segunda-feira, 23 de maio de 2016

A vez das biorefinarias



Chefes de estado de todo o mundo estiveram em Nova Iorque em abril para assinar o Acordo de Paris, que tem como objetivo limitar o aumento da temperatura média global abaixo de 2oC. Para cumprir esse compromisso será necessário zerar as emissões de gases de efeito estufa neste século -  algo inviável sem uma drástica redução do uso de carvão mineral e petróleo.

O desafio de superar essa dependência do petróleo vai muito além de encontrar alternativas para o uso de combustíveis fósseis como querosene, gasolina e diesel. Existem milhares de produtos baseados em derivados do óleo, como fertilizantes nitrogenados, tecidos sintéticos, plásticos, tintas, medicamentos, detergentes, ceras, entre outros. A profusão de setores dependentes desses derivados é tamanha que alguns especialistas sugerem que se hoje houvesse falta imediata de petróleo, a agricultura e a indústria farmacêutica poderiam entrar em colapso.

A busca por alternativas para substituí-los avançaram significativamente nas últimas duas décadas. Já produzimos álcool combustível e plásticos a partir da cana de açúcar, fizemos biodiesel a partir de biomassa, desenvolvemos ceras e tintas com base em resinas e pigmentos naturais e mais uma enormidade de tecnologias e produtos.

Apesar de promissora, a abordagem da substituição produto a produto não consegue gerar a escala hoje existente nas refinarias e polos petroquímicos. Por outro lado, mesmo que todos os produtos encontrassem substitutos, criando rotas alternativas de produção, restaria o desafio de amortizar o enorme capital empregado nas refinarias.

Porém, uma outra abordagem começou a ganhar força na última década:  a criação de biorrefinarias. Em essência, trata-se de refinar biomassa para que gere os derivados hoje produzidos com petróleo. Isso é possível porque o petróleo e seus derivados são hidrocarbonetos, ou seja, em essência são combinações diferentes de átomos de carbono e hidrogênio. Assim, a partir de biomassa, especialmente a lenhosa, seria possível gerar os mesmos derivados.

As primeiras experiências nesse sentido foram feitas com o tratamento dos gases oriundos da produção de carvão vegetal e com o licor negro proveniente da fabricação de celulose. Num segundo momento, foram testadas as biorrefinarias especializadas em fracionar a biomassa para obter os subprodutos. Em síntese, entra madeira ou outra fonte de biomassa de um lado e do outro saem os diversos produtos refinados.

Mas existem abordagens mais arrojadas como a que é conduzida pela empresa americana Ensyn em parceria com a brasileira Fibria. Através de uma tecnologia batizada de RTP (Rapid Thermal Processing) a madeira é liquefeita e transformada em um óleo cru com as mesmas propriedades do petróleo. A similaridade é tanta que foi possível refinar o óleo em refinarias feitas para operar com petróleo. Esta abordagem permitiria utilizar a própria infraestrutura de refinarias atuais para produzir os derivados, aproveitando o capital já investido e tornando mais fácil a aposentadoria do petróleo.


A produção florestal do planeta precisaria dobrar para dar conta de substituir o petróleo na fabricação dos derivados não combustíveis. Uma base florestal maior aumenta a captura de carbono, tornando o efeito benéfico para o clima. Ai está o caminho para transformar a indústria petroquímica na nova indústria bioquímica.

Publicado em Época Negócios na edição de Maio/2016