quarta-feira, 22 de fevereiro de 2017

Deixa subir!



Em um domingo ensolarado no inicio de janeiro acordei cedo para levar minha filha a um piquenique numa praça em São Paulo para comemorar o aniversário de sete anos de sua melhor amiga. Na Praça do Jardim das Perdizes, inaugurada meses antes, os pais da aniversariante colocaram uma pequena mesa embaixo de uma arvore com comes e bebes e penduraram alguns balões nos galhos ao redor.

Tudo ia perfeitamente bem até que um veiculo da Guarda Municipal entra na Praça, estaciona ao lado da árvore e dois guardas descem e solicitam o documento de autorização do "evento". Diante da perplexidade dos adultos e a curiosidade das crianças anunciam que a festa deveria ser encerrada imediatamente: - Além do mais senhores, é proibido pendurar qualquer objeto ou subir nas árvores nos parques e praças da cidade! Emendou o guarda.

Apesar de toda cena ser absurda, o que me chamou mais atenção foi a proibição de subir em árvores e aproveitei para entender a razão da arbitrariedade. Logo escutei: - É para segurança dos seus filhos e para preservar as árvores, assim eles aprendem não correr perigo e cuidar da natureza.

Mas será que tem esta proibição mesmo. Pois é, está lá em um decreto municipal de 1989 que é proibido subir ou escrever em arvores e correr no gramado(!!). Deve ser só em SP – cidade mais carrancuda – pensei eu, mas não, em Belo Horizonte, uma  portaria de 2013 veda “subir em árvores ou nelas amarrar redes”.

Em um Jardim Botânico até vale o argumento de proteção dos espécimes muitas vezes únicos, mas em geral que mal pode ter uma criança subir numa árvore? É a criança que sobre em árvore, brinca com formiga, corre atrás de passarinho, coleciona flores e folhas que vai lutar para proteger a fauna e flora quando crescer. Esta ligação motora e emotiva é fundamental para conectar-nos com a natureza.

Famílias que escolhem levar para as praças e parques a confraternização e brincadeira da garotada em vez de se enfurnar num shopping tem que ser aplaudidos e incentivados e não constrangidos.

Uma ótima iniciativa em curso, por enquanto no Rio e São Paulo, é o programa Criança e Natureza do Instituto Alana que disponibiliza uma séria de ferramentas e dicas para incentivar as famílias, escolas e as cidade a proporcionar o convício da criança com a Natureza. Que o programa contamine os gestores municipais e quem sabe logo, logo, tenha uma plaquinha nas árvores dizendo “vem brincar comigo”.

Ah, na festinha do Jardim das Perdizes enquanto os adultos e guardas discutiam as crianças voltaram a brincar correndo curiosos atrás de um punhado de gafanhotos que passou por lá (xi... será que pode?).

Publicado em O Globo em 22.02.2017 

sábado, 11 de fevereiro de 2017

Água 4.0


Em um livro recente, o engenheiro David Sedlak da Universidade de Berkeley, descreve três revoluções pela qual passou o desenvolvimento de sistemas de água em centros urbanos. O primeiro foi a inovação romana de captar água potável e despejar esgoto fora dos centros mais populosos. Já a segunda revolução foi o tratamento da água para consumo eliminando micro-organismos patógenos e por fim a terceira foi a implantação dos sistemas de tratamento de esgoto.

Sedlak completa indicando a necessidade de uma quarta revolução da água necessária para enfrentar um conjunto de problemas bem atuais: a escassez de água em diversas regiões afetadas pelas mudanças do clima e consumo desproporcional, a capacidade de tratamento e a excessiva - e cada vez mais complex - contaminação química da água. Ainda poderia acrescentar a desigualdade de condições de oferta de água limpa em diferentes regiões do planeta devido aos custos envolvidos.

A coleta e tratamento de esgoto é absolutamente fundamental para a geração de um ambiente saudável no meio urbano. Porém, infelizmente, ainda é uma realidade muito distante do mundo em desenvolvimento. No Brasil, seguindo o Instituto Trata Brasil metade da população não conta com sistema de coleta de esgoto e só 40% do esgoto é tratado. Tratamento de esgoto exige infraestrutura cara de coleta, demanda espaço grande muita energia (cerca de 2 KWh/m3).

Outro desafio grande é a dessalinização da água para viabilizar o abastecimento em regiões de grande déficit hídrico. É um processo caro, em geral realizado por osmose reversa, onde a água empurrada em pressão por vários filtros com enorme consumo de energia (cerca 4 KWh/m3). Apenas como exemplo, em Fernando de Noronha a unidade de dessalinização da água chega a representar 50% do demanda de energia da ilha.

Existem várias inciativas no mundo que buscam soluções para acelerar, baratear e simplificar o tratamento de água e esgoto. Nos EUA uma startup chamada Janicki Bionergy desenvolveu o Omniprocessor, uma usina onde de um lado entra esgoto e do outro saem energia, água potável e cinzas fertilizantes e viralizou quando Bill Gates tomou um copo d’água que saia da usina.

No Brasil, outra startup - MoOmi (água limpa em Iorubá) - desenvolveu um sistema ainda mais inovador que separa a água das demais partículas do esgoto usando ultrassom, sem a utilização de produtos químicos ou decomposição bacteriana. O sistema é continuo e rápido o que reduz em 75% a área ocupada pelo sistema de tratamento. O consumo de energia é apenas 10% do que consome o sistema tradicional e os custos de implementação e operação caem pela metade. A primeira unidade operacional com capacidade de 240 m3/hora já funciona em Ubatuba no litoral paulista. O mesmo sistema pode ser utilizado para dessanilizar água com reduções no consumo de energia superiores a 95%. Por usar área menor e poder ser feita em diferentes escalas pode viabilizar redes de coleta de esgoto menos complexas e mais distribuídas facilitando a  implementação da infraestrutura de saneamento básico.

Mais um bom exemplo de inovações que podem acelerar o alcance das metas globais de desenvolvimento sustentável.

Publicado na Coluna Bússola de Épocao Negócios, Fevereiro de 2017