sábado, 28 de janeiro de 2017

É bem pior



Quando Donald Trump, surpreendentemente, ganhou a eleição americana, os delegados de mais de 190 países reunidos em Marrakesh para a Conferencia das Partes da Convenção das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas pareciam perplexos. Não era para menos. Durante a campanha, enquanto a candidata democrata indicava aprofundamento do compromisso americano com redução das emissões, o republicano questionava a existência das mudanças climáticas e até mesmo propunha a retirada dos Estados Unidos da Convenção ou do Acordo de Paris.

Em poucas horas, porém, os discursos foram se alinhando no entorno da máxima de que em campanha é tudo exagerado, mas na hora de governar seria outra história.

O tom mais ameno de Trump do discurso de vitória ajudou a alimentar esta esperança. Ledo engano.

Já na formação da equipe de transição e da indicação do primeiro escalão do governo Trump deu o tom: um executivo do petróleo foi nomeado para cuidar do Departamento de Estado (equivalente ao Itamaraty no Brasil), e um advogado que tem para si uma meta de acabar com Agencia de Proteção Ambiental (EPA, na sigla em inglês) foi encarregado de dirigi-la.

Alarmados com o que vinha pela frente, cientistas, funcionários públicos e especialistas em processamento de dados organizaram uma série de maratonas de programação para salvar o máximo de informação sobre o Clima existente na EPA e nas diversas agências de governo americanas que estariam ameaçadas pela nova administração.

Um movimento que lembra a proteção da vasta coleção de arte do Museu Hermitage, em São Petersburgo, na Rússia, durante a Segunda Guerra Mundial. Milhares de pessoas, entre funcionários e voluntários, trabalharam incessantemente para salvar mais de um milhão de peças de arte dos bombardeios e dos saques perpetrados pelas tropas de Hitler.

Os temores se confirmaram. Horas depois da posse de Trump, o site da Casa Branca já tinha retirado do ar todas as referencias às mudanças climáticas, e todos os planos de redução de emissões e promoção de energias renováveis estão sendo cancelados, congelados ou minimizados.

O mundo patinou na agenda de clima durante décadas, com a dificuldade de engajamento dos EUA — até bem pouco tempo o maior emissor global de gases de efeito estufa. O Acordo de Paris não teria sido possível sem o nível de compromisso demonstrado pelos EUA nos últimos anos, especialmente na administração Obama.

A esperança é que a aceleração atingida com o Acordo de Paris e pelas iniciativas dos estados e da sociedade americana tenha sido suficientemente grande para resistir ao retrocesso promovido pela nova administração. 

Agora é torcer. Por ora, parece bem pior do que o imaginado.


Publicado em O Globo em 25.01.2017