quinta-feira, 7 de novembro de 2019

Fogo, lama, óleo e esperança



O Brasil passa em 2019 por uma crise socioambiental inimaginável. Começamos o ano com a tragédia do rompimento da barragem de Brumadinho, com mais de 200 mortos, a aceleração vertiginosa do desmatamento, grilagem, violência e garimpo ilegal na Amazônia, o crescimento exponencial do fogo no Cerrado e Pantanal e o estarrecedor derramamento de óleo que atinge a costa do Nordeste.

Não da para colocar estes eventos todos na conta do governo federal. Mas o ambiente criado pelo atual governo não ajuda em nada. Nos últimos dez meses acontece um desmonte das políticas de conservação dos recursos naturais e proteção das comunidades tradicionais.

O orçamento dos programas ambientais foi ceifado, o PPCDAm, programa de combate ao desmatamento de maior sucesso e efetividade no mundo, foi descontinuado. O Fundo Amazônia foi enterrado vivo, e mais de US$ 500 milhões devem retornar para os doadores. O programa de conversão de multas ambientais em recuperação florestal com um investimento bilionário na recuperação do Rio São Francisco foi cancelado após todo o processo de chamada publica de projetos ter sido finalizado; e foram cortados drasticamente os espaços de participação social, os comitê de formulação, monitoramento e controle de políticas publicas. Para completar, agora querem taxar a geração distribuída de energia solar e criar incentivos para térmicas a carvão.

E não para por ai. O governo federal propôs revisar os limites de todas unidades de conservação para poder excluir áreas ocupadas ilegalmente e entregá-las a uma falsa regularização fundiária, baseada em reconhecimento de posse de grileiros de terras públicas. O presidente afronta a Constituição, se recusando a dar prosseguimento à demarcação das terras indígenas, que é um direito destas populações e um dever do Estado.

Esperar uma ação afirmativa pelo meio ambiente e as populações tradicionais vinda do governo federal deixou de ser uma opção realista. O caminho agora é construir iniciativas que deem visibilidade e concretude para um caminho alternativo para superarmos esta fase desoladora.

Em outubro, representantes de várias etnias indígenas, comunidades quilombolas, extrativistas, ribeirinhos, ONGs de apoio e empresas privadas se reuniram em Alter do Chão para discutir os próximos passos da iniciativa Origens Brasil, que procura promover os produtos gerados pelas comunidades que produzem protegendo a floresta. Mais de 30 etnias e 40 cooperativas e grupos comunitários em quatro territórios na Amazônia (Xingu, Calha Norte, Solimões e Rio Negro) que constroem relações transparentes e duradouras com empresas para fazer prosperar não este Brasil da tragédia, mas o Brasil que produz conservando os recursos naturais e protegendo suas populações guardiãs da floresta.


Em tempos sombrios, é esse o tipo de iniciativa que mantém a chama da esperança acesa.

Publicado em O Globo em 06.11.2019