quarta-feira, 25 de março de 2020

COVID19 e o Meio Ambiente


Um dos efeitos inesperados da quarentena imposta em várias regiões do mundo tem sido uma melhora das condições ambientais. Na China e na Europa, houve significativa redução da poluição das regiões industriais onde a quarentena se implantou, a ponto de serem percebidas claramente pelas imagens de satélite. Em Veneza, nos canais sempre opacos e poluídos com óleo dos motores dos barcos já é possível ver a água cristalina e os peixes e aves retornando em poucos dias de fechamento para o transito.

O período crítico da Covid-19  deve derrubar as emissões globais de gases de efeito estufa, especialmente no setor energético, aos níveis mais baixos desde 2008. Por outro lado, o uso de materiais e embalagens descartáveis está aumentando rapidamente, e declinam os sistemas de coleta e reciclagem de resíduos.

Alguns destes efeitos são efêmeros e serão revertidos assim que a economia começar a se recuperar. Outros poderão perdurar por mais tempo, como a redução das viagens aéreas de negócios,  que serão substituídas em grande medida por videoconferências,  que são muito mais econômicas e eficientes.

Mas a relação de uma pandemia de doença infeciosa como a Covid-19 com o meio ambiente é bem mais intrincada e profunda. Nas últimas décadas,  têm aumentando consideravelmente os surtos de doenças infeciosas originadas pela transmissão de animais, especialmente os selvagens. Contribuem para este aumento a rápida concentração da população em áreas urbanas:
-  a criação de animais domesticados em grande escala e de forma confinada;
-  a rápida degradação e redução dos ecossistemas, forçando animais selvagens a se aproximarem das aglomerações humanas;
 -  as mudanças climáticas que provocam a migração de animais para novas regiões, carregando patógenos exógenos.

A poluição do ar e da água afeta diretamente a resiliência das pessoas em relação às doenças infeciosas. Estudos realizados com a Sars, por exemplo,  mostram que pessoas expostas à poluição tinham duas vezes maior probabilidade de morrer do que aquelas vivendo em ambientes com ar limpo.

A degradação dos ambientes e  mudanças climáticas estão intrinsecamente ligadas à fragilidade e a ao nível de resiliência humana em relação aos surtos de doenças infeciosas. Para enfrentar e reverter esses dois fenômenos existem duas ações objetivas a serem feitas: acabar com a queima de combustíveis fósseis, substituindo-a por fontes renováveis de energia,  e acabar com o desmatamento,  combinando com reflorestamento a regeneração dos ecossistemas.

Estas duas ações combinadas atacarão mais de 80% das emissões de gases de efeito estufa do planeta, ao mesmo tempo que aumentam o sequestro de carbono, reduzem  a poluição dos centros urbanos e promovem a restauração dos ambientes naturais. De quebra,  ainda ajudam a recuperar a economia e promover um ambiente mais saudável para todos. 

Publicado em O Globo - 25.03.2020

domingo, 1 de março de 2020

Caiu a ficha?


Parece que a entrada na nova década deu o impulso que faltava para que caísse de vez a ficha dos agentes econômicos globais sobre a necessidade de ação urgente para o enfrentamento das mudanças climáticas globais e a proteção dos recursos naturais.

Em janeiro, Larry Fink, o fundador e principal executivo da BlackRock, a maior gestora de investimento do planeta, com US$ 7,4 trilhões em ativos (mais do que o PIB de toda a América Latina), publicou sua carta anual aos CEOs e investidores, na qual decreta de saída: “As alterações climáticas tornaram-se um fator decisivo nas perspectivas das empresas a longo prazo (...) Muitos enfatizaram o impacto significativo e duradouro que elas terão no crescimento econômico e na prosperidade – um risco que, até agora, os mercados têm sido lentos em refletir. Mas a consciência está mudando muito rapidamente, e acredito que estamos à beira de uma mudança estrutural nas finanças”. Larry aponta que o risco climático irá impactar tanto o nosso mundo tangível como o sistema global que financia o crescimento econômico, e isso fará com que “num futuro próximo – e mais cedo do que muitos preveem – haverá uma realocação significativa de capital”.

Pouco dias depois, a agenda de clima e ambiente foi o assunto principal do Fórum Econômico Mundial que acontece anualmente na pequena Davos, nos Alpes Suíços.  O que parecia ser uma agenda do futuro aterrissou assustadoramente no presente diante da Austrália em chamas, a pior seca em um século na Índia, as ondas de calor que mataram milhares ao redor do mundo e a aceleração dos eventos climáticos extremos em escala regional, que duplicaram em frequência e intensidade nas últimas duas décadas.

Até 2009, temas de sustentabilidade sequer apareciam entre os cinco temas de maior risco para a economia global na pesquisa anualmente feita pelo Fórum Econômico Mundial com CEOs e líderes de todo o mundo. Em 2020, todos os cinco temas de risco eminente estavam relacionados com as mudanças climáticas e meio ambiente, como intensificação de eventos extremos, falha em reduzir emissões, falta de investimento em adaptação e perda de biodiversidade.

Em outro front, gigantes globais da economia digital como Google, Amazon e  Microsoft anunciaram recentemente metas de descarbonizar toda a sua cadeia de valor, ou seja, tornarem carbono neutro ou negativo (captura mais do que emite) nas próximas duas décadas.

Infelizmente, o Brasil, que sempre liderou a agenda climática, tem sido o destaque negativo. Descuidou da agenda de combate ao desmatamento – nossa principal fonte de emissões – e tratou com descaso toda a agenda de sustentabilidade, desfigurando o aparto de controle ambiental e proteção dos recursos naturais do país. É o estranho no ninho,  na contramão de onde caminha o mundo. 

Felizmente, a ficha caiu para boa parte das lideranças do Congresso Nacional, e o governo não terá vida fácil para aprovar novas medidas de descalabro com destruição da maior fonte de riqueza e prosperidade do Brasil, que são seus recursos naturais e culturais.

Nunca é demais torcer para que a ficha algum dia caia para o presidente Bolsonaro e seu círculo de poder.

Publicado em O Globo em 26.02.2020