Dias atrás, discursando para o G20, o presidente Bolsonaro afirmou: "Utilizamos 8% de nossas terras para agricultura e 19% para pecuária; por isso, cerca de 66% de nosso território se encontram preservados com vegetação nativa (...) trabalharemos para manter este elevado nível de preservação. Somos responsáveis por menos de 3% das emissões de carbono mesmo sendo uma das dez maiores economias do mundo". E completou assim: "o que apresento aqui são fatos e não narrativas, são dados concretos e não frases demagógicas que rebaixam o debate publico".
Depois de tantas informações erradas propaladas pelo atual chefe do Executivo, chega a surpreender que os quatro dados apresentados na fala sejam muito próximos do real. Mas as conclusões derivadas deles contidas na fala não condizem com a realidade.
Segundo o MapBiomas, a mais completa base de dados sobre cobertura e uso da terra do país, em 2019 a área de uso agropecuário ocupava cerca de 30% do território. Quando se consideram as pastagens naturais e os plantios comerciais para produção de madeira, chega a 35%, o que está alinhado com a média global de ocupação da superfície terrestre para agropecuária. O Brasil não se distingue muito do mundo neste quesito.
Ainda segundo o MapBiomas, o país tem realmente 66% de vegetação nativa. Porém não se pode dizer que preserva este montante. Quase 10% da vegetação nativa brasileira já foram desmatados pelo menos uma vez, e estima-se que pelo menos outros 20% já foram degradados pelo fogo ou pela exploração ilegal de madeira. Ou seja, a área efetivamente preservada não alcança nem 50%.
Por outro, lado o Brasil é, de longe, o país que mais desmata no mundo. Lá atrás vêm a República Democrática do Congo e a Indonésia. E o desmatamento anda muito rápido. Em 1975 a Amazônia tinha 0,5% de suas florestas desmatada, atualmente se aproxima de 20%. Entre janeiro de 2019 e agosto de 2020 o desmatamento no Brasil alcançou uma área superior à metade do Estado do Rio de Janeiro. Definitivamente, o Brasil não é o país que mais preserva no mundo.
O Brasil é o quinto maior emissor de gases de efeito estufa. Em 2019 fomos responsáveis por cerca de 4% das emissões globais, enquanto nossa participação no PIB global é 2%, ou seja, emitimos mais que a média do mundo para cada dólar de geração de riqueza. Por outro lado, nossa emissão per capita é de 10 tCO2e/habitante/ano, enquanto a média do mundo é 7t. Novamente, estamos piorando a média do mundo.
Mas o Brasil, que tem alta participação de fontes renováveis na matriz energética, poderia se tornar rapidamente o exemplo para o mundo. Zerando o desmatamento, restaurando ecossistemas em áreas críticas, ampliando as áreas protegidas e a economia da floresta em pé junto com uma pujante agricultura regenerativa, seremos certamente o melhor exemplo para o mundo.
Para isso precisamos de menos demagogia e desvio de atenção do discurso e mais ação no dever de casa.
Publicado em O Globo em 25.11.2020