quinta-feira, 10 de fevereiro de 2011

Melhor Previnir


Não é possível afirmar que os recentes extremos climáticos no Brasil e no mundo sejam produto de alterações climáticas causadas pela emissão de gases de efeito estufa. Se forem, só saberemos daqui a alguns anos, quando for analisado o padrão histórico deste e dos próximos anos. Por outro lado, o que a ciência tem alertado é que estes eventos são uma amostra do tipo de impacto que sofreremos com o aumento da temperatura média da Terra causado pela emissão de gases de efeito estufa.

No Brasil, as tragédias no Rio, em São Paulo e em Santa Catarina nos dão uma certeza: não estamos preparados para estes eventos.
Temos pouquíssimas áreas com mapas de risco, e onde existem as ações para minimizar esses riscos são incipientes. Não conseguimos prever o quê e onde esses desastres podem acontecer e, nos raros casos que conseguimos prever, não existe um sistema que desencadeie ações em tempo hábil a evitar mortes e ferimentos graves. O choque ocasionado pelos desastres em geral provoca uma série de mobilizações para remediar o sofrimento das vítimas, mas nem estas conseguem se manter pelo tempo necessário para sanar as feridas abertas.

Há anos, pesquisadores brasileiros - numa rede liderada pelo INPE - trabalham no desenvolvimento de um robusto ferramental para detectar e alertar a iminência de desastres naturais com um propósito objetivo e simples: conseguir avisar com algumas horas de antecedência a população dos lugares de risco para que possam salvar suas vidas. A existência desses sistemas faz com que enchentes de proporções iguais ou maiores que as vistas no Rio e em São Paulo nas últimas semanas tenham significativamente menos vítimas em países como Austrália e Japão.

O anúncio de que o governo federal vai estabelecer um Sistema Nacional de Prevenção e Alerta de Desastres Naturais é uma excelente notícia por vários motivos. Há anos, a reação a estes fatos tem sido responsabilizar os "eventos climáticos fora do padrão" e utilizar a necessidade de curto prazo de remediar a dor das vítimas como desculpa para o não tratamento da questão de fundo da prevenção. Em geral, o tema tem sido tratado como uma questão da defesa civil e, quando acionadas outras áreas, é basicamente para questões táticas e emergenciais como apoio logístico e médico das forças armadas, entre outros. E, para completar, a demonstração de atenção para com as áreas afetadas é comumente medida em milhões de reais prometidos para a reconstrução ou apoio à região.

A reunião de ministros de diferentes áreas do governo com orientação para que seja montado um sistema robusto e de longo prazo para prever e alertar para esses desastres é uma mudança de atitude significativa. Segue os moldes da exitosa experiência do PPCDAM - Plano de Prevenção e Combate ao Desmatamento na Amazônia -, iniciado em 2004. É preciso, contudo, garantir que o sistema a ser implantado não se limite a informar o desastre iminente, mas seja montado e utilizado para reduzir a vulnerabilidade dos que estão expostos a áreas de risco, aumentar a capacidade de resiliência para resistir aos desastres e assegurar a existência de sistemas estruturados de remediação de impactos, não só no momento que ocorrem, mas nos meses e anos que se seguem.

O desenho do sistema, além de contar não só com a participação de governos estaduais e municipais, deve se alimentar e interagir com o rico acervo de iniciativas já em ebulição na sociedade civil e no setor empresarial. Um bom exemplo é o movimento Oasis, que, através de um jogo na internet, em poucos meses movimentou dezenas de grupos para realizar tarefas de reconstrução e recuperação de estruturas em Santa Catarina e em outros locais abalados por desastres naturais. Outra ótima iniciativa é a utilização da infraestrutura de telefonia celular para monitoramento microclimático e comunicação de alertas de risco de desastre ambiental.

Que a implantação do Sistema Nacional de Prevenção e Alerta de Desastres Ambientais nos permita recuperar o ditado: melhor prevenir do que remediar.


Publicado em O Globo em 09/02/2011