quarta-feira, 25 de março de 2015

Desinvestir

As emissões de carbono para geração de energia, que representam quase dois terços das emissões globais, deram sinais de parar de crescer e, quem sabe, até ter decrescido em 2014, segundo dados preliminares divulgados pela Agência Nacional de Energia. Se confirmado, seria a primeira queda não relacionada a uma grave crise econômica (por exemplo, 2008).
O mais significativo, entretanto, é o fato de que a reversão da trajetória de crescimento se deu justamente no ano em que o preço do petróleo caiu quase 50%. Contrariando a tendência histórica, a queda do valor do petróleo foi acompanhada de forte crescimento dos investimentos em energia renovável, que bateu a casa dos US$ 300 bilhões em 2014.
Na última década, os pesados investimentos na indústria do petróleo foram lastreados em três premissas: a alta demanda dos mercados emergentes, mantendo os preços acima de US$ 100 o barril; estoque de reservas viáveis em contínua expansão; e manutenção de subsídios anuais na casa das centenas de bilhões de dólares.
Estas premissas estão sendo corroídas e muitos se perguntam se não estaríamos vivendo uma bolha de petróleo.
Considerando apenas o petróleo, se todas as reservas registradas fossem utilizadas (queimadas), gerariam quase três vezes mais que o limite de emissões que assegurem chances pelo menos razoáveis de restringir o aumento da temperatura global em dois graus.
Os fortes investimentos na energia renovável na última década (em parte impulsionados pelo alto preço do petróleo por um período relativamente longo) provocaram o barateamento das fontes solar e eólica, aumentando de forma exponencial sua penetração e gerando novos investimentos para resolver limitações de grid, armazenamento e outros.
No mesmo compasso, os veículos elétricos se tornaram uma realidade viável. A Tesla, a maior fabricante de carros elétricos, produz 40 mil veículos por ano e já vale na bolsa o mesmo que gigantes como a Renault, que produz quase três milhões de carros por ano.
Gestores de fundos de investimento começam a juntar as peças e, por pressão dos investidores, aversão a risco ou senso de oportunidade, ensaiam um movimento de desinvestimento na indústria do petróleo
Os recentes episódios de pressão dos estudantes contra os gestores do fundo fiduciário de US$ 37 bilhões da Universidade de Harvard e de uma coalização de ONGs sobre a Fundação Bill & Melinda Gates (a maior do mundo) para retirar investimentos na indústria do petróleo e carvão são as primeiras gotas de um grande dreno que pode se precipitar a qualquer momento.

Será o ponto de inflexão?



Agência Internacional de Energia informou dados preliminares que indicam estabilidade ou até leve redução das emissões de CO2 no setor de energia, a principal e mais resiliente fonte de emissões de gases de efeito estufa do planeta.
Se confirmada, a emissão de 32,3 GtCO2 em 2014 seria a primeira queda dissociada de forte recessão econômica (como em 2008, por exemplo). Em 2014 a economia global cresceu 3%. Houve queda das emissões na Europa, Estados Unidos e China, os três principais emissores mundiais.
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Mas seria este um ponto de inflexão? Teríamos chegado ao tão esperado pico das emissões de gases de efeito estufa e o inicio de uma nova era com emissões declinantes nos próximos anos?
Ainda é cedo para estas conclusões por se tratar de números preliminares e limitados à energia, mas alguns elementos coincidentes – como esta redução de emissões – mostram que este ponto de inflexão, se já não está acontecendo, deverá acontecer muito em breve.
O preço do petróleo caiu pela metade ao longo de 2014, o que em outros tempos significaria redução de investimentos em energias renováveis. Mas,desta vez foi acompanhado por um expressivo crescimento nos investimentos em renováveis, que ultrapassou US$ 300 bilhões em 2014.
Nos Estados Unidos, além do óleo, o gás de xisto compete com carvão mineral e petróleo com menos emissões relativas. A capacidade instalada de geração de energia elétrica em novos empreendimentos de energia elétrica de fonte renovável suplantou as novas instalações de termoelétricas.
A nova regulação do EPA para termoelétricas está provocando o descomissionamento de milhares de MW de geração, ao mesmo tempo que os incentivos a energias renováveis estão suplantando, com folga, as termoelétricas que saem do sistema. Em 2015, o fenômeno deve se repetir pelas projeções da EPA.
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Na China, houve crescimento do PIB próximo a 7% mas, com inédita queda de emissões em 1%. A capacidade instalada de energias renováveis cresceu fortemente e houve redução do consumo de carvão mineral, motivada principalmente pelas recentes iniciativas de regulação para redução de emissão de poluentes locais nas grandes cidades do país.
Na União Europeia, o consumo de carvão mineral – que vinha num período de crescimento entre 2009 e 2012 – voltou a cair em 2013 e 2014, empurrado pelo processo de eliminação gradual dos subsídios para combustíveis fósseis com vistas a zerar subsídios em 2020.
Em 2014, durante a Cúpula de Clima, em setembro em NY, fundos de investimento e fundos de pensão, juntamente com o setor industrial e seguradoras, firmaram compromissos de redução de investimentos relacionados a combustíveis e aumentaram, significativamente, os investimentos em indústrias de baixo carbono.
Os desinvestimentos em companhias reféns de combustíveis fósseis começaram a ganhar escala. As desistências de construção de novas termoelétricas já supera o numero de termoelétricas que estão sendo construídas sendo o relatório Coalswam 2015.
Com estes sinais, não será surpresa se, em 2015, as emissões não crescerem, mas recuarem. Uma surpresa boa para todos, pois aumenta as chances de conseguirmos limitar as emissões ao orçamento de 1 mil GtCO2 de 2012 a 2099.

segunda-feira, 16 de março de 2015

Metas nacionais para novo acordo climático começam a ser registradas

Um dos pontos fundamentais para o novo acordo global de clima a ser fechado até dezembro na Conferencia das Partes da Convenção Clima em Paris (COP21) são as contribuições nacionais - INDC – intended nationally determined contributions -  que somadas darão o tom de ambição de novo acordo.
Funciona assim:
1. Cada país que faz parte da convenção de clima deve submeter até 1 de outubro deste ano – e, preferencialmente no primeiro semestre -, o seu compromisso nacional para contribuir para redução global das emissões de gases de efeito estufa compatível com o objetivo de limitar até 2ºC ou médio da temperatura global.  Idealmente, as contribuições devem conter metas quantificáveis com relação as emissões e com parâmetros que permitam tornar comparáveis as diferentes contribuições (ex. período de referência, unidade de medida etc);
2. A partir do conjunto das contribuições o secretariado da UNFCCC vai produzir, até novembro, análise do agregado das contribuições, o que permitirá entender o impacto agregado dos compromissos (ex. quando seria a emissão global no ano x de se todas as contribuições forem efetivadas).
A decisão da COP20, realizada em Lima em 2014, estimulou os países na condição de fazê-lo a apresentarem suas contribuições até o final do primeiro trimestre (março 2015) e, assim, na última semana, as duas primeiras INDCs foram submetidas ao UNFCCC: Suíça e União Europeia.
INDC da Suíça inclui uma meta de dois elementos:
- (i) reduzir em 50% as emissões em 2030 quando comparadas as emissões de 1990 (53 mi tCO2e) e
- (ii) reduzir em 35% a emissão média anual no período 2021-2030, em comparação com os níveis de 1990.
Para cumprir sua meta, a Suíça pretende utilizar créditos compensatórios de carbono de outros países que também estejam no regime de metas, ou seja, países que superem seus compromissos de redução e possam ter créditos de carbono decorrentes na forma de CDM ou outro mecanismo que venha a existir no novo acordo.
A Suíça indica, também, em seu INDC a visão de longo prazo para reduzir as emissões per capita do país para 1 a 1,5 tCOe por habitante/ano  (a média mundial hoje é de 7t hab/ano).
INDC da União Europeia (28 países) é bastante importante pois o conjunto representa cerca de 8% das emissões globais (4,2 GtCO2e em 2012), ficando atrás apenas de Estados Unidos e China entre os maiores emissores.
A INDC da EU aponta meta de redução de 40% da emissões em 2030 quando comparada com 1990 e indica emissão per capta caindo das atuais 9 tCO2e/hab/ano para 6 tCO2e, em 2030. A INDC apresenta a visão de longo prazo da EU de reduzir as emissões entre 80 e 95%, em 2050, o que significa emissão per capta de 0,6 a 2,5 tCO2e/hab/ano.
Se a trajetória de redução for linear, a UA emitiria entre 2012 e 2050 cerca de 100 a 110 GtCO2e ou 10% do orçamento global de 1 mil GtCO2e entre 2012 e 2100, que o IPCC indica como necessários para termos acima de 60% de chance de limitar o aumento de temperatura em 2ºC.
Considerando que a EU possui cerca de 7% da população global e, em 2050, terá menos de 5%, o esforço de redução ainda é insuficiente e precisará ser acelerado.
As duas INDCs, até o momento apresentadas, apontam na direção correta, mas com nível de ambição ainda aquém do necessário para uma trajetória segura rumo à meta de até 2ºC.
Nos próximos meses, à medida que as INDCs forem submetidas ao UNFCC, estas contas e análises serão feitas e refeitas para se entender o grau de ambição das metas apresentadas.
Neste contexto será crucial a definição do mecanismo de revisão de metas em ciclos de 5 ou 10 anos que aparece como um dos elementos fortes do documento do novo acordo, atualmente em negociação. São estes ciclos que permitiram ajudar e ampliar o nível de ambição das contribuições dos diferentes países ao longo dos anos de forma a convergir o planeta para uma trajetória compatível com o objetivo de 2ºC.

quinta-feira, 12 de março de 2015

Primeira volta ao mundo em um avião solar e o novo salto a caminho da economia de carbono neutro

Dar a volta ao mundo voando em cinco meses não parece, à primeira vista, uma façanha das mais incríveis se considerarmos que um jato comercial moderno é capaz de fazer a mesma proeza em menos de dois dias, com duas ou três escalas.
Mas a volta ao mundo do Solar Impulse 2, que teve início esta semana (no dia 9/3), em Abu Dabhi, e deve terminar em junho próximo, no mesmo aeroporto, depois de percorrer 35 mil km é uma façanha proporcional ao primeiro voo de Santos Dumont com o 14 Bis, em 1906, ou à primeira travessia do Atlântico, sem escalas, feita por Charles Lindbergh, em 1927.
O Solar Impulse 2 é uma aeronave movida exclusivamente por energia solar. São 4 motores elétricos alimentados por 17 mil células solares espalhadas pelas asas com mais de 70 metros de envergadura. Na etapa mais longa da viagem poderá ficar 5 dias e noites no ar, sem escala.
Para conseguir tal façanha foram necessários mais de dez anos de desenvolvimento e várias versões do avião que acabou incorporando dezenas de inovações. Se estas se provarem eficientes, podem promover grandes avanços na redução do consumo de combustíveis na aviação comercial, começando pela própria aplicação das células solares até o desenho de rotas para aproveitar correntes de ar em alta altitude.
O Solar Impulse – assim como a Formula E (prova automobilística com carros elétricos) – são parte de uma revolução em curso que levará a uma rápida eletrificação da matriz energética global, o meio mais rápido para ampliar o uso das fontes renováveis modernas (solareólica etc). Atualmente, cerca de 20% da matriz energética global é baseada eletricidade, mas esta proporção pode dobrar até 2030.
Quase 2/3 do consumo de combustíveis fósseis está no setor de transportes e vem daí ser um enorme contribuinte de emissões de gases de efeito estufa (14% das emissões globais). A redução deste consumo depende da expansão dosbiocombustíveis e da eletrificação dos meios de transporte associada a alimentação com fontes de energia elétrica limpas e renováveis.
A economia de carbono neutro já está nascendo em vários cantos do planeta.