quarta-feira, 29 de janeiro de 2014

Ser radical

É preciso ser radical nas ações para evitar a transformação radical do clima.
À medida que o conhecimento sobre as mudanças climáticas e seus impactos é aprofundado e as informações sobre o padrão de emissões de gases de efeito estufa (GEE) são explicitadas, aumenta a probabilidade e o risco de o aquecimento global se distanciar do limite de 2°C e se aproximar de 4°C de aumento médio da temperatura.
Este cenário representa uma mudança radical do clima global com impactos econômicos, sociais e ambientais extremos. Para evitar este cenário precisamos promover uma redução radical das emissões de GEE nas próximas décadas, começando já.
Este foi o tema central da Conferência Internacional sobre Redução Radical de Emissões (Radical Emissions Reduction Conference), realizada em meados de dezembro de 2013, na Inglaterra.
Nas palavras de Kevin Anderson, pesquisador do Tyndall Center for Climate Change Reserarch* e coordenador da conferência, “é preciso reduzir de forma radical as emissões no curto prazo para evitar mudanças radicais do clima no longo prazo”.
Nesse encontro, foram apresentados dezenas de exemplos de ações e decisões que devem ser implementadas por indivíduos, coletivos, organizações, empresas e governos que podem promover radical redução de emissões como remoção de subsídios a processos e produtos de alta emissão, acompanhada de incentivos aos mesmos produtos e serviços de baixa emissão (exemplo: premiar com incentivos os 25% mais eficientes e penalizar os 25% mais ineficientes), o investimento em retrofit de construções em larga escala, o promoção do adensamento urbano e a andabilidadedas cidades e a eletrificação da energia.
Os debates apontaram para o consenso de que os caminhos tecnológicos econômicos que nos levam a redução radical das emissões são bem entendidos e podem ser realizados. Os impedimentos para que esta rápida redução seja implementada são de ordem política e social e incluem:
(i) a relutância de aceitar a necessidade de redução radical das emissões,
(ii) os interesses e o capital aprisionado na indústria de combustíveis fósseis;
(iii) a dependência de soluções tecnológicas estabelecidas e
(iv) a ausência de foco no aumento de eficiência na demanda de energia.
Para vencer estas barreiras, cinco conceitos emergiram do debate:
(i) a importância da educação para nos tornarmos uma sociedade mais esperta e eficiente (smart society);
(ii) a necessidade de dar vazão as inovações tecnológicas, sociais e econômicas desrruptivas;
(iv) liderança pelo exemplo de empresas e governos;
(v) a mobilização da sociedade para cobrar e agir e, não menos importante,
(e) o aproveitamento dos momentos de crise para tomar ações decisivas e visionárias que superem as melhorias puramente incrementais.
Todos os vídeos das apresentações da conferência sobre redução radical das emissões de GEE estão disponíveis no site do Tyndall Centre for Climate Change Research.

Publicado em Blog do Clima em 29.01.2014

Vai sobrar petróleo

A produção de petróleo está alcançando o seu pico, mas as reservas existentes ainda são suficientes para várias décadas de oferta. As reservas de carvão mineral são ainda mais extensas e também poderiam abastecer a demanda além deste século. Mas, se a trajetória de queima de combustíveis fósseis for mantida, caminhamos para um cenário de aumento da temperatura global na casa de quatro a seis graus, uma catástrofe.

Felizmente existem vários sinais de que, muito antes de a escassez destas fontes energéticas ser um problema, sua demanda será reduzida contundentemente. As energias de fontes renováveis estão ganhando momento de forma expressiva e esta década será lembrada como aquela em que o mundo iniciou uma radical transformação das suas fontes de energia.

A Agencia Internacional de Energia Renovável publicou este mês o REmap 2030 (Renewable Energy Road Map 2030), com um mapa do caminho para se dobrar a proporção de energia renovável no planeta dos atuais 18% para 36% até 2030. Todo este incremento se vale de tecnologias já existentes em escala comercial e em projeções de aumento de eficiência energética conservadoras.

Essencialmente, as mudanças devem ocorrer nos setores de transportes, indústria, geração de eletricidade e construções/habitações, e envolvem, por um lado, o descolamento da relação direta entre crescimento econômico e demanda de energia e, de outro, a redução dos subsídios aos combustíveis fósseis e aumento do investimento e incentivos a energias renováveis.

À medida que os custos da energia solar e eólica caem, ficam evidentes as inúmeras vantagens logísticas, operacionais, econômicas e sociais destas fontes e ampliam-se os esforços para resolver os seus limitantes, como os sistemas de armazenamento e operação de geração distribuída. No cenário do REmap, o consumo de combustíveis fósseis será reduzido em 10% até 2030 e após o declínio se acentuará.

Até 2050 a energia solar estará tão difundida e distribuída a um custo tão competitivo que para a geração que nascer nessa década será difícil entender como passamos tantos anos dependentes de fontes de energia tão complicadas e trabalhosas como o petróleo e carvão.

A percepção deste cenário é fundamental para refletir sobre os investimentos na produção como estratégia de desenvolvimento atualmente em curso no Brasil. Por motivos ambientais, sociais, tecnológicos e econômicos, a demanda por petróleo será reduzida e quase 1 trilhão de dólares em investimentos nas próximas décadas podem se transformar num tremendo mico.

* Veja também Vai Sobrar Petróleo II

Publicado em O Globo em 29.01.2014

sábado, 25 de janeiro de 2014

Agenda do Clima 2014

Este é um ano de agenda cheia com Copa do Mundo seguida de Eleições Presidenciais, mas também da agenda de clima deve ser marcante. A publicação completa do 5º Relatório de Avaliação do Clima do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (AR5/IPCC) e a elaboração do primeiro rascunho do novo acordo climático global são os pontos altos de um ano que promete.
O ano iniciou com uma Cúpula de Investidores sobre Risco Climático, evento que reuniu mais de 500 investidores em Nova York no dia 15 de janeiro para discutir os riscos que as mudanças climáticas trazem para o setor de investimentos e como o setor pode contribuir para mitigar as mudanças climáticas e promover a transição para uma economia de baixo carbono. As preocupações apresentadas na reunião dão o tom de duas palavras-chaves que devem ser fortemente enfatizadas durante este ano: impacto, riscos e oportunidades.
O quadro abaixo dá uma noção do tipo de pragmatismo que começa a se disseminar na comunidade de investimento. Bancos como HSBC já contam com equipes especializadas em mudanças climáticas. Nesta semana durante o Fórum Econômico Mundial em Davos haverá nada menos do que 23 sessões ou debates dedicadas ao tema de mudanças climáticas, com foco no mesmo tripé de impactos, riscos e oportunidades.
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(Clique aqui para ampliar a imagem)
Em 14 de março, será divulgada a segunda parte do 5º Relatório de Avaliação Clima do IPCC, que trata de impactos, adaptação e vulnerabilidade. Elementos já vazados da 2ª parte do relatório em elaboração apontam para um aprofundamento do entendimento e maior precisão geográfica sobre os impactos das mudanças climáticas, a vulnerabilidade de diferentes regiões do planeta e a necessidade urgente de adaptação para o enfrentamento das mudanças em curso.
Em resumo, o relatório deve apontar que as mudanças estão acontecendo de forma mais rápida, mais intensa e mais abrangente do que previsto no relatório anterior e a os mecanismos de adaptação estão absolutamente atrasados, isso deve resultar em uma profunda mudança na percepção de risco e de custos de oportunidade de se investir na mitigação das mudanças climáticas e num radical plano de adaptação, com especial atenção aos países e regiões mais vulneráveis.
Em 11 de abril, será divulgado a 3ª parte do 5º relatório do IPCC que trata demitigação das mudanças do clima que deve apontar que a janela de possibilidade para redução emissões suficiente para limitar o aumento da temperatura média global em 2ºC está se fechando rapidamente e, se não revertemos o crescimento das emissões até o final da década, as chances do limite de 2ºC tenderão a zero.
Os relatórios do IPCC devem chacoalhar a agenda de negociações do novo acordo climático global que tem como centro do debate o Grupo de Trabalho sobre Plataforma de Durban (ADP) que se reúne março e junho para estabelecer os elementos do novo acordo e novamente em dezembro junto com a Conferência das Partes da Convenção da ONU sobre Mudanças do Clima (COP-20) em Lima no Peru onde a grande expectativa é a aprovação do primeiro rascunho do texto que servirá de base para se chegar o novo acordo climático em dezembro de 2015 naCOP21 em Paris.
Agenda do Clima 2014
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Publicado em Blog do Clima - 20/01/2014

terça-feira, 14 de janeiro de 2014

O frio do aquecimento global

O ano começou com recordes de frio e neve em boa parte dos Estados Unidos, batendo recordes negativos de temperatura em várias regiões que são monitoradas desde épocas tão antigas como 1870. Seria esta uma evidência de que o aquecimento global não está acontecendo?
E a ocorrência de um dos invernos mais quentes já registrados nos países nórdicos (Noruega, Finlândia, Suécia) seria uma evidência definitiva de que realmente o aquecimento global é real?
Nenhum evento climático tomado de forma isolado prova ou refuta a tese do aquecimento global e as respectivas mudanças climáticas associadas. Mudanças climáticas são representantes por alterações de padrões, médias e variações de ao longo dos anos. Mas as descobertas da ciência do clima nos últimos apresenta elementos que permitem relacionar estes dois extremos (recorde de frio nos EUA e calor no inverno nórdico) como exemplos do tipo de mudança climática relacionada ao processo de aquecimento global.
Mas como o aquecimento global poderia gerar recorde de temperaturas frias? O entendimento do funcionamento das correntes de jato (jet streams) apresenta a chave explicar este aparente paradoxo.
O ar se movimenta de acordo com as diferenças de temperatura que mudam a densidade do ar. O calor é energia que movimenta os ventos. Os ventos se movimentam na direção norte sul alimentados pela diferença de calor nas regiões tropicais, subtropicais, temperadas e polares. O movimento giratório da terra e a diferença de temperatura entre o sistema terrestre e oceânico provocam movimentos no sentido oeste para leste.  Esta movimentação é mais forte e predominante no extremo do hemisfério norte e forma as correntes de jato que ficam a 7 – 12 km de altitude.
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Nas ultimas décadas o aumento da temperatura média no planeta tem se verificado duas a três vezes maiores no extremo norte do que no restante do planeta. Isso faz com que a diferença de temperatura entre a região do polo ártico e as latitudes médias está diminuindo. A diferença de temperatura entre estas regiões é o que alimenta o vórtice polar – que são enormes massas de ar polar que circulam no sentido anti-horário na região polar.













Quando a diferença de temperatura cai enfraquece o vórtice polar e permite de um lado o ar frio desça para o continente de um lado e de outro suba o ar quente para regiões próximas dos polos. Com o caminho mais longo as massas de ar se movimentam de forma relativamente mais baixa. Isso explica a forte massa de ar polar cobrindo grande parte dos Estados Unidos com recorde de temperaturas baixas de uma lado e no outro lado a massa de ar subtropical provocando aumento não-usual de temperatura no extremo norte da Europa.
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O fenômeno de frentes frias de origem polar adentrar os continentes não é novo, mas a sua intensidade e frequência que tende a aumentar como efeito do aquecimento global.  O fenômeno tem efeitos tanto no inverno como no verão, neste caso causando extremos de chuva e de seca nos dois lados das correntes de jato onde há contato entre a massa de ar quente e frias.
Esta é a questão central das mudanças climáticas. O aumento da emissão de gases de efeito estufa aumenta a retenção de energia no sistema terrestre tanto nos oceano como na atmosfera. O efeito deste novo balanço de energia tem reflexos no sistema climático global, provocando aumento da intensidade, frequência e impacto de eventos climáticos extremos, inclusive de frio. O que estamos assistindo ocorre com o aumento de cerca de 1ºC na temperatura média do planeta verificada no último século. O que esperar se o aumento da temperatura média ultrapassar 2ºC? Melhor não pagar pra ver.

Imagens: justinwkern/Creative Commons; NASA; de:User:W/Wikimedia Commons

Publicado em Planeta Sustentável - 14/01/2014