quarta-feira, 26 de março de 2014

Pedindo Água

Em 2009, durante as reuniões preparatórias para a Conferência de Clima de Copenhague (COP-15) com o presidente e os ministros, um dos mais importantes argumentos que justificaram a importância de termos metas de redução de emissões de gases de efeito estufa foi a nossa vulnerabilidade às mudanças no regime hídrico em cenários de aumento da temperatura média global superior a dois graus.

Uma apresentação preparada pela equipe do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) alertava para impactos intensos e abrangentes como o recrudescimento dos períodos de seca no Nordeste brasileiro, a possível perda de até 30% do potencial de geração das hidrelétricas existentes na Região Sudeste, insuficiência de água para abastecimento em grandes metrópoles e perda de potencial de produção agrícola.

Muito antes do que se imaginava, estamos vivendo todos estes impactos de uma só vez. O rebanho bovino foi reduzido em dois milhões de cabeças de gado no Nordeste em 2012 devido à seca, os reservatórios de água estão no nível mais baixo da história em São Paulo, as perdas de safras de grãos e frutas já estão sendo contabilizadas, e o sistema hidrelétrico está literalmente pedindo água. As consequências econômicas deste estresse podem ultrapassar os R$ 100 bilhões em 2013 e 2014.

Neste momento, o que mais se ouve é tratar o problema da escassez como uma fatalidade do clima, com o verão mais quente ou o período de estiagem mais atípico das últimas décadas. Mas o que já se demostrava em 2009 é que estes eventos serão cada vez mais reincidentes.

De fato, países com regimes hídricos muito menos favoráveis que o nosso, como Israel ou México, estão muito mais preparados para conviver com a escassez.

O problema não é a falta de água, mas a gestão sustentável deste recurso precioso. A aparente abundância de recursos hídricos nos tornou lenientes e dependentes do modelo linear de captação-uso-coleta de esgoto-retorno ao curso d’água. Este modelo não se sustenta, é fundamental um regime que aumenta a água em circulação no sistema através de sistemas inteligentes de recirculação, tratamento e reúso. Acima de tudo, devemos tratar a água como recurso escasso e promover a todo custo o seu uso eficiente. Precisamos resgatar e revitalizar a política nacional de recursos hídricos.

O tema da gestão da água ilustra o quão fundamental é a incorporação da sustentabilidade como princípio fundamental e inalienável das políticas públicas no Brasil. Este, sim, é um tema essencial para o debate eleitoral de 2014.

Publicado em O GLOBO em 26.03.2014

terça-feira, 25 de março de 2014

Um resumo de impacto

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IPCC – Painel Intergovernamental das Mudanças Climáticas, da ONU, O IPCC – Painel Intergovernamental das Mudanças Climáticas, da ONU, se reúne esta semana no Japão para finalizar as mensagens centrais da segunda parte do  Relatório de Avaliação sobre Mudanças Climáticas que trata dos impactos, vulnerabilidade e adaptação às mudanças climáticas.
Os relatórios do IPCC são apresentados em intervalos médios de 6 anos. O primeiro foi publicado em 1990 e foi seguido pelos documentos de 1995, 2001 e 2007. E, agora, o de 2014.
Os relatórios de avaliação sobre mudanças do clima (AR – assessment report) são produzidos  por centenas de cientistas que colaboram com o IPCC divididos em três grupos:
ciência do clima (GT1),
impactos, vulnerabilidade e adaptação (GT2) e
mitigação (GT3).
Cada um destes grupos produz um  amplo relatório com a revisão completa de centenas de trabalhos científicos publicados no período, envolvendo milhares de pesquisadores e autores em todo o mundo.
Além deste documento longo, com centenas de páginas, cada grupo gera um sumário para tomadores de decisão em politicas públicas (sumary for policymakers), que é uma versão super resumida (cerca de 20-30 páginas) com as principais mensagens do relatório principal. Este é documento que dá base a quase todos debates que veremos na imprensa. Ao final, também será produzido um relatório-síntese, consolidando o trabalho dos três grupos: também um documento mais curto com algumas dezenas de páginas).
Como o resumo é o que será lido por grande parte das pessoas interessadas, no mundo, é nele que se trava a maior disputa sobre a linguagem e a forma como as informações serão apresentadas. O fechamento deste resumo para o Grupo 2 é objeto fundamental do trabalho desta semana, no encontro em Yokohama.
Foi justamente o rascunho deste documento resumo que circulou circulou pela internet nas ultimas semanas e que revela que o documento do GT2 está dividido em três sessões:
(A) impactos, vulnerabilidades e exposição observadas;
(B) riscos e oportunidades para adaptação e
(C) riscos futuros e construção da resiliência.
O documento é rico em figuras e perfeito para ilustrar os impactos e os riscos com detalhamento para diferentes regiões do planeta. Esperemos, pois, a publicação do relatório na próxima sexta-feira, 28/03.

terça-feira, 18 de março de 2014

Mapa do caminho da negociação do novo acordo de clima

Mapa do Caminho
(O esqueminha acima representa os eventos citados no texto e a relação entre eles. Clique na imagem para ver os detalhes)
Na semana que passou, aconteceu a 4ª reunião do Grupo de Trabalho da Plataforma de Durban que tem duas atribuições centrais:
(i) desenvolver um novo acordo global de clima (instrumento legal sob a convenção) aplicável a todas as partes a ser aprovado até 2015 para começar a valer em 2020; e
(ii) ampliar os compromissos e a ambição para ações até 2020.
O grupo foi criado para dar consequência a um dos pilares das decisões tomadas naCOP17, realizada em Durban, na África, em 2011, quando se acordou um segundo período de compromissos do Protocolo de Kyoto (com metas para os países desenvolvidos – Anexo1) e que, após este período, haveria um novo instrumento (protocolo, acordo etc) com compromissos e metas para todas as partes.
Nos últimos dois anos, inclusive nas COP18 e COP19 (Doha e Varsóvia), lentamente vem se construindo uma espécie de mapa do caminho para desenhar este novo acordo global. São três frentes:
(i) Reuniões de construção da proposta de novo acordo do Grupo de Trabalho ADP que, a partir de junho próximo, deve entrar em processo de organização das propostas concretas para o novo acordo. Estão previstas mais de três reuniões este ano: em junho, outubro e dezembro, durante a COP de Lima;
(ii) Cúpula de Clima (set 2014): Convocada pelo Secretário Geral da ONU para determinar a ambição do processo na negociação do novo acordo;
(iii) Encontros de alto nível para tomada de decisão multilateral representados pelasCOP (Conferência das Partes da Convenção de Clima) de Lima (dez, 2014) e Paris (dez, 2015). Em Lima, pretende-se fechar os itens de conteúdo que balizarão o novo acordo. Em Paris, deve ser acordado o texto final do novo acordo para ser ratificado pelos países nos anos seguintes e entrar em operação em 2020.
Enquanto estas negociações acontecem, dois importantes eventos estão programados:
Divulgação final do 5º. Relatório do IPCC (março, abril e outubro de 2014) e
Apresentação das propostas de contribuições de esforços nacionais (NDC – Nationally Determined Contributions) para o novo acordo (março de 2015).
O 5º. Relatório do IPCC é fundamental, pois o Acordo de Copenhague prevê que o objetivo global de limite de aumento médio da temperatura global deverá ser revisto com base nos resultados deste relatório. A primeira parte do mesmo relatório foi enfática ao determinar um orçamento global de emissões até o final do século, para termos chance razoável (66%) de limitar o aumento de temperatura em 2ºC. Os outros dois volumes do IPCC, a serem divulgados em março e abril, devem trazer o mesmo nível de clareza sobre as necessidades de mitigação (redução de emissões) e adaptação às mudanças climáticas.
Já tendo como base esta informação, os países devem apresentar, até março de 2015, suas ofertas de contribuição para os esforços de mitigação e adaptação, a serem incluídas no novo acordo. A soma destas ofertas permitirá avaliar se as contribuições serão suficientes para atender as recomendações do IPCC. Se não forem, o que atualmente é mais que provável, ampliar estas contribuições será o grande desafio até Paris, em 2015.
Os compromissos devem abranger não só a mitigação, mas também a adaptação às mudanças climáticas e recursos para viabilizar a implementação do acordo (eg. tecnologia e financiamento).
Para que os compromissos possam ser entendidos no seu conjunto, o ADP instituiu – como uma das suas prioridades para 2014 – a definição de parâmetros e orientações que devem nortear as propostas de contribuições nacionais dos países (ex. informações mínimas a serem contidas).
Lentamente, o caminho para o novo acordo de clima vai tomando forma. Agora é preciso acelerar e muito para que se consiga chegar a um acordo realmente ambicioso. O próximo grande passo é a sociedade de cada país influenciar positivamente a ambição dos sinais que os Chefes de Estado vão apresentar na Cúpula do Clima em setembro próximo e as propostas de contribuições nacionais que serão divulgadas até março de 2015.

segunda-feira, 10 de março de 2014

Uma gigafábrica de baterias

blog-do-clima-gigafabrica-tesla

Esta é o tipo de ação radical de que precisamos para uma economia de baixo carbono!
Há alguns dias, a Tesla - fabricante de carros elétricos fundada pelo visionário empreendedor sul africano Elon Musk – anunciou a implementação da maior fábrica de baterias do mundo a ser construída nos EUA e que deve entrar em operação em 2017.
Não é à toa que ela foi batizada de Gigafábrica (Gigafactory): quando estiver operando a plena capacidade em 2020, anualmente produzirá baterias com capacidade de armazenamento de 50 mil MW. Isto é, mais do que a capacidade atual de todas as fábricas de bateria do mundo somadas (34 mil MW/h).
Para ilustrar bem o significado prático de toda esta capacidade, basta imaginar que as baterias produzidas pela gigafábrica, em um ano, poderiam armazenar toda energia necessária para atender a demanda média de energia elétrica no Brasil inteiro, por quase uma hora, ou armazenar a energia gerada por todas as usinas eólicas em um dia.
A Gigafábrica será autossuficiente em energia a partir de um parque eólico e outrosolar anexos, que serão construídos ao lado da fábrica.
A estimativa dos empreendedores é baixar em, pelo menos, 30% o custo das baterias para veículos e todo o tipo de equipamentos como computadores.
Os sinais que esta iniciativa aponta são, no entanto, mais profundos. Ela representa uma aposta de US$ 5 bilhões (investimento estimado) na eletrificação do mundo e na real possibilidade de transformar o armazenamento de energia em um sistema distribuído na nuvem, similar ao que já acontece com processamento e armazenamento de dados.
A Tesla estima que produzirá mais de 500 mil carros elétricos por ano, até 2020 (em 2013 foram 30 mil, contra 2 mil dois anos antes). A bateria dos automóveis (de qualquer equipamento eletrônico) poderá conversar com a rede e ser utilizada para armazenar e despachar energia de acordo com a demanda do sistema elétrico integrado(smartgrid). Em larga escala, este sistema inteligente permitirá muito mais flexibilidade e estabilidade para fontes renováveis, mas intermitentes de energia como a solar e a eólica. O limitante para um sistema assim funcionar era a disponibilidade de grandes quantidades de bateria. Em pouco tempo, já não será mais.
É este tipo de movimento desruptivo, de larga escala e grande impacto que é necessário para produzirmos as mudanças urgentes rumo à economia de baixas emissões de gases de efeito estufa (GEE).
E atenção! Elon Musk, o empreendedor por trás da Gigafábrica é um visionário, mas não é um aventureiro. Entre os empreendimentos que colocou de pé, além da Tesla, estão o PayPall (maior sistema de pagamentos pela internet), a Space X (que, com menos de 10 anos de vida, já é a única empresa privada a suprir a estação espacial internacional) e a SolarCity (maior empresa de energia solar fotovoltaica nos EUA).
Veja documento divulgado pela Tesla para saber mais detalhes da Gigafábrica.
Publicado em Blog do Clima / Planeta Sustentável em 10-03-2014

À espera de novo acordo climático global, legislações nacionais avançam

Na última semana de fevereiro, durante a Conferência Global de Legislação sobre Clima realizada em Washington (EUA), foi lançado o mais abrangente estudo sobre legislações relacionadas com mudanças climáticas, envolvendo 66 países que, juntos, representam mais de 88% das emissões globais de gases de efeito estufa (GEE).
Esta é a quarta edição do estudo produzido pelo Globe* (organização global de parlamentares) em parceria com a London School of Economics*. Foram revisadas quase 500 legislações. Dos 66 países estudados, 62 possuem legislações que dão claro embasamento para políticas de mudanças do clima.
Em 61 países, já existe legislação doméstica para promover fontes de energia limpaou eficiência energética, e 52 países dispõem de legislação e políticas para aumentar a resiliência aos impactos causados pelas alterações do clima.
Entre as várias informações e análises apresentadas no extenso estudo, há uma classificação simples (verde, amarelo, vermelho) da evolução da legislação sobre clima em 2013, período que, no caso brasileiro, indica como avanço positivo a aprovação donovo código florestal, o que é, no mínimo, questionável.
Outro ponto interessante é a análise da cobertura da legislação sobre diversos aspectos e setores, que chama a atenção para o fato de que, em 27 países, já existe legislação que trata da precificação do carbono, incluindo países desenvolvidos, emergentes e em desenvolvimento. Entre os BRICS, apenas o Brasil não possui legislação associada a essa precificação.
mapa interativo mostra países incluídos no estudo de legislações sobre mudanças climáticas
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Publicado em Blog do Clima / Planeta Sustentável - 06-03-2014