quarta-feira, 29 de junho de 2016

Natureza ao redor



Recentemente, em visita ao Yosemite, um dos mais belos e antigos parques nacionais dos Estados Unidos, o presidente Obama declarou que as áreas protegidas eram o maior tesouro americano e que visitar e promover a conexão, especialmente das crianças, com elas é essencial para o bem-estar da população e do planeta.

Diversos estudos mostram que a conexão com a natureza afeta diretamente o nosso bem-estar. Crianças expostas com frequência aos ambientes abertos e biodiversos tendem a ser mais atentas, resistentes ao estresse, calmas e até podem enxergar melhor e sofrer menos com gripes e outras doenças infecciosas.

Em 2015, o sistema de parques nacionais dos Estados Unidos, que completa seu centenário este ano, recebeu pouco mais de 300 milhões de visitantes em seus 409 parques, um recorde. No Brasil, em 2014, ano também recorde, as unidades de conservação, incluindo parques nacionais, receberam meros sete milhões de visitantes, sendo quase 70% em apenas dois parques: a Floresta da Tijuca, no Rio de Janeiro, e Foz do Iguaçu. Ou seja, nos Estados Unidos, a taxa média per capita de visitação (considerando que todos os visitantes fossem americanos) seria em torno de uma visita por ano, enquanto no Brasil não chega nem a 5% disso.

Se, por um lado, estes números mostram um abismo entre a visitação nos dois países, revelam também que, mesmo nos casos em que a frequência é enorme, como nos Estados Unidos, representa muito pouco da rotina ou da aproximação cotidiana que deveríamos ter com a natureza.

No ótimo livro “A última criança na natureza”, recém-traduzido e lançado no Brasil, Richard Luv mostra que nas cidades, onde vive a maioria da população, as crianças passam mais de 90% do tempo em ambientes fechados. Então, como fazer para conectar as crianças com a natureza no meio urbano? As unidades de conservação estão longe e são um programa específico e planejado. E, embora sejam parte da solução, certamente não são a resposta para mudar este cotidiano.

Para uma criança, um pequeno canto de um jardim ou uma praça pode ser QUASE um mundo a ser explorado, vivenciado e tocado. É preciso soltá-las neste ambiente. Para fazê-lo, temos que liberá-las do aprisionamento das telas, seja televisão, computador, tablet ou celular.

Uma criança absorta em frente a uma tela parece quase implorar para que a libertemos desta hipnose acomodada. Não basta levá-la ao parque da praça enquanto checa o WhatsApp no celular. É preciso convidá-la a viver a natureza ao redor, propiciando os espaços e oportunidades, mas, principalmente, vivenciando junto a experiência.

publicado em O Globo em 29/06/2016

quarta-feira, 22 de junho de 2016

100% Renovável



As boas novas são animadoras! A pequena ilha espanhola de El Hierro, que serviu de parada para Cristovão Colombo no caminho  da América, parece continuar a indicar o caminho para o novo mundo: toda sua energia elétrica outrora originada de termoelétrica a diesel, agora provém de fontes renováveis. Turbinas eólicas trabalham por dia associadas e uma hidroelétrica em sistema fechado.  Quando há sobra de energia dos ventos, a água é bombeada de um reservatório na parte baixa da ilha para outro na parte alta e quando falta vento, a água desce gerando energia necessária para manter os dez mil habitantes da ilha.

No início de maio, Portugal passou quatro dias seguidos sendo abastecido exclusivamente por energias renováveis – solar, hidroétrica, biomassa e eólica. É a primeira vez que um país europeu consegue se abastecer por mais de um dia exclusivamente com energias renováveis. Com a chegada do verão no hemisfério norte, época em que a energia solar bate recordes de produção ano após ano, este recorde deverá ser pulverizado.

Mas estas notícias estão fadadas a se tornar em coisa do passado ou simples lugar comum nos próximos anos.

A poucos anos atrás, a grande novidade era que no pico do verão Portugal tinha atingido por alguns minutos, próximo ao meio dia, 100% de geração renovável, o que era um marco, mas visto com desconfiança, pois o desafio seria conseguir manter este perfil de geração por um período que incluísse a noite, sem a necessidade de recorrer a termoelétricas fósseis ou nucleares.

Portugal é um país pequeno, com pouco mais de 10 milhões de habitantes, mas representa um sinal de uma tendência mais ampla que se alastra pela Europa. Ainda em maio, a Alemanha, maior economia da região, atingiu pela primeira vez na história 100% de eletricidade de fontes renováveis por alguns minutos. Como suas usinas nucleares e termoelétricas a carvão não podem ser desligadas e religadas, está sobrando energia no país que em certos momentos tem preço de energia negativo.

Ainda em maio, a Inglaterra viveu seus primeiros momentos em 100% de geração elétrica sem usinas a carvão, foram alguns minutos, mas prevê-se que durante o verão poderá a chegar a horas e quem sabe dias. Na Dinamarca, a geração eólica – iniciada nos anos 70 - cresceu tanto na última década, que alguns dias em 2015 as eólicas chegaram a gerar 140% da demanda de eletricidade do país que já exporta o excedente para países como Suécia, Noruega e Alemanha. Como boa parte da produção acontece off-shore (ou seja, no oceano) o potencial de geração pode ser ampliado muitas vezes. As trocas de energia com a Noruega são particularmente interessantes pois o país tem grandes hidroelétrica e devolve energia para Dinamarca nos momentos de menos ventos.

O próximo grande desafio expansão das energias renováveis é a formação de um smart-grid continental e depois intercontinental. Então vamos a ele!

Publicado na Coluna Bússola de Época Negócios Edição de Julho 2016

Foto: Ilha El Hierro, Canárias