a Coalizão Brasil Clima, Floresta e Agricultura que nasceu de uma improvável encontro às vésperas do Natal de 2014 que reuniu em um hotel em São Paulo representantes de entidades empresariais nos setores agrícola e florestal, produtores rurais, ambientalistas, ONGs e lideranças brasileiras do terceiro setor com o propósito de buscar uma agenda comum para promover a sustentabilidade no setor rural com saldo positivo para o mitigação e adaptação as mudanças do clima.

O setor rural é,  por um  lado, o maior contribuinte para as emissões brasileiras de gases de efeito estufa, respondendo por quase dois terços das emissões do país por conta do desmatamento, pecuária e uso excessivo de fertilizantes de fontes fósseis. Por outro lado é o setor com as maiores oportunidades de reduzir emissões e gerar massivas quantidades de captura de CO2 a partir da redução do desmatamento, manejo integrado das pastagens e reflorestamento tanto de áreas de preservação permanente como de produção.

Estudos recentes do Painel Brasileiro de Mudanças Climáticas mostram que a agropecuária brasileira pode sofrer tremendo impacto com aumentos da temperatura global acima de 2oC especialmente pelas alterações nos padrões de chuva. As pesquisas também apontam que as florestas são essenciais para manter o regime hídrico e conter estas mudanças do clima ou pelo menos nos ajudar a adaptar a elas.

A economia do setor rural – agricultura, pecuária e produção florestal – é única que tem  conseguido avançar nos tempos difíceis que vivemos. O seu crescimento saudável e sustentável é do mais alto interesse para o Brasil e o mundo, dada a importância do país para produção global de alimentos, biocombustíveis e fibras.

Depois de seis longos meses de intensas negociações e dezenas de reuniões, o grupo estabeleceu uma visão comum orientada para promover uma economia rural forte,  competitiva e sustentável. As mais de 100 instituições signatárias se comprometem em lutar pelo desmatamento zero, a completa implementação do código florestal, a restauração das áreas degradadas e a implementação e valorização das práticas da agricultura de baixo carbono com vistas a possibilitar o Brasil zerar suas emissões líquidas de gases de efeito estufa o mais cedo possível neste século.

Um conjunto de dezessete propostas concretas foram colocadas na mesa e servirão de base para o trabalho da Coalizão nos próximos meses e anos. 


Que tenha vida longa esta coalização tão improvável.

Publicado em O GLOBO em 24.06.2015