quarta-feira, 16 de maio de 2012

Com os pés no chão

A cena se repete em Piracicaba, região canavieira no interior de São Paulo e em Paragominas/PA, primeiro município a sair da lista dos campeões do desmatamento na Amazônia. A equipe do Prof. Ricardo Rodrigues vai a campo para verificar o passivo de áreas de preservação permanente (APP) nas propriedades rurais e propor plano de recuperação. Antes de apresentar o diagnóstico,  Prof. Ricardo pergunta quanto o produtor acha que irá perder de área de produção para que as APPs possam ser recuperadas. Na média, os produtores declaram que irão perder 10% da área de produção e são surpreendidos pela informação levantada em campo: na média a perda é de menos de 2% da área de produção, isto é, metade do incremento médio anual de produtividade da agricultura brasileira nos últimos 20 anos.


A área a ser recuperada é bem maior, mas o impacto na produção é restrito porque uma parte importante das áreas a serem recuperadas não são ocupadas de forma produtiva ou o são com baixíssima produtividade.


Quando se deparam com esses números, os produtores na sua esmagadora maioria se propõe a fazer a recuperação. As alternativas oferecidas vão desde apenas cercar e deixar a regeneração natural fazer o serviço até o plantio de uma grande diversidade de espécies.  Pouquíssimos optam por pelo modelo básico e se propõe a fazer pelo menos o enriquecimento da regeneração natural. Em geral em poucas semanas já estão trocando ideias com os vizinhos sobre o que pretende fazer e mostrando suas habilidades em inventar novas formas de recuperação com menos custos. É o que acontece na região de Querência no Mato Grosso onde fazendeiros estão fazendo recuperação utilizando máquinas agrícolas.


Perguntei certa vez ao Presidente do Sindicato Rural de Paragominas, Mauro Lucio, qual seria o melhor incentivo para que os produtores rurais da região fizessem a regularização ambiental completa de suas propriedades?  A resposta: - Asfaltar todas estradas de acesso. Os ganhos que teríamos com custo de transporte e redução de perdas facilmente pagaria todo o custo de regularização ambiental, que em ultima instância ajuda na sustentabilidade da produção no longo prazo.


Estas passagens ilustram o desvio de foco e obtusidade da argumentação de certas lideranças do agronegócio ao defender o trágico texto do código florestal aprovado na Câmara e que se encontra agora esperando a decisão de sanção ou veto pela Presidente Dilma.


Em recente artigo, a Presidente da CNA questiona a recuperação de Áreas  de Preservação Permanente: “será que é racional abrir mão de 33 milhões de hectares da área de produção de alimentos, que representam quase 14% da área plantada, para aumentar em somente 3,8 pontos percentuais a área de vegetação nativa do país?”. Ainda que a área a ser recuperada com o código atual (e isso é o que se pretende anistiar com o texto aprovado na câmara) os dados de campo sugerem que a perda de área de produção não seria chegaria a 1/10 deste total ou algo como 3-4 milhões de hectares o que representa cerca de 2% da área total da área de produção agrícola e pecuária do país (236 milhões de hectares segundo dados da própria CNA). Isso seria compensado com 1 ano do aumento médio da produtividade  da agricultura brasileira.


Mas os 3,8% de acréscimo a vegetação nativa são estratégicos, pois as Áreas de Preservação Permanente protegem áreas extremamente sensíveis e importantes para proteção de nossos recursos hídricos e garantir o fluxo gênico para conservação da biodiversidade.


Essa politica de determinados setores do agronegócio de difundir o medo da perda de produção com base em argumentos falsos e versões distorcidas da realidade não atende aos interesses dos produtores rurais e da sociedade brasileira. Cria falsos dilemas e se distancia do ideal do desenvolvimento sustentável.


Em tempo, o Mauro Lucio, citado aqui, foi um dos primeiros produtores a realizar o Cadastro Rural e tem uma propriedade rentável e produtiva mantendo protegida integralmente as áreas de APP e 80% de Reserva legal.


Publicado em O GLOBO em 16.05.2012