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quinta-feira, 7 de abril de 2016

Porque o governo não publica os dados do inventário de emissões de carbono

Daqui até o meio do ano, o país precisa publicar seu terceiro inventário de emissões de gases de efeito estufa, que dará a cifra oficial de nossas emissões até o ano de 2010 e também o número revisado de emissões do Brasil em 2005, ano do último levantamento do tipo disponível. Isso mesmo: a nossa conta oficial de emissões de carbono mais recente se refere a dez anos atrás.

O terceiro inventário foi finalizado ainda em 2014 e passou por consulta pública em janeiro de 2015. O documento aguarda publicação desde pelo menos agosto do ano passado.

Quem teve acesso à versão final conta que ele vai mostrar que as emissões em 2005 foram bem maiores do que sugeria o segundo inventário: saltaram de 2,2 bilhões para 2,7 bilhões de toneladas de gás carbônico equivalente (CO2e). Isso colocaria o Brasil na terceira posição entre os maiores emissores globais em 2005, atrás apenas da China e dos EUA.

A diferença, apesar de enorme, pode ser explicada por evolução na metodologia de medição das emissões e remoções de gases de efeito estufa, especialmente no que se refere a desmatamento e captura de carbono pelas florestas remanescentes.

Apesar de já contar com os dados não publicados, o governo anunciou em setembro a proposta de compromissos para o Acordo de Paris com base nos dados antigos. A meta de reduzir as emissões em 37% até 2025 e em 43% até 2030 com relação a 2005 foi calculada com base nos dados ultrapassados do segundo inventário, o que daria uma emissão de 1,2 bilhão de toneladas de CO2 em 2030.

Considerando os novos números, o governo fica com duas opções: ou revisa a meta em termos absolutos, que passaria a 1,5 bilhão de toneladas em 2030 -- ou seja, nenhuma redução em relação às emissões atuais --, ou revisa a meta proporcional, que passaria a ser de 55% de corte até 2030 em relação a 2005 em vez de 43%. E este parece ser um dos motivos pelos quais a publicação do inventário, que deveria ser um produto eminentemente técnico, virou refém de uma decisão política.

Comunicar emissões de forma ágil, atualizada e com a melhor informação científica disponível traria diversos ganhos para o Brasil. O mais imediato seria a aplicação de políticas de controle de poluição: hoje nossos inventários são olhares no retrovisor, descolados do ritmo da economia. Saber como elas evoluem ano a ano é importante para aplicar regulações e incentivos, proteger a população e gerar emprego e renda.

Outro ganho diz respeito aos nossos compromissos internacionais. Hoje o Brasil está desobrigado de revelar ao mundo quanto emite anualmente. Com a entrada em vigor do Acordo de Paris, que exigirá um mecanismo global de transparência, isso deverá mudar. Todas as nações serão obrigadas a reportar emissões e, quanto mais cedo estiverem prontas para isso, melhor.

Um terceiro ganho diz respeito ao próprio acesso a mercados de carbono e ao cumprimento das metas nacionais de corte de emissões. Hoje, por exemplo, o país não reporta quanto emite todos os anos por degradação de solos em pastagens. Cálculos feitos pelo Imaflora a partir dos dados do SEEG, o Sistema de Estimativa de Emissões de Gases de Efeito Estufa do Observatório do Clima, sugerem que as emissões do setor agrícola seriam 25% maiores caso esses dados fossem computados. No entanto, esse mesmo setor tem potencial de emissões negativas – ou seja, de sequestro de carbono – caso as metas propostas de recuperação de pastagens sejam cumpridas. Por não contabilizar o quanto emite, o país não pode receber os benefícios de reduções de emissões.

Além disso, monitorar o que acontece no seu quintal é uma tradição no Brasil. Na década de 1980, fomos os pioneiros em estimar o desmatamento em florestas tropicais usando satélites. Nos anos 2000, o sistema Deter, do Inpe, permitiu que esse monitoramento ocorresse em tempo real. Na mesma década, surgiu o SAD, sistema do Imazon que ampliou a transparência do monitoramento – e foi fundamental para defender a credibilidade do sistema do Inpe contra ataques em 2008. A expressiva queda do desmatamento na Amazônia na ultima década deve muito aos sistemas de monitoramento.

Os dados do terceiro inventário são fundamentais para atualizar e balizar os esforços de monitoramento de emissões no Brasil. Sem eles praticamente todas as políticas públicas para redução de emissões perdem eficácia.

Ajustar as contas do clima é crucial para ajustar as contas com o clima. Além de evitar situações embaraçosas para o país no futuro.
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Tasso Azevedo é engenheiro florestal e coordenador do SEEG (Sistema de Estimativa de Emissões de Gases de Efeito Estufa) do Observatório do Clima

Marina Piatto é agrônoma e coordenadora da Iniciativa de Clima e Agrupecuária do Imaflora

Publicado em Blog do Planeta em Epoca.com.br (06.04.2016)

sábado, 18 de abril de 2015

Meio cheio, meio vazio

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Até o final de março, 34 países apresentaram suas metas de redução de emissões de gases de efeito estufa (GEE) pós-2020 como parte de sua contribuição (veja INDC no site do UNFCC) para o novo acordo climático global. Pouco mais de 15% dos países devem enviar suas contribuições até 1º de outubro, o que representa pouco menos de 30% das emissões globais atuais por incluir 28 países da comunidade europeia (com meta única em conjunto), além da Rússia, dos Estados Unidos e do México.
A meta da União Europeia é reduzir 40% das emissões até 2030 comparado com as emissões de 1990 e depois reduzir, pelo menos, 80% até 2050. No caso dos EUA, a meta é reduzir 26% a 28% até 2025, quando comparado com 2005 e, depois, ampliar para, pelo menos, 80% de redução até 2050. A Rússia se propõe a reduzir 25% a 30% até 2030 em relação a 1990 e não apresenta meta para 2050.
Como os anos base para o cálculo são diferentes (1990 ou 2050) e o ano de chegada também (2025/2030), pode ser difícil compreender o impacto dos anúncios. O gráfico abaixo mostra a trajetória linear das emissões projetadas de acordo com as metas para EUA, EU e Rússia entre 2010 e 2050.
grafico1
Como as emissões atuais da Rússia são muito inferiores as de 1990, em vez de reduzir suas emissões até 2030, o país as aumentaria em 65%. As emissões per capita aumentariam de 11tCO2e para quase 20tCO2e por habitante (a média global é 7tCO2e). Por outro lado, a Rússia tem grande estoque de florestas em crescimento que podem compensar suas emissões entre 20% a 30%, mas, ainda assim, as emissões estariam crescendo até 2030. E mais: presumindo que a Rússia assumisse a meta de 80% de redução até 2050 em relação a 1990, esse esforço resultaria numa emissão de 5,3tCO2e por habitante em 2050, ou seja, ainda muito alta.
No caso dos EUA, a meta implica trajetória compatível com uma expressiva redução entre 2010 e 2050, mas, mesmo assim, o país chegaria com uma emissão equivalente as emissões atuais do Brasil e a uma emissão per capita de 3,5tCO2e por habitante, em 2050. Considerando as dificuldades de aprovação de qualquer legislação e do acordo sobre mudanças climáticas no congresso americano – além do fato de ser um país de rápida transformação quando a proa aponta para um novo rumo –, pode-se afirmar que esta é uma meta ambiciosa.
Mas, a meta da comunidade europeia é ainda mais ambiciosa e indica que, em 2050, no agregado dos países, a emissão per capita seria de 2,4tCO2e por habitante, o que se aproxima mais da necessidade de reduzir a emissão per capita global drasticamente até 2050 (dos atuais 7 tCO2e para algo em torno de 1,5 tCO2e).
Quando observado no agregado, a situação fica mais complicada. Rússia, EUA e EU representam cerca de 14% da população global, mas perfazem cerca de 26% das emissões globais de GEE.
Considerando os níveis mais ambiciosos de suas emissões, de forma agregada, entre 2010 e 2040 eles terão emitido cerca de 30% de tudo que, segundo o IPCC, pode ser emitido entre 2012 e 2100 para termos 66% de chance de limitar o aumento da temperatura média global em 2oC.
O resumo é o seguinte: levando em conta as limitações políticas de cada país, as metas podem parecer ambiciosas, mas do ponto de vista global e climático elas são insuficientes e, de certa forma, pouco justas. Em 2050, estes países terão um bilhão de habitantes e terão consumido 30% do orçamento de carbono e, a menos que as emissões dos outros oito bilhões de habitantes do Planeta se limitem aos outros 70%, vamos estourar o orçamento proposto pelo IPCC.
Até a COP21, em Paris, quando será fechado o novo acordo global de clima, para mantermos chances razoáveis de limitar o aquecimento global em 2ºC, será necessário ampliar o grau de ambição, seja neste primeiro ciclo (2020-2030) ou com sinalizações claras para os ciclos seguintes (2030-2040).

Publicado em Planeta Sustentável - Blog do Clima 07.04.2015