Dias atrás estive na região do Gasômetro, principal centro comercial de madeira em São Paulo, e perguntei se tinha mogno:
- Tem não, senhor.
- E demora a chegar?
- Xii.. doutor, melhor esperar sentado, faz tempo que não vejo mogno por aqui.
Há dez anos o mogno entrou na lista internacional de espécies ameaçadas de extinção. Por sua beleza única e incrível estabilidade e trabalhabilidade, o mogno foi superexplorado por anos. O metro cúbcico da tora chegou a valer mais de mil dólares, quase cinco vezes o valor de outras espécies nobres, como ipê. Centenas de quilômetros de estradas e ramais eram abertas na floresta para retirar o mogno, e quase a totalidade da exploração se dava de forma ilegal. Dois grandes comerciantes financiavam a extração com dinheiro adiantado recebido de compradores de fora do Brasil. As eventuais apreensões de mogno ilegal realizadas pelo Ibama eram muitas vezes um artifício para legalizar o produto, uma vez que as madeiras apreendidas eram depois leiloadas, por serem consideradas produtos perecíveis. Os dois controladores do mercado venciam todos os leilões e tinham legalizada a madeira.
Em 2003, uma equipe recém-chegada ao Ministério do Meio Ambiente decidiu mudar a abordagem, com objetivo de tornar a exploração ilegal um péssimo negócio.
Em 2003 e 2004 uma série de operações de fiscalização apreendeu milhares de m3 de mogno no Pará e Mato Grosso. Em vez de leiloar a madeira, ela foi doada para uma Fase, uma respeitada organização do terceiro setor, com o propósito específico de utilizar os recursos da venda da mogno (processado por empresa certificada e auditada) para constituir um fundo fiduciário para promoção da desenvolvimento social em bases sustentáveis das comunidades da região onde a madeira foi apreendida no Pará. Assim nasceu o Fundo Dema (nome de uma liderança comunitária morta em confronto com madeireiros ilegais na região do Xingu), gerido pelas organizações comunitárias sob supervisão e auditoria dos orgãos federais de controle. Prestes a completar dez anos, o Fundo Dema já apoiou mais de mil iniciativas e projetos beneficiando milhares de famílias.
Sem poder comprar o mogno no leilão para cumprir os contratos de venda antecipada que haviam firmado, os comerciantes de mogno foram à bancarrota, e em 2005 o comércio ilegal de mogno se tornou insignificante.
O sucesso desta operação serviu de fonte de inspiração para o programa de prevenção em combate ao desmatamento na Amazônia, que, combinando ações de comando e controle, ordenamento territorial e instrumentos econômicos, contribui fortemente para a queda de mais de 80% do desmatamento na Amazônia entre 2004 e 2012.
Recentemente um estudo publicado por pesquisadores do CPI e PUC no RJ mostra que uma das medidas mais eficientes para controle do desmatamento foi a restrição do crédito a produtores rurais que não cumprem com a legislação ambiental. O estudo reforça a lição aprendida com o mogno: restringir as atividades econômicas degradadoras e fomentar as atividades sustentáveis são caminhos indispensáveis a serem trilhados.
Publicado em O Globo em 19.02.2013
- Tem não, senhor.
- E demora a chegar?
- Xii.. doutor, melhor esperar sentado, faz tempo que não vejo mogno por aqui.
Há dez anos o mogno entrou na lista internacional de espécies ameaçadas de extinção. Por sua beleza única e incrível estabilidade e trabalhabilidade, o mogno foi superexplorado por anos. O metro cúbcico da tora chegou a valer mais de mil dólares, quase cinco vezes o valor de outras espécies nobres, como ipê. Centenas de quilômetros de estradas e ramais eram abertas na floresta para retirar o mogno, e quase a totalidade da exploração se dava de forma ilegal. Dois grandes comerciantes financiavam a extração com dinheiro adiantado recebido de compradores de fora do Brasil. As eventuais apreensões de mogno ilegal realizadas pelo Ibama eram muitas vezes um artifício para legalizar o produto, uma vez que as madeiras apreendidas eram depois leiloadas, por serem consideradas produtos perecíveis. Os dois controladores do mercado venciam todos os leilões e tinham legalizada a madeira.
Em 2003, uma equipe recém-chegada ao Ministério do Meio Ambiente decidiu mudar a abordagem, com objetivo de tornar a exploração ilegal um péssimo negócio.
Em 2003 e 2004 uma série de operações de fiscalização apreendeu milhares de m3 de mogno no Pará e Mato Grosso. Em vez de leiloar a madeira, ela foi doada para uma Fase, uma respeitada organização do terceiro setor, com o propósito específico de utilizar os recursos da venda da mogno (processado por empresa certificada e auditada) para constituir um fundo fiduciário para promoção da desenvolvimento social em bases sustentáveis das comunidades da região onde a madeira foi apreendida no Pará. Assim nasceu o Fundo Dema (nome de uma liderança comunitária morta em confronto com madeireiros ilegais na região do Xingu), gerido pelas organizações comunitárias sob supervisão e auditoria dos orgãos federais de controle. Prestes a completar dez anos, o Fundo Dema já apoiou mais de mil iniciativas e projetos beneficiando milhares de famílias.
Sem poder comprar o mogno no leilão para cumprir os contratos de venda antecipada que haviam firmado, os comerciantes de mogno foram à bancarrota, e em 2005 o comércio ilegal de mogno se tornou insignificante.
O sucesso desta operação serviu de fonte de inspiração para o programa de prevenção em combate ao desmatamento na Amazônia, que, combinando ações de comando e controle, ordenamento territorial e instrumentos econômicos, contribui fortemente para a queda de mais de 80% do desmatamento na Amazônia entre 2004 e 2012.
Recentemente um estudo publicado por pesquisadores do CPI e PUC no RJ mostra que uma das medidas mais eficientes para controle do desmatamento foi a restrição do crédito a produtores rurais que não cumprem com a legislação ambiental. O estudo reforça a lição aprendida com o mogno: restringir as atividades econômicas degradadoras e fomentar as atividades sustentáveis são caminhos indispensáveis a serem trilhados.
Publicado em O Globo em 19.02.2013