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quarta-feira, 25 de novembro de 2020

País que mais preserva ou destrói?


Dias atrás,  discursando para o G20,  o presidente Bolsonaro afirmou: "Utilizamos 8% de nossas terras para agricultura e 19% para pecuária; por isso, cerca de 66% de nosso território se encontram preservados com vegetação nativa (...) trabalharemos para manter este elevado nível de preservação. Somos responsáveis por menos de 3% das emissões de carbono mesmo sendo uma das dez maiores economias do mundo". E completou assim: "o que apresento aqui são fatos e não narrativas, são dados concretos e não frases demagógicas que rebaixam o debate publico".


Depois de tantas informações erradas propaladas pelo atual chefe do Executivo,  chega a surpreender que os quatro dados apresentados na fala sejam muito próximos do real. Mas as conclusões derivadas deles contidas na fala não condizem com a realidade.


Segundo o MapBiomas, a mais completa base de dados sobre cobertura e uso da terra do país, em 2019 a área de uso agropecuário ocupava cerca de  30% do território. Quando  se consideram as pastagens naturais e os plantios comerciais para produção de madeira,  chega a 35%, o que está alinhado com a média global de ocupação da superfície terrestre para agropecuária. O Brasil não se distingue muito do mundo neste quesito.


Ainda segundo o MapBiomas, o país tem realmente 66% de vegetação nativa. Porém não se pode dizer que preserva este montante. Quase 10% da vegetação nativa brasileira já foram  desmatados pelo menos uma vez, e estima-se que pelo menos outros 20% já foram degradados pelo fogo ou pela exploração ilegal de madeira. Ou seja, a área efetivamente preservada não alcança nem 50%.


Por outro, lado o Brasil é, de longe, o país que mais desmata no mundo. Lá atrás vêm a República Democrática do Congo e a Indonésia. E o desmatamento anda muito rápido. Em 1975 a Amazônia tinha 0,5% de suas florestas desmatada, atualmente se aproxima de 20%. Entre janeiro de 2019 e agosto de 2020 o desmatamento no Brasil alcançou uma área superior à metade do Estado do Rio de Janeiro. Definitivamente, o Brasil não é o país que mais preserva no mundo.


O Brasil é o quinto maior emissor de gases de efeito estufa. Em 2019 fomos responsáveis por cerca de 4% das emissões globais, enquanto nossa participação no PIB global é 2%, ou seja, emitimos mais que a média do mundo para cada dólar  de geração de riqueza. Por outro lado, nossa emissão per capita é de 10 tCO2e/habitante/ano, enquanto a média do mundo é 7t. Novamente, estamos piorando a média do mundo.


Mas o Brasil, que tem alta participação de fontes renováveis na matriz energética, poderia se tornar rapidamente o exemplo para o mundo. Zerando o desmatamento, restaurando ecossistemas em áreas críticas, ampliando as áreas protegidas e a economia da floresta em pé junto com uma pujante agricultura regenerativa, seremos certamente o melhor exemplo para o mundo.


Para isso precisamos de menos demagogia e desvio de atenção do discurso e mais ação no dever de casa.


Publicado em O Globo em 25.11.2020

quarta-feira, 3 de abril de 2019

A Internet da Energia



A mais longa linha de transmissão de energia elétrica no mundo está no Brasil e liga as usinas de Santo Antônio e Jirau em Porto Velho (RO) a Araraquara (SP), num trajeto de 2400 quilômetros. Mas este é um recorde destinado a ser batido várias vezes nos próximos anos com a implantação das linhas de transmissão intercontinentais.

Transmitir energia por longas distâncias é fundamental para massificar a adoção de fontes renováveis de energia. As unidades geradoras muitas vezes estão longe dos centros de consumo, como acontece com parte das hidrelétricas e parques eólicos no Brasil.  O SIN (Sistema Interligado Nacional) permite o encontro entre a geração e o consumo.

Quando a eletricidade é gerada em térmicas a carvão, derivados de petróleo e gás, não existe necessidade de transmitir energia a grandes distâncias; opta-se por transportar o combustível para o local das usinas. Mas esta solução, que representa a maior parte da geração de eletricidade no mundo hoje, é uma das principais fontes de poluição. À medida que precisamos melhorar a qualidade do ar e reduzir as ameaças das mudanças climáticas provocadas pela emissão de gases de efeito estufa, teremos que multiplicar o uso de energias renováveis.

Um sistema interligado global irá conectar os locais de grande potencial de geração de energia solar, eólica, geotérmica e hidrelétrica com os centros de consumo, ao mesmo tempo que permitirá equalizar oferta e demanda nas diferentes horas do dia e condições de geração (por exemplo, presença de vento ou disponibilidade hídrica). Será uma espécie de internet da energia – pode ser gerada e consumida em qualquer parte.

O grande limitador para gerar este grid global é a perda de energia no transporte a grandes distâncias. Os sistemas de alta voltagem, dominantes hoje, têm perda de 6% a 20% a cada mil quilômetros, tornando inviável, por exemplo, atravessar o Atlântico. Nos últimos anos, com o desenvolvimento de novas tecnologias de transmissão de energia de ultra alta voltagem, que reduzem as perdas a 2% por mil quilômetros, a possibilidade de constituir um grid interconectando os continentes e regiões passou a ser uma possibilidade concreta.

A iniciativa Global Energy Interconnection, que conta com o Nobel de Física Steven Xu como um dos líderes e tem forte suporte da China, está promovendo um mapa do caminho para criar esta internet da energia até 2030 e interconectar todo o planeta até 2050.

Parece um sonho distante, mas vale lembrar que o primeiro cabo de fibra óptica intercontinental foi instalado nos anos 1990, ligando os EUA à Europa. Hoje, são mais de 1 milhão de quilômetros de cabos de fibra ótica instalados ligando todos os continentes e por onde passam 99% do tráfego da internet. Da mesma forma como esta infraestrutura possibilitou a democratização do acesso à informação e comunicação, pode acontecer com a energia através do grid global.

Publicado em O Globo, 03.04.2019

quarta-feira, 26 de setembro de 2018

Eleições, Meio Ambiente e Esperança



Em ano de eleições tem se tornado comum as más notícias para o meio ambiente e 2018 tem sido particularmente cruel. Nas ultimas semanas fomos bombardeados por péssimas noticias. Os números oficiais no INPE ainda não foram publicados, mas os dados do sistema SAD publicado pelo Imazon apontam que o desmatamento na Amazônia aumentou 39% entre agosto de 2017 e julho de 2018 em relação ao mesmo período do ano anterior.

Já o SIRA-X, programa de monitoramento de desmatamento do ISA na Bacia do Xingu detectou a 2 mil campos de futebol de desmatamento dentro da das Terras Indígenas (TIs) Apyterewa e Ituna/Itatá, ambas no Pará, no mês de agosto, oito vezes o que havia sido verificado no mês anterior. 

Um estudo do Instituto Centro e Vida (ICV) feito com base nos dados oficiais do Estado do Mato Grosso apontou que nada menos do que 98% do desmatamento do Cerrado no estado é ilegal, ou seja, não tinha autorização valida para ser realizado. Imaginava-se que a ilegalidade no Cerrado fosse menor que na Amazônia mas pelo jeito é igual ou pior, pelo menos em MT.

A violência contra ativistas ambientais e lideranças comunitárias também aumentou nos últimos 3 anos. A Global Witness divulgou os dados de assassinatos de ambientalistas no mundo em 2017 e o Brasil novamente lidera a vergonhosa lista com 57 mortes.

Existe luz no fim do túnel. O IBAMA, sem alarde, montou um portal para divulgação das bases de dados de licenciamentos, multas, embargos, guias de transporte de madeira e outros dados fundamentais para monitorar as atividades que podem causar dados ambientais. Seus efeitos logo começarão a ser sentidos. O Ministério Publico Federal criou uma força tarefa de procuradores na Amazônia para investigar crimes ambientais na região, nos moldes da Lava Jato. O IBGE divulgou os dados da Pesquisa Agrícola Municipal que indica que a valor da produção de Açaí – que mantem floresta em pé - ultrapassou os R$ 5 bilhões em 2017, quase um terço do valor da produção nacional de café em grão.  

As eleições caóticas que se aproximam podemos ir de um extremo ao outro. Como mostrou estudo do Observatório do Clima, nas candidaturas a Presidência temos num extremo a quase barbárie, com proposta de deixar o Acordo de Paris, desregulamentar do setor ambiental, liberar agrotóxicos na base da canetada e rever todas as áreas protegidas. Do(s) outro(s) lado(s) a proposta de zerar o desmatamento, demarcar todas as terras indígenas, bombar as energias renováveis, promover o mercado de carbono e realizar no Brasil a próxima conferencia de clima.

Podemos viver o inferno ou uma revolução sustentável. A resposta estará na urnas em outubro.

Publicado em O Globo em 26.09.2018

quinta-feira, 26 de outubro de 2017

É Fogo


Estava lá, na capa do site da NASA, em meio a imagens de satélite indicando onde estão os focos de incêndios florestais que devastam o mundo, a imagem chocante da Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros (GO) ardendo em chamas. Cerda de 20% do parque já foi atingido, uma área equivalente a 35 mil campos de futebol.

De janeiro a outubro o Monitoramento INPE contabilizou mais de 200 mil focos de fogo e queimadas no Brasil, o maio numero desde o inicio do monitoramento a vinte anos atrás. Metade dos focos estão na Amazônia. A área afetada pode superar os 10 milhões de hectares, ou mais de duas vezes o estado do Rio de Janeiro.

Na América do Sul, também caminha para bater o recorde de queimadas de 2004 quando chegaram a 441 mil focos de calor em um ano. Os incêndios florestais avançam sem trégua nos EUA, Rússia, Canadá, todo o sul da Europa, África central, Austrália e Indonésia.

Nas ultimas décadas a incidência, abrangência e intensidade dos incêndios florestais esta aumentando ao redor do mundo e com ele a perda de vidas de pessoas cercadas pelo fogo, a destruição de residências, prédios e infraestrutura a além do impacto na biodiversidade e os problemas de saúde associados a fumaça. Os níveis de poluição do ar medidos na Amazônia na época de incêndios são piores do que São Paulo.

Por mais que possam ser caraterizados como desastres naturais (em inglês são chamados de wildfire), o aumento dos incêndios tem grande responsabilidade humana

No Brasil, o desmatamento – muitas vezes seguido de queimadas para preparar o solo para plantio – e a exploração madeireira sem manejo causam a degradação da floresta reduzem a evapotranspiração da floresta tornando o ambiente mais seco e mais propício ao fogo. Por outro lado, o desmatamento e as queimadas emitem bilhões de toneladas de carbono na atmosfera agravando o aquecimento global e por sua vez aumenta o risco de incêndios.

Na indonésia a conversão de florestas em solos turfosos com mais de 10 metros de material orgânico no solo para plantio de dendê propicia incêndios que duram meses e fizeram com que o país emitisse mais carbono que os EUA em 2016.

No Canadá a morte de milhares de árvores acontece pela infestação do besouro do pinheiro (Pine Beatle) que se tornou uma praga com a redução da temperatura no inverno devido as mudanças climáticas. As arvores mortas são combustíveis para o fogo se alastrar turbinados pelas altas temperaturas.

O ano de 2017 tem dado uma amostra dos impactos alarmantes que se espera das mudanças climáticas. É urgente nos prepararmos para enfrentar esta realidade. No Brasil o primeiro passo é zerar de uma vez por todas o desmatamento e a degradação florestal e promover a restauração das áreas críticas. Assim reduziremos o combustível para o fogo (tanto pela redução de emissões como pelo ambiente menos seco) e aumentaremos a formação de nuvens e as chuvas tão fundamentais para nossa agricultura e nossa saúde.

Publicado em O Globo, Edição de 25.10.2017

sábado, 11 de fevereiro de 2017

Água 4.0


Em um livro recente, o engenheiro David Sedlak da Universidade de Berkeley, descreve três revoluções pela qual passou o desenvolvimento de sistemas de água em centros urbanos. O primeiro foi a inovação romana de captar água potável e despejar esgoto fora dos centros mais populosos. Já a segunda revolução foi o tratamento da água para consumo eliminando micro-organismos patógenos e por fim a terceira foi a implantação dos sistemas de tratamento de esgoto.

Sedlak completa indicando a necessidade de uma quarta revolução da água necessária para enfrentar um conjunto de problemas bem atuais: a escassez de água em diversas regiões afetadas pelas mudanças do clima e consumo desproporcional, a capacidade de tratamento e a excessiva - e cada vez mais complex - contaminação química da água. Ainda poderia acrescentar a desigualdade de condições de oferta de água limpa em diferentes regiões do planeta devido aos custos envolvidos.

A coleta e tratamento de esgoto é absolutamente fundamental para a geração de um ambiente saudável no meio urbano. Porém, infelizmente, ainda é uma realidade muito distante do mundo em desenvolvimento. No Brasil, seguindo o Instituto Trata Brasil metade da população não conta com sistema de coleta de esgoto e só 40% do esgoto é tratado. Tratamento de esgoto exige infraestrutura cara de coleta, demanda espaço grande muita energia (cerca de 2 KWh/m3).

Outro desafio grande é a dessalinização da água para viabilizar o abastecimento em regiões de grande déficit hídrico. É um processo caro, em geral realizado por osmose reversa, onde a água empurrada em pressão por vários filtros com enorme consumo de energia (cerca 4 KWh/m3). Apenas como exemplo, em Fernando de Noronha a unidade de dessalinização da água chega a representar 50% do demanda de energia da ilha.

Existem várias inciativas no mundo que buscam soluções para acelerar, baratear e simplificar o tratamento de água e esgoto. Nos EUA uma startup chamada Janicki Bionergy desenvolveu o Omniprocessor, uma usina onde de um lado entra esgoto e do outro saem energia, água potável e cinzas fertilizantes e viralizou quando Bill Gates tomou um copo d’água que saia da usina.

No Brasil, outra startup - MoOmi (água limpa em Iorubá) - desenvolveu um sistema ainda mais inovador que separa a água das demais partículas do esgoto usando ultrassom, sem a utilização de produtos químicos ou decomposição bacteriana. O sistema é continuo e rápido o que reduz em 75% a área ocupada pelo sistema de tratamento. O consumo de energia é apenas 10% do que consome o sistema tradicional e os custos de implementação e operação caem pela metade. A primeira unidade operacional com capacidade de 240 m3/hora já funciona em Ubatuba no litoral paulista. O mesmo sistema pode ser utilizado para dessanilizar água com reduções no consumo de energia superiores a 95%. Por usar área menor e poder ser feita em diferentes escalas pode viabilizar redes de coleta de esgoto menos complexas e mais distribuídas facilitando a  implementação da infraestrutura de saneamento básico.

Mais um bom exemplo de inovações que podem acelerar o alcance das metas globais de desenvolvimento sustentável.

Publicado na Coluna Bússola de Épocao Negócios, Fevereiro de 2017

sábado, 28 de janeiro de 2017

É bem pior



Quando Donald Trump, surpreendentemente, ganhou a eleição americana, os delegados de mais de 190 países reunidos em Marrakesh para a Conferencia das Partes da Convenção das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas pareciam perplexos. Não era para menos. Durante a campanha, enquanto a candidata democrata indicava aprofundamento do compromisso americano com redução das emissões, o republicano questionava a existência das mudanças climáticas e até mesmo propunha a retirada dos Estados Unidos da Convenção ou do Acordo de Paris.

Em poucas horas, porém, os discursos foram se alinhando no entorno da máxima de que em campanha é tudo exagerado, mas na hora de governar seria outra história.

O tom mais ameno de Trump do discurso de vitória ajudou a alimentar esta esperança. Ledo engano.

Já na formação da equipe de transição e da indicação do primeiro escalão do governo Trump deu o tom: um executivo do petróleo foi nomeado para cuidar do Departamento de Estado (equivalente ao Itamaraty no Brasil), e um advogado que tem para si uma meta de acabar com Agencia de Proteção Ambiental (EPA, na sigla em inglês) foi encarregado de dirigi-la.

Alarmados com o que vinha pela frente, cientistas, funcionários públicos e especialistas em processamento de dados organizaram uma série de maratonas de programação para salvar o máximo de informação sobre o Clima existente na EPA e nas diversas agências de governo americanas que estariam ameaçadas pela nova administração.

Um movimento que lembra a proteção da vasta coleção de arte do Museu Hermitage, em São Petersburgo, na Rússia, durante a Segunda Guerra Mundial. Milhares de pessoas, entre funcionários e voluntários, trabalharam incessantemente para salvar mais de um milhão de peças de arte dos bombardeios e dos saques perpetrados pelas tropas de Hitler.

Os temores se confirmaram. Horas depois da posse de Trump, o site da Casa Branca já tinha retirado do ar todas as referencias às mudanças climáticas, e todos os planos de redução de emissões e promoção de energias renováveis estão sendo cancelados, congelados ou minimizados.

O mundo patinou na agenda de clima durante décadas, com a dificuldade de engajamento dos EUA — até bem pouco tempo o maior emissor global de gases de efeito estufa. O Acordo de Paris não teria sido possível sem o nível de compromisso demonstrado pelos EUA nos últimos anos, especialmente na administração Obama.

A esperança é que a aceleração atingida com o Acordo de Paris e pelas iniciativas dos estados e da sociedade americana tenha sido suficientemente grande para resistir ao retrocesso promovido pela nova administração. 

Agora é torcer. Por ora, parece bem pior do que o imaginado.


Publicado em O Globo em 25.01.2017


sábado, 18 de abril de 2015

Meio cheio, meio vazio

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Até o final de março, 34 países apresentaram suas metas de redução de emissões de gases de efeito estufa (GEE) pós-2020 como parte de sua contribuição (veja INDC no site do UNFCC) para o novo acordo climático global. Pouco mais de 15% dos países devem enviar suas contribuições até 1º de outubro, o que representa pouco menos de 30% das emissões globais atuais por incluir 28 países da comunidade europeia (com meta única em conjunto), além da Rússia, dos Estados Unidos e do México.
A meta da União Europeia é reduzir 40% das emissões até 2030 comparado com as emissões de 1990 e depois reduzir, pelo menos, 80% até 2050. No caso dos EUA, a meta é reduzir 26% a 28% até 2025, quando comparado com 2005 e, depois, ampliar para, pelo menos, 80% de redução até 2050. A Rússia se propõe a reduzir 25% a 30% até 2030 em relação a 1990 e não apresenta meta para 2050.
Como os anos base para o cálculo são diferentes (1990 ou 2050) e o ano de chegada também (2025/2030), pode ser difícil compreender o impacto dos anúncios. O gráfico abaixo mostra a trajetória linear das emissões projetadas de acordo com as metas para EUA, EU e Rússia entre 2010 e 2050.
grafico1
Como as emissões atuais da Rússia são muito inferiores as de 1990, em vez de reduzir suas emissões até 2030, o país as aumentaria em 65%. As emissões per capita aumentariam de 11tCO2e para quase 20tCO2e por habitante (a média global é 7tCO2e). Por outro lado, a Rússia tem grande estoque de florestas em crescimento que podem compensar suas emissões entre 20% a 30%, mas, ainda assim, as emissões estariam crescendo até 2030. E mais: presumindo que a Rússia assumisse a meta de 80% de redução até 2050 em relação a 1990, esse esforço resultaria numa emissão de 5,3tCO2e por habitante em 2050, ou seja, ainda muito alta.
No caso dos EUA, a meta implica trajetória compatível com uma expressiva redução entre 2010 e 2050, mas, mesmo assim, o país chegaria com uma emissão equivalente as emissões atuais do Brasil e a uma emissão per capita de 3,5tCO2e por habitante, em 2050. Considerando as dificuldades de aprovação de qualquer legislação e do acordo sobre mudanças climáticas no congresso americano – além do fato de ser um país de rápida transformação quando a proa aponta para um novo rumo –, pode-se afirmar que esta é uma meta ambiciosa.
Mas, a meta da comunidade europeia é ainda mais ambiciosa e indica que, em 2050, no agregado dos países, a emissão per capita seria de 2,4tCO2e por habitante, o que se aproxima mais da necessidade de reduzir a emissão per capita global drasticamente até 2050 (dos atuais 7 tCO2e para algo em torno de 1,5 tCO2e).
Quando observado no agregado, a situação fica mais complicada. Rússia, EUA e EU representam cerca de 14% da população global, mas perfazem cerca de 26% das emissões globais de GEE.
Considerando os níveis mais ambiciosos de suas emissões, de forma agregada, entre 2010 e 2040 eles terão emitido cerca de 30% de tudo que, segundo o IPCC, pode ser emitido entre 2012 e 2100 para termos 66% de chance de limitar o aumento da temperatura média global em 2oC.
O resumo é o seguinte: levando em conta as limitações políticas de cada país, as metas podem parecer ambiciosas, mas do ponto de vista global e climático elas são insuficientes e, de certa forma, pouco justas. Em 2050, estes países terão um bilhão de habitantes e terão consumido 30% do orçamento de carbono e, a menos que as emissões dos outros oito bilhões de habitantes do Planeta se limitem aos outros 70%, vamos estourar o orçamento proposto pelo IPCC.
Até a COP21, em Paris, quando será fechado o novo acordo global de clima, para mantermos chances razoáveis de limitar o aquecimento global em 2ºC, será necessário ampliar o grau de ambição, seja neste primeiro ciclo (2020-2030) ou com sinalizações claras para os ciclos seguintes (2030-2040).

Publicado em Planeta Sustentável - Blog do Clima 07.04.2015

quinta-feira, 12 de março de 2015

Primeira volta ao mundo em um avião solar e o novo salto a caminho da economia de carbono neutro

Dar a volta ao mundo voando em cinco meses não parece, à primeira vista, uma façanha das mais incríveis se considerarmos que um jato comercial moderno é capaz de fazer a mesma proeza em menos de dois dias, com duas ou três escalas.
Mas a volta ao mundo do Solar Impulse 2, que teve início esta semana (no dia 9/3), em Abu Dabhi, e deve terminar em junho próximo, no mesmo aeroporto, depois de percorrer 35 mil km é uma façanha proporcional ao primeiro voo de Santos Dumont com o 14 Bis, em 1906, ou à primeira travessia do Atlântico, sem escalas, feita por Charles Lindbergh, em 1927.
O Solar Impulse 2 é uma aeronave movida exclusivamente por energia solar. São 4 motores elétricos alimentados por 17 mil células solares espalhadas pelas asas com mais de 70 metros de envergadura. Na etapa mais longa da viagem poderá ficar 5 dias e noites no ar, sem escala.
Para conseguir tal façanha foram necessários mais de dez anos de desenvolvimento e várias versões do avião que acabou incorporando dezenas de inovações. Se estas se provarem eficientes, podem promover grandes avanços na redução do consumo de combustíveis na aviação comercial, começando pela própria aplicação das células solares até o desenho de rotas para aproveitar correntes de ar em alta altitude.
O Solar Impulse – assim como a Formula E (prova automobilística com carros elétricos) – são parte de uma revolução em curso que levará a uma rápida eletrificação da matriz energética global, o meio mais rápido para ampliar o uso das fontes renováveis modernas (solareólica etc). Atualmente, cerca de 20% da matriz energética global é baseada eletricidade, mas esta proporção pode dobrar até 2030.
Quase 2/3 do consumo de combustíveis fósseis está no setor de transportes e vem daí ser um enorme contribuinte de emissões de gases de efeito estufa (14% das emissões globais). A redução deste consumo depende da expansão dosbiocombustíveis e da eletrificação dos meios de transporte associada a alimentação com fontes de energia elétrica limpas e renováveis.
A economia de carbono neutro já está nascendo em vários cantos do planeta.

terça-feira, 3 de fevereiro de 2015

Não tem chuva, vamos de sol! – 2ª tentativa


Nas últimas semanas, o fantasma do apagão voltou a assombrar os brasileiros quando, em um pico de demanda numa tarde quente de verão, a geração teve que ser cortada para não sobrecarregar o sistema. Em outras palavras, a geração de energia no Brasil não está dando conta da demanda. Com um detalhe: o crescimento da demanda está acanhado devido a estagnação econômica.
É como uma tempestade perfeita, mas sem chuva, em pleno sol: a longa estiagem e a falta de água nas bacias do sudeste e nordeste se somam aos atrasos nas obras de geração e de transmissão de energia (segundo o TCU, devido especialmente a problemas de planejamento), também à fragilidade financeira atual dos agentes do sistema elétrico e à relutância dos órgãos reguladores em promover o racionamento e a economia de consumo.
Nos dias que se seguiram ao corte preventivo de energia, o Brasil teve de importar entre 500 e 1 mil MWh de energia da Argentina para atender os picos de demanda.
Há um ano, propus em artigo publicado em 12 de fevereiro neste blog, que o Brasil entrasse de cabeça na energia solar instalando 1 mil MWh de capacidade de geração solar distribuída para atender os períodos de pico de demanda que se deslocaram para as tardes quentes de verão.
No verão, quando mais calor se propaga, maior a demanda de refrigeração e, portanto, de energia e é ai que a energia solar entra, pois é justamente nestas condições que os painéis solares atingem o pico de sua capacidade. Ao gerarem de forma distribuída (exemplo: telhados), os painéis reduzem a necessidade de transmissão de grandes quantidades de energia para atender os picos. É como se formassem um colchão de amortecimento.
Na Alemanha e na Espanha, a energia solar chega a representar metade da geração nos momentos de pico do verão. Embora represente menos de 5% do consumo geral durante todo o ano, cumpre papel fundamental de segurança para o sistema elétrico.
A energia solar avança de forma fulminante no planeta. Entre os anos 2000 e 2014, a capacidade instalada subiu de 1 GW para pelo menos 180 GW (mais do que todo o potencial de geração elétrica do Brasil com todas as fontes juntas). Em termos de energia produzida, em 2014 e pela primeira vez, a energia solar superou 1% do total de energia elétrica gerada no mundo. Na Itália, superou 8% de toda energia produzida. No final de 2014, mais de 20 países já tinham instalado mais de 1 GW de potencial de geração solar.
No Brasil, continuamos desperdiçando esta imensa oportunidade e realizando leilões de novas termoelétricas, inclusive de carvão que, além de chegarem à maturidade depois de muitos anos e não resolverem os problemas emergentes, são fontes geradoras de grandes emissões de CO2.
O modelo regulatório para geração solar distribuída é desestimulante e trava a sua expansão (exemplo: não permite ao gerador vender sua energia para rede). Com uma revisão objetiva e cirúrgica da regulação, o Brasil poderia implantar, em 2015, pelo menos 1 GW de energia solar distribuída que nos permitira enfrentar os picos de energia que tendem a se repetir cada vez mais no verão devido ao aumento da temperatura.
A China instala, por mês, quase 2 GW e a Índia 1 GW. Não tem porque não podermos produzir 1 GW por ano!
Com a mudança de comando no Ministério de Minas e Energia e um novo governo em formação, renova-se a esperança de o Brasil acordar para a energia solar. Os primeiros sinais, contudo, não são muito alvissareiros. Em vez de estimular a geração solar o ministro anunciou que pretende estimular as empresas a ligarem seus geradores termoelétricos próprios para injetar energia na rede. Caros, sujos e concentrados. Somos mais criativos que isso.
Um exemplo das grandes oportunidades para refletir: o Greenpeace lançou campanha para colocar painéis solares em duas escolas públicas. Trata-se de um projeto piloto, mas que pode ser escalado facilmente. Com pouco menos de 200 m2 de painéis, é possível gerar cerca de 1200 KW mensais, o que pode representar até 50% do consumo de energia da escola. Existem cerca de 190 mil escolas de ensino básico no Brasil, 150 mil delas públicas (80% municipais). Se 50% das escolas públicas fossem dotadas de projeto semelhante, daria para gerar mais de 1 milhão de MW por ano. Considerando que as térmicas começaram o ano custando R$ 1 mil por MW, teríamos uma economia de, pelo menos, R$ 1 bilhão de reais, além de milhões de toneladas de CO2 que deixariam de ser emitidas.
Esse mesmo modelo pode ser incentivado em granjas (áreas enormes em geral já voltadas para a face norte), armazéns, fábricas e toda sorte de infraestrutura com grandes áreas de cobertura.
O governo que criou programas de larga escala e altamente distribuídos como Minha Casa, Minha Vida, Bolsa Família, Pronatec, entre outros, precisa abraçar esta oportunidade.
Esta e minha segunda tentativa! Torço para que não precisemos de uma terceira no próximo ano.

Publicado no Blog do Clima em Planeta Sustentável - 03.02.2015

quinta-feira, 22 de janeiro de 2015

O que estamos fazendo com o clima?

2014 foi o ano mais quente desde que os registros sistemáticos começaram a ser feitos no século XIX. Os últimos anos foram de chuvas escassas na região sudeste e nordeste. O calor e a estiagem continuam e a ameaça de apagão elétrico e colapso do sistema de abastecimento de água em grandes centros urbanos, como São Paulo, é mais real do que nunca.
Neste verão de calor quase insuportável, o volume de chuvas tem sido menor do que o esperado, mas quando vem é na forma de tempestades que danificam casas e edifícios, interrompem sistemas elétricos e de comunicação e paralisam o transporte.
Frente ao estado geral de indignação, a reposta geral – seja municipal, estadual ou federal -, é muito parecida: a culpa é do clima. É a maior estiagem em décadas, são as ilhas de calor, são as chuvas de ventania fora do normal e por aí vai. Parece que todos buscam conforto numa espécie de catarse na qual seremos vítimas dos caprichos do clima.
Mas por trás dos eventos extremos do clima e da baixa resiliência das cidades e do campo para lidar com estas mudanças, estão os reflexos das nossas próprias ações. O clima está se alterando em nível global e local como resultado de nossas interferências. As emissões de gases de efeito estufa aumentam a energia armazenada na atmosfera e provocam aumento da temperatura média do planeta, mudanças nas correntes marítimas, alterações no ciclo de água e degelo e padrões das chuvas.
Nas grandes cidades, a remoção de áreas verdes e a impermeabilização do solopor concreto, asfalto e vidros espelhados provocam ilhas de calor e reduzem a permeabilidade urbana para absorver a água das chuvas, causando enchentes cada vez mais frequentes, seguidas de perdas monumentais de água que não se infiltram no solo.
desmatamento e a degradação de florestas no entorno de nascentes e cursos d´água reduz a infiltração das chuvas no solo até os lençóis freáticos e a recarga das bacias hidrográficas.
Ou seja, por traz de quase todos e cada um dos eventos climáticos sob os quais recai a culpa da falta d´água, enchentes e cortes de energia estão nossas próprias ações. Alguma dúvida de que o homem está alterando o clima? Somos ao mesmo tempo, vítimas e algozes.
As medidas paliativas urgentes são claras: economizar, ao extremo, energia e água e investir pesada e imediatamente na redução drástica de perdas de água e energia na rede entre outras.
Mas, ao mesmo tempo, é preciso investir em medidas estruturantes e urgentes como:
- reversão da impermeabilização urbana (ex. implantação maciça de tetos e áreas verdes, sistemas de captação e armazenamento de água da chuva),
- redução das emissões de gases de efeito estufa,
- aumento da segurança energética local (ex. enterramento da fiação e promoção da geração solar distribuida); e
- restauração florestal nos mananciais que abastecem os principais centros urbanos.
Tem trabalho para todo mundo e este deveria ser prioridade imediata para os setores públicos e privados e para toda a sociedade civil.

Publicado no Blog do Clima - Planeta Sustentável em 22.01.2015

terça-feira, 13 de janeiro de 2015

Agenda do Clima 2015


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Este é o ano-chave para a agenda do clima nas próximas décadas. Até dezembro, em Paris uma série de eventos será realizada para construir o novo acordo climático global pós-2020 que pretende nos colocar no trilho para a redução de emissões de modo a limitar o aumento médio de temperatura em 2ºC, além de reduzir avulnerabilidade e aumentar a resiliência para nos adaptarmos às alterações climáticas extremas.
Para explicar a agenda do clima de 2015 a um amigo, desenhei o esquema abaixo que, agora, compartilho com os leitores do Planeta Sustentável. Ela ilustra bem este post no qual detalho tudo que deve acontecer este ano para que cheguemos ao novo acordo na COP21, em Paris. Clique na imagem para ver melhor e vamos em frente!
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Já no início de fevereiro (de 8 a 13), o Grupo de Trabalho de Implementação daPlataforma de Durban (ADP) se reúne em Genebra, Suíça, para mais uma rodada de trabalho com vistas a fechar os elementos do primeiro rascunho da proposta do novo acordo a ser publicado e colocado para consulta até 1º. de maio.
Durante o primeiro semestre (preferencialmente até o final de março), os países devem enviar as suas propostas de INDCs (Intended Nationally Determined Contributions ou contribuições nacionalmente determinadas) para o período pós-2020. O conjunto destas contribuições é peça-chave para a construção do novo acordo e sua eficácia. A soma dos esforções dos países deveria ser suficiente para atingir os propósitos demitigação e adaptação listados acima (2ºC + adaptação).
Na Conferência das Mudanças Climáticas (Climate Change Conference – CCC), que será realizada em Bonn, na Alemanha (de 1 a 11 de junho), começam as negociações do acordo já com o texto-base na mesa. Estima-se que serão necessárias pelo menos mais uma ou duas rodadas de negociação antes da COP21 para que seja possível aprovar o novo acordo em Paris (a COP21 acontecerá entre 30/11 e 11/12).
Até 1º. de novembro, o secretariado da convenção deve publicar relatório-síntese com todas as INDCs apresentadas e, possivelmente, com algum nível de análise do efeito agregado do conjunto de propostas tanto em mitigação, como financiamento e adaptação.
No Brasil, o processo de consulta sobre as INDCs deve ser reaberto segundo indicou a Ministra do Meio Ambiente, Izabella Teixeira, durante a COP 20 em Lima e reforçou em recente entrevista ao jornalista André Trigueiro. A proposta brasileira de INDC deve ser finalizada ainda no primeiro semestre. No segundo, os esforços vão se concentrar na definição da posição brasileira para a negociação do novo acordo na COP de Paris.
Dois outros momentos marcantes do ano devem ser:
- a publicação do 3º Inventário Nacional de Emissões de Gases de Efeito Estufa(que encerrou recentemente o período de consulta pública), ainda no primeiro trimestre; e
- até outubro, o início da aprovação de projetos e desembolsos do Fundo Verde do Clima (Green Climate Fund), que conseguiu captar pouco mais de US$ 10 bilhões em 2014 (leia Fundo Verde do Clima, da ONU, ultrapassa meta na COP20).
Durante todo este ano, a sociedade civil deve se manter mobilizada e pronta para contribuir, influenciar, pressionar e dar suporte para que tanto as INDCs dos países sejam as mais ambiciosas possível, como para que o novo acordo climático global seja realmente um marco definidor da sustentabilidade nas próximas décadas.
Abaixo, um resumo da Agenda do Clima 2015 para facilitar a consulta:
Foto: Meiry Peruch Mezari/Creative Commons/Flickr
Publicado em Blog do Clima - Planeta Sustentável - 12.01.2015

segunda-feira, 15 de dezembro de 2014

COP20 em Lima: um passo tímido, mas para frente e na direção correta

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Já era madrugada de domingo (14/12) quando a Conferência das Partes da Convenção de Mudanças Climáticas da ONU (COP20), em Lima, programada para terminar dois dias antes, chegou ao final com aprovação do acordo intitulado Lima Call for Clima Action (LCCA).
O documento é positivo, certamente um passo a frente e na direção correta, mas também um passo muito tímido em relação ao nível de ambição necessário para onovo acordo climático global a ser “costurado” até a próxima COP em Paris, em dezembro de 2015.
O QUE SE ESPERAVA DA COP20
Em essência, esperava-se a definição dos elementos centrais do novo acordo climático global que será elaborado, em detalhes, em 2015 e os parâmetros mínimos para a apresentação das contribuições nacionais para mitigação e adaptação, a serem propostas no ano que vem pelas partes e que servirão também de base para o futuro acordo.
Em outras palavras, se fosse um empreendimento imobiliário seria o equivalente a fazer o croqui e as premissas básicas do projeto (área, localização, altura, uso, numero de unidades, serviços e prazos etc) e condições gerais de adesão (valor m2, modelo de financiamento, agentes financeiros etc).
Eis as questões centrais em jogo nestes elementos:
1. Definir o objetivo geral do futuro acordo (ex. reduzir as emissões em X% até 2050 ou convergir a trajetória de emissões para zona compatível que limite o aquecimento global em 2ºC);
2. Definir a inclusão ou não de adaptação e financiamento entre os compromissosdas partes no novo acordo;
3. Definir como serão diferenciados os diferentes grupos de países evoluindo além da diferenciação binária de desenvolvidos e em desenvolvimento; e
4. Ciclos básicos de meta/reporte/revisão para o novo acordo.
Estas definições são importantes como referência para que os países definam suas contribuições nacionais (INDCs) para o novo acordo pós-2020. Por exemplo, o país apresenta meta de redução de emissões para 2025, 2030 ou 2050? Inclui só compromissos de mitigação ou inclui outros temas como financiamento?
O QUE SE ALCANÇOU EM LIMA
O documento que descreveria os elementos do novo acordo global avançou apenas na primeira semana da COP20. Na segunda, ele não saiu do lugar. Com 37 páginas, odocumento está completamente em aberto e apresenta dezenas de várias opções para cada parágrafo. Acabou virando um anexo para informações no acordo de Lima (LCCA).
Na analogia do empreendimento imobiliário, seria o mesmo que anunciar empreendimento com especificações vagas: poderá ter entre 40 e 350 m2 e de 3 a 40 andares, localizado no Brasil, com vista norte, sul, leste ou oeste, e possível valor de R$ 1 mil a 30 mil por m2. Ou seja, pouco ajuda para que um possível investidor faça sua oferta.
O acordo em Lima é basicamente uma decisão para organizar os trabalhos de 2015 de tal forma que possam formar as bases para um acordo em Paris. O documento deixa claro que, com as ações e os compromissos hoje existentes, ainda existe uma lacuna enorme para se chegar a uma trajetória favorável que limite o aumento de temperatura em 2 ou 1,5ºC.
CONTRIBUIÇÕES NACIONAIS (INDCs)
Assim, o Lima Call for Clima Action conclama os países para que apresentem suas contribuições para mitigação e adaptação às mudanças climáticas pós-2020 até meados de 2015 (bem antes da COP em Paris) e sugere uma série de temas e conteúdos que podem constar da proposta, tais como metas, ano base e métrica, prazos de implementação, metodologias para contabilidade das emissões, entre outros aspectos. Define, também, que os compromissos devem necessariamente ampliar a ambição frente ao que já foi colocado na mesa.
Para as pequenas ilhas e os países pobres e menos desenvolvidos é dadotratamento diferenciado e mais flexível, no formato de suas contribuições. Na prática, é o primeiro movimento para diferenciar os países em desenvolvimento, até então tratados como único grupo com regras homogêneas apesar das enormes diferenças – em responsabilidades e capacidades – das grandes economias emergentes como China, Brasil e Índia e dos menos desenvolvidos. É um passo importante para viabilizar o novo acordo em Paris.
O documento ainda determina que o Secretariado da Convenção prepare relatório síntese até novembro de 2015, avaliando o efeito agregado das propostas de contribuições dos países apresentado ao longo do próximo ano (por exemplo, efeito na redução das emissões globais no médio e longo prazo).
FINANCIAMENTO
A inclusão do financiamento como parte dos compromissos obrigatórios dos países, quando se submeterem às INDCs, não foi alcançado e segue como fonte de discórdia, mas os debates sobre financiamento de longo prazo avançaram e, durante a COP20, se alcançou a captação de US$ 10,2 bilhões para o Green Climate Fund (GCF).
Entre os países que anunciaram contribuições para o GCF - além dos países desenvolvidos como Japão, Inglaterra e Alemanha -, estão países em desenvolvimento como Colômbia, Peru, Panamá, Indonésia e México, o que significa um corte na política de “esperar o outro agir para tomar posição”. As contribuições destes países cria constrangimento ético para que os países desenvolvidos e as grandes economias emergentes aportem recursos expressivos no fundo.
O texto de Lima traz referência preambular a questão de perdas e danos (loss and damage) associadas às mudanças climáticas, tema crítico para pequenas ilhas epaíses mais vulneráveis.
EM RESUMO 
resultado da COP de Lima – apesar de aquém do planejado e desejado– representa mais um impulso que mantém nos trilhos e no rumo certo o processo de negociação para possibilitar um novo acordo climático global, mas ainda com inúmeras incertezas e pontos abertos que darão enorme trabalho, ao longo de 2015, para que o acordo seja realmente ambicioso e efetivo.
Voltando, mais uma vez, à analogia do empreendimento imobiliário, não definimos as especificações, mas demos elementos para que os interessados digam, de forma geral, como gostariam de participar, além de prazo para que demostrem este interesse e se comprometam a ter o projeto pronto para ser assinado por todos até o final do próximo ano.
Poderia ter sido melhor, mas à luz do que aconteceu na COP14 (que antecedeu a COP de Copenhague), também poderia ter sido muito pior. A condução da presidência peruana, focada em buscar o resultado de forma aberta e transparente durante todo o curso das negociações, foi crucial para o sucesso em Lima. Serve de exemplo para os franceses que terão a difícil tarefa de liderar o processo em 2015.

sexta-feira, 12 de dezembro de 2014

Sobre uma grande negociação em Lima

Um amigo meu, que acompanha com interesse importantes negociações sobre um enorme empreendimento em Lima, com grande preocupação, me resumiu a situação e os avanços obtidos:

Estava acordado que o Investidor se comprometeria em se posicionar favoravelmente ao investimento, dentro de algumas premissas que estavam em negociação com o Empreendedor.

No momento, o que havia sido acertado era que o futuro Contrato teria uma redação com premissas básicas, ficando a definição do Empreendimento e as Condições para o investimento e prazos definidas em 2 Anexos. O Anexo 1 apresentaria as especificações e o Anexo 2 as condições de desembolso e prazos.

Meu amigo estava apreensivo e ansioso porque o que estava ate então acordado era que os imóveis que comporiam o empreendimento estavam definidos apenas em termos gerais no Anexo 1, com redação  tipo: "serão construídos segundo as boas práticas", "utilizarão materiais adequados", "respeitarão as exigências legais". Não havia definição de metragem, apenas que "as condições de habitabilidade e salubridade serão boas" e poderá Também dizia que “teria entre 5 e 50 mil m2 e entre 2 e 31 andares” entre outras “especificações”.

Como consequência, o Anexo 2 não precificava os imóveis e nem definia claramente as etapas de execução. Apenas dizia que "os imóveis deverão ser construídos dentro do cronograma" e que "os pagamentos serão feitos em parcelas e segundo os cronogramas definidos para a implantação dos imóveis".

Meu amigo via com expectativa o desenrolar e o avanço destas negociações, que, como ja era tempo do Natal, ficariam para 2.015.

A esperança dele era grande, reforçada pelo espirito do Natal e de renovação dos votos para o Ano Novo.

Torço para que o acordo final saia, assim meu amigo se acalma e o grande empreendimento acontece.

Ah! Devo esclarecer que este texto é uma  ficção e que qualquer semelhança com outras negociações aqui em Lima é uma mera coincidência.

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Baseado no relato de um amigo que encontrei em Lima.