quarta-feira, 28 de junho de 2017

Quanto vale?



Estima-se que a Floresta Amazônica bombeie 20 bilhões de toneladas de vapor d"água para a atmosfera todos os dias, o que alimenta boa parte das chuvas na região central e no Sudeste do Brasil. Se tivéssemos que aquecer água para promover a mesma evaporação, precisaríamos de seis meses de toda a capacidade de geração elétrica do planeta para cada dia. Sobre este único aspecto, o valor dos serviços da floresta soma alguns milhares de dólares por hectare por dia. Quem cuida e protege o patrimônio florestal do Brasil presta um enorme serviço.

Dona Maria de Jesus recebe desde 2014 cerca R$ 100 por mês por conservar as florestas em seu lote da Reserva Extrativista do Alto Juruá, na fronteira do Acre com o Peru. É muito pouco, mas essencial para a manutenção da família grande, que vive da extração sustentável de produtos como castanha e borracha e da agrofloresta. Na Reserva, onde 804 famílias recebem o mesmo benefício, 97% da área permanecem cobertos por florestas. A família da Dona Maria Antônia é uma das 53 mil beneficiárias do Bolsa Verde, um programa implementado em 2011 com o objetivo de incentivar as famílias de baixa renda vivendo em assentamentos e unidades de conservação a se desenvolverem ao mesmo tempo que protegem as florestas. Na prática, é o primeiro programa em larga escala de pagamento por serviços ambientais no Brasil.

São 28 milhões de hectares (o que equivale a seis vezes o Estado do Rio de Janeiro) que mantêm mais de 95% de cobertura florestal e com consistente queda do desmatamento desde a implantação do programa. Mesmo em 2015 e 2016, quando as taxas de desmatamento de toda a Amazônia subiram, nas áreas do Bolsa Verde baixaram.

Quanto vale o Bolsa Verde? São milhões que protegem bilhões para nós e as futuras gerações.

Pois o programa está seriamente ameaçado pelo corte de orçamento promovido pelo governo federal. Faltam R$ 35 milhões para arcar com os benefícios até o fim do ano e, para 2018, a proposta orçamentária em discussão corta os recursos a praticamente zero. Na prática, significaria o fim do programa. Isso no momento em que o Brasil precisa de ações efetivas - além do monitoramento e controle - para conter o avanço do desmatamento.

A corrupção, os desvios de finalidade e a falta de prioridades têm drenado os recursos públicos de áreas estratégicas e fundamentais para manutenção da vitalidade do país. Os ajustes da economia para lidar com o buraco nas contas públicas fazem vítimas entre os mais vulneráveis.

É preciso reagir. O Bolsa Verde não pode acabar!


Publicado em O Globo em 28.06.2017

segunda-feira, 19 de junho de 2017

A ultima conexão




A inteligência artificial (IA) é usualmente descrita como a capacidade de máquinas resolverem problemas ou aprender a partir de algum grau de cognição. Os mecanismos de busca como o Google, sistema de reservas de passagem aéreas ou piloto automático de um avião são um exemplo de IA com que convivemos no dia a dia e se espalham por diversas áreas. Sistemas como o Watson da IBM já apresentam uma capacidade de resolução de problemas muitas vezes maior que a de um ser humano gênio. Dentro de uma década qualquer novo notebook ou smartphone conectado na rede poderá ter o mesmo grau de inteligência de toda a humanidade junta.

Máquinas que já eram capazes de realizar inúmeros tarefas de forma muito mais rápida, precisa e consistente que os serem humanos começaram a aprender. Este aprendizado de máquina (machine learning) já é bastante desenvolvido na busca de padrões a partir de análise massiva de dados (big data) de diversas áreas como comércio eletrônico (Amazon, Spotify, Netflix etc), diagnósticos médicos e interpretação de imagens. Os algoritmos destes sistemas computacionais são treinados para encontrar padrões a partir de chaves de classificação pré-programadas ou por milhões de operações de tentativa e erro.

Agora uma nova fronteira está sendo explorada com a criação de uma inteligência artificial genérica capaz de programar-se e se ajustar de acordo com a interação com o ambiente. Recentemente uma nova fronteira foi ultrapassada. A OpenAI, empresa de pesquisa sem fins lucrativos fundada por Elon Musk e Sam Altman, desenvolveu um algoritmo que permite um robô aprender uma tarefa como empilhar bloquinhos coloridos de madeira que estão desorganizados numa mesa a partir da observação de um ser humano realizando a tarefa. Depois de observar a operação uma única vez o robô é capaz de entender a sequência e a forma como devem ser empilhados os blocos, mesmo que o ponto de partida (forma como os blocos estejam dispostos inicialmente) seja modificada. 

Seremos dominados pelas máquinas que criamos? Talvez não se os humanos tivessem a mesma capacidade das máquinas.

Por isso, empresas como a Neuralink (também fundada por Elon Musk, sempre ele) e Facebook investem agora nas chamadas BMIs (Brain Machine Interface) para conectar o cérebro diretamente com a inteligência artificial.

Na primeira fase a interação pode ser digitar uma mensagem pelo pensamento, depois pode evoluir para fazer consultas diretas como se fosse uma busca no Google sem precisar digitar. Esta fase poderá ser uma realidade nos próximos 5 a 10 anos. Pessoas com sérias limitações motoras ou de sentido poderão ser as primeiras beneficiárias destas interfaces, mas a ideia dos desenvolvedores é tornar estas interfaces amplamente disponíveis e acessíveis para o maior número de pessoas possível, assim como a internet ou celular.

Em algumas décadas podemos chegar ao ponto de ter memória quase infinita (poderíamos guardar qualquer informação relevante tendo experiência por apenas um instante), capacidade de acessar o conhecimento coletivo de forma indistinguível do seu conhecimento próprio, compreender e falar em qualquer idioma e colaborar virtualmente em diversas tarefas sem a necessidade de uma interface externa como câmera, tela etc.

É um futuro ao mesmo tempo fascinante e assustador, mas de certa forma inevitável.  O desafio é usar toda este potencial para fazer do mundo um lugar melhor para todos. Precisamos conversar mais sobre isso.

Publicado em Epoca Negócios, Junho 2017