quarta-feira, 25 de dezembro de 2013

Um outro sentido para festa

O Natal nas ultimas décadas passou de momento de celebração em família do nascimento de um personagem ímpar para ser a data mais importante do comércio, quase a salvação da lavoura em anos mais difíceis.
Nada mais paradoxal do que o Natal ter se tornado quase que o símbolo da pujança da sociedade de consumo. Aquele momento de reunião com a família acabou virando uma estressante corrida por presentes com aquela lista de quase obrigações.
Sempre gostei mais dos momentos pós-troca ansiosa de presentes no Natal, quando todos os primos se embrenhavam numa partida sem fim de War, ouvir as histórias do vovô Leôncio, que eu nem conheci, ou acompanhar atento o tio Paulo, quando já estava para lá de Bagdá, narrar a abertura 1812 de Tchaikovsky como se fosse um filme. Hoje a diversão é app no smartphone...
Os presentes mais legais que já ganhei não poderiam ser comprados. Um livrinho de poemas feito à mão por minha madrinha. Cartões-postais que Tia Valéria enviava dos lugares mais inusitados e traziam consigo histórias mirabolantes da África e da Ásia. Uma fita cassete com músicas selecionadas por uma amiga de correspondência no Canadá. Um desenho de minha filha. Um relógio quebrado que fora de meu bisavô. E o campeão de todos: o bolo prestígio da Dona Dora, que era presente repetido todo ano, mas imbatível!
Entendo presentear como um ato de dedicação ao outro, dai a busca por oferecer uma emoção, uma reencontro com a memória, uma experiência nova ou que amplie o horizonte, o repertório e as possibilidades da pessoa que presenteio.
Para este ano, um LP do Charles Aznavour de 1972, com anotações na contracapa encontrado por caso num sebo, um retrato em pastel de minha filha Clara no colo de minha esposa Ana pintado por um artista de rua na Indonésia, ingressos para o teatro de bonecos e um curso de shiatsu. Proporcionar estas experiências me dá uma sensação muito mais prazerosa e duradoura que receber qualquer presente.
Muitas vezes não consigo este significado e, com família grande, também caio no Natal do consumo que, além de nos estressar e nos distanciar dos motivos pelos quais celebramos esta época do ano, é muito pouco sustentável.
Um lindo vídeo produzido por uma marca de roupas esportivas engajada dos Estados Unidos, lançado dias antes do famoso black friday (que antecipa as compras de Natal) convida as pessoas a comprar e consumir menos e experimentar, concertar, dividir e viver mais. Um ótima reflexão, quem sabe desmaterializando o Natal talvez possamos nos reencontrar com o verdadeiro espirito natalino.

Publicado em O GLOBO - 25/12/2013

quarta-feira, 18 de dezembro de 2013

Revista do Clima - Vol.2

A nova Revista do Clima – Volume 2 mostra como a mudança climática influi no pensamento econômico, no modo de pensar negócios e nos planos pessoais, nacionais e internacionais
Revista do Clima – Volume 2 , foi produzida pelo Planeta Sustentável a partir dos conteúdos no Blog do Clima e contém uma série de artigos, entrevistas e gráficos que falam dos desafios que as mudanças climáticas já estão impondo a todos nós e como ele deve influir em nosso modo de pensar, planejar e agir, em diversas frentes.
A publicação traz 26 autores convidados, entre economistas, cientistas, diplomatas e empresários. Especialistas como Achim Steiner, diretor-executivo do PNUMA, e Suzana Khan, do IPCC e do Painel Brasileiro das Mudanças Climáticas, falam que:
- as cidades serão as mais afetadas e que é preciso torná-las resilientes, ou seja, aptas a responder e se recuperar dos impactos
- que é hora de apertar o passo e transformar a economia, os modos de produção, aumentar o compromisso com o bem-estar das pessoas e respeitar, para valer, os limites da natureza
- e que as negociações para um acordo mundial para reduzir as emissões de gasesde efeito estufa continuam tímidos, mas aqui e ali houve avanços, como o de REDD+.
E tem também os novos dados das emissões brasileiras, que mostram que o País precisa ficar atento para não perder seu papel de protagonista nas negociações internacionais, e, principalmente, para proteger a população mais vulnerável aos efeitos do clima, bem como suas atividades produtivas.
A Revista do Clima – Volume 2 está disponível em PDF. Baixe o seu gratuitamente!
Não viu o volume 1 da revista? Ele também está disponível. Baixe aqui.

segunda-feira, 16 de dezembro de 2013

Balanço do Clima 2013

Foi um ano sem grandes avanços na politica climática brasileira e global, mas com vários fatos relevantes como o início da divulgação dos relatórios do IPCC (Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas) e do Painel Brasileiro de Mudanças Climáticas, a atualização dos dados de emissão de gases de efeito estufa (GEE) no Brasil e a publicação dos planos setoriais.

Em 09/05, atingimos pela primeira vez 400ppm de concentração de CO2 na atmosfera. Nos últimos três milhões de anos não atingimos uma concentração tão alta! Este é o limite para entrarmos numa zona em que os cenários de limitar o aumento da temperatura média global abaixo de 2oC se tornam muito improváveis.

No segundo semestre deste ano, os dados da 1ª parte do 5º Relatório (AR5) do IPCC apresentou números contundentes sobre a relação das emissões antrópicas de GEE e as mudanças climáticas globais e o orçamento de carbono de 1.000 Gton de emissões de carbono para todo o períodos de 1880 a 2100, para que tenhamos 66% de chance de limitar o aquecimento médio em 2oC até 2100. Deste orçamento, o IPCC informou que já gastamos 73% até 2011 e dispomos de cerca de 270 Gt para o período de 2012 a 2100, o que dá cerca de 3 GtC/ano em média, portanto muito abaixo das atuais emissões que rondam a casa de 10 GtC/ano.

No Brasil, no inicio de setembro, foi lançado o Primeiro Relatório de Avaliação Nacional sobre Mudanças do Clima (RAN1)  publicado pelo Painel Brasileiro sobre Mudanças Climáticas (PBMC). O relatório, fruto do trabalho de três anos de mais de uma centena de pesquisadores brasileiros traz retrato inédito das mudanças climáticas previstas para o Brasil em diferentes cenários de concentração de gases da atmosfera. As noticias não são boas: aumento médio de até 6oC em algumas regiões da Amazônia, mais chuvas concentradas nas regiões hoje castigadas por enchentes emais seca no semiárido nordestino.

As estimativas de emissões globais de gases de efeito estufa, publicadas por diferentes fontes como o Programa EDGAR na Europa, a Agência Internacional de Energia e oPNUD indicam que, em 2012,  atingimos novos recordes de emissão, tanto de energia como do total das emissões de carbono e emissões totais de todos os gases de efeito estufa em carbono equivalente (~51 GtCO2e). Por outro lado, dados publicados peloJoin Research Center da Comunidade Europeia apontam que, em 2012, aconteceu  a primeira desaceleração do crescimento das emissões sem efeito de uma grande crise econômica global. A queda das emissões dos EUA(principalmente devido à substituição de carvão por gás de xisto) e no Brasil estão entre os principais fatores que compensaram o aumento de emissões da China, Índia e outras economia emergentes.

Em junho, nos Estados Unidos, o Presidente Obama lançou o seu Plano Presidencial de Ação Climática, bastante substantivo, com destaque para regras de restrição objetiva às termoelétricas a carvão que deverão atender a rígidas restrições de emissões, que quase as tornam inviáveis, e a um agressivo plano de metas para melhora de eficiência energética nos setores comercial e residencial em 20% até 2020. Do outro lado do planeta a China, maior emissor global de GEE, anunciouplano de restrição das emissões de siderúrgicas e termoelétricas a carvão. Um dos mais fortes sinais – ao lado dos pesados investimentos em energia renovável – de que o país está lentamente buscando o caminho de uma economia de mais baixo carbono.

Apesar destes sinais positivos vindo dos dois principais emissores de GEE, houveretrocessos importantes na politica de clima de países como Japão Austráliaque, baseados em argumentos puramente econômicos, deram passos atrás em relação a seus compromissos de redução de emissões, diminuindo em vez de aumentar suas ambições, na contramão do que demanda os recentes acordos de Durban e Doha (COPs de Clima de 2011 e 2012).
No Brasil, a política de clima anda a passos lentos. Com mais de um ano de atraso, em junho foram publicados os  Planos Setoriais para Mitigação e Adaptação as Mudanças Climáticas (indústria, mineração, transportes, saúde). Os planos são pouco ambiciosos e não contemplam todos os requisitos regulamentares como as metas tri-anuais de redução de emissões.

Em outubro, foi lançado, no site da ICAO (sigla em inglês para a Organização Internacional da Aviação Civil), o Plano de Ação da Redução de Emissões de Gases de Efeito Estufa na Aviação – que, do ponto de vista de conteúdo é, de longe, o melhor planos setorial produzido no Brasil. Curiosamente, esse plano não é reconhecido como um plano setorial pelos organismos envolvidos na governança de clima.
Aliás, em outubro também, foi feito o primeiro acordo setorial global para enfrentamento das mudanças climáticas, justamente no setor da aviação civil no congresso mundial da ICAO.
Também no segundo semestre de 2013, a primeira proposta de revisão do Plano Nacional de Mudanças Climáticas – lançado originalmente em 2008 com as metas e ações de mitigação do Brasil até 2020 - foi colocada em consulta pública. A revisão, que visava incorporar avanços dos planos setoriais da Política Nacional de Mudanças Climáticas, aprovada em 2009, foi bastante criticada pela inconsistência, falta de avaliação retrospectiva e de cenários futuros e completa falta de ambição.

Mais um ano se passou sem avanços na definição da Estratégia Nacional de REDDque, nos últimos três anos, já teve seu lançamento adiado inúmeras vezes. Em contraste, REDD foi um dos poucos temas de significativo avanço na 19ª Conferencia das Partes da Convenção de Mudanças Climáticas ou COP19 de Clima realizada em Varsóvia, na Polônia, em novembro. O chamado pacote de REDD com quase uma dezena de decisões nos últimos anos foi completado e pode começar a ser operacionalizado no decorrer dos próximos anos.

No setor agrícola, o Programa ABC começou a deslanchar com aplicação de R$ 2,7 bilhões de do programa de safra 2012-2013, em modelos de produção de baixo carbono. Ainda é pouco em relação ao montante total aplicado no Plano Safra (3%), mas é um avanço importante para o programa iniciado em 2010, com aplicação de apenas R$ 418 milhões. Em 2013, foi implantado o Observatório do Plano ABC, uma plataforma coordenada pelo Centro de Agronegócio da Fundação Getúlio Vargas, que monitora a implantação do programa.

No inicio do ano, foi lançado o Núcleo de Articulação Federativa para o Clima foi lançado o Núcleo de Articulação Federativa para o Clima, coordenado pela Casa Civil, com a participação de outros ministérios e os estados, e que tem por objetivo harmonizar as políticas nacional e estaduais de mudanças climáticas. Tendo como ponto de partida umestudo realizado pelo NESA/USP, em parceria como Fórum Empresas pelo Clima, foram estabelecidos dos grupos de trabalho que estão desenvolvendo propostas para harmonizar os sistemas de inventários e relatos de emissões.

Em junho, o Ministério de Ciência, Tecnologia e Inovação (MCT) publicou a atualização dos dados de emissões de GEE no Brasil até 2010  e, em novembro, oObservatório do Clima lançou o Sistema de Estimativas de Emissões de Gases de Efeito Estufa, que apresenta dados das emissões brasileiras de todos os GEE em todos os setores, para o período de 1990 a 2012, tendo como base a metodologia doinventário brasileiro de emissões. Os dados – disponíveis em formato eletrônico e aberto na internet -, apontam um decréscimo das emissões totais do Brasil de 35% entre 2005 e 2012, mas um expressivo aumento das emissões em todos os setores, exceto mudança de uso da terra (que inclui desmatamento). As emissões diretas de energia e agropecuária já devem se tornar as principais fontes de emissão nos próximos anos, e a energia deve conquistar o primeiro posto ainda antes de 2015.

Em novembro, sob o impacto de vários eventos climáticos extremos em 2013 (ondas arrasadoras de calor e frio na Europa e EUA, incêndios recordes na Austrália e Costa Oeste Americana e Super Tufão nas Filipinas), os países se reuniram em Varsóvia, naCOP19 do Clima, e não conseguiram avançar na sua principal missão: formular umnovo acordo global de clima a ser acordado e aprovado em 2015 na COP de Paris(leia A conferência Moon Walk  e Alívio no chorinho da prorrogação).

Que 2014 seja um ano de muito mais avanços na agenda climática que nos permitam ser mais ambiciosos, tanto no plano nacional como global de forma compatível com o tamanho do desafio que se agiganta a cada dia mais.

Publicado em Planeta Sustentável em 16/12/2013

quinta-feira, 12 de dezembro de 2013

Mandela no Clima

Talvez a maior contribuição de Nelson Mandela para sociedade planetária tenha sido demostrar nossa capacidade de se reconciliar e pactuar a convivência mesmo nas condições mais extremas.
No processo que se deu ao fim do apartheid (1) na África do Sul, uma das mais abomináveis atrocidades do século 20, Mandela e Desmond Tutu conduziram um processo de unificação e reconciliação do povo sul-africano sem precedentes na história humana. Não se tratava de esquecer e passar por cima do passado de sofrimento, mas de um intenso processo de reconhecimento da dor causada, oexercício do perdão, a indenização por danos e, o mais importante, o compromisso de construção conjunta do futuro sem revanchismo, sem querer “dar o troco” ou “fazer pagar na mesma moeda”.
No mundo diplomático, o princípio da reciprocidade segue o conceito inverso, é dente por dente, osso por osso. Barreiras de um lado são respondidas com mais barreiras, burocracia de um lado é respondida com mais burocracia do outro lado e assim por diante. Reconhecer responsabilidades só em casos extremos e somente mediante muitas concessões da outra parte. Os progressos são extremamente lentos e cheios de ressentimentos e armas engatilhadas para voltar à carga a cada rodada de negociações. Raramente conseguimos superar o passado para nos projetar no futuro.
Nas negociações sobre o novo acordo global para o enfrentamento das mudanças climáticas, um dos mais complexos desafios atuais da humanidade, a situação é critica. Países em desenvolvimento advogam o direito de manter crescente a emissão de gases de efeito estufa como fizeram no passado os países desenvolvidos, que seriam, estes sim, os únicos a ter obrigações de reduzir emissões.
Países desenvolvidos argumentam que sua responsabilidade histórica pelas emissões precisa ser relativizada porque décadas atrás não se sabia dos impactos das emissões e, portanto, não devem ter compromissos vinculantes com a destinação de recursos e tecnologia para resolver o problema e só aumentarão suas metas de redução de emissões se os países em desenvolvimento também tiverem metas obrigatórias.
Enquanto o drama das mudanças climáticas entra em nossa casa sem pedir licença e como cupim agressivo vai tomando conta do espaço.
É preciso um novo espirito de compromisso para avançar rumo ao objetivo comum: limitar a concentração de gases de efeito estufa na atmosfera e, assim, mitigar as mudanças do clima, além de nos preparamos para lidar com seus impactos.
legado de Nelson Mandela deveria servir de inspiração para todos os envolvidos no processo de negociação do novo acordo global do clima. Os lideres globais que têm expressado suas homenagens ao líder africano em belos pronunciamentos poderiam demonstrar que entenderam sua mensagem e legado e colocar em marcha umprocesso global de reconciliação que culminasse, em 2015, num novo acordo global do clima muito mais ambicioso, eficaz e sustentável.
Publicado em Planeta Sustentável em 09/12/2013
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(1) regime de segregação racial na Africa do Sul que se tornou politica de estado em 1948 (logo após o final da 2ª Guerra Mundial, portanto quando o mundo já tinha conhecimento do inimaginável genocídio ocorrido nos campos de concentração) e perdurou até o inicio dos anos 90.
(2) O documentário “A comissão da Verdade” (La Commission de la vérité, França 1999) de Andre Van In apresenta um belo registro deste processo de reconciliação muitas vezes doloroso, difícil e emocional, que permitiu à África do Sul seguir um caminho muito diferente de outras nações africanas.

quarta-feira, 4 de dezembro de 2013

Precisamos de Mais Ambição

Um dos temas-chave dos debates das últimas COPs (Conferência das Partes da Convenção sobre Mudanças Climáticas da ONU) e que deve perdurar até a COP21, em Paris, é a necessidade de aumentar o nível de ambição dos compromissos de mitigação das emissões de gases de efeito estufa (GEE) pelos países-membro de forma a fechar a lacuna entre as emissões projetadas para 2020 e os limites de emissões indicados pelo IPCC  para termos uma chance razoável de limitar o aumento da temperatura média do planeta em 2oC.
O Brasil tem sido um firme advogado da pressão sobre os países desenvolvidos para que aumentem significativamente o seu nível de ambição para redução das emissões até 2020. A liderança e a força moral do Brasil estão calcadas na significativa queda de suas emissões de GEE desde 2005, como consequência da queda do desmatamentoe, especialmente, pelos compromissos voluntários assumidos entre 2008 e 2009 para mitigar emissões nos setores de energiaindústriaagropecuária e mudança de uso do solo. O nível de ambição do país vinha colocando pressão sobre os países desenvolvidos e outras economias emergentes.
Mas, uma série de sinais recentes aponta um cenário em mutação. Nossos resultados estão sendo refreados e o nível de ambição está sendo revisado, para baixo.
O desmatamento voltou a crescer em 2012/2013 na Amazônia (PRODES/INPE) e Mata Atlântica (SOS Mata Atlântica/INPE). Dados preliminares do LAPIG – Laboratório de Processamento de Imagens e Geoprocessamento mostram a mesma tendência noCerrado. A criação de unidades de conservação, indicada por vários estudos independentes como um dos mais eficazes meios de evitar o desmatamento, não só foi praticamente paralisada no atual governo como se abriu uma frente de redução das áreas existentes para fins de estudos e implementação de projetos de infraestrutura.
Em novembro, os dados do Sistema de Estimativa de Emissões de Gases de Efeito Estufa (SEEG) publicados pelo Observatório do Clima mostram profunda mudança no perfil das emissões brasileiras. As emissões por desmatamento – que chegaram a representar 2/3 das emissões, com queda nos últimos oito anos – em 2012, representaram menos de 1/3 das emissões. As emissões diretas da agropecuária e do setor de energia já representam quase 60% das emissões.
O crescimento das emissões do setor de energia acelerou e nos últimos anos e deve se tornar a principal fonte nos próximos anos, ultrapassando as emissões da agropecuária e de mudança de uso da terra. Um dos objetivos do plano nacional de mudanças climáticas, lançado em 2008, era aumentar em 11% o consumo de etanol até 2018. Em vez disso, entre 2008 e 2012, o consumo de etanol caiu mais de 20% e o consumo de gasolina disparou, estimulado por uma politica de subsidio implícito no controle de preços. A proporção de fontes renováveis em nossa matriz energética caiu de 45% para 42,3% entre 2009 e 2012, quando a meta apresentada em 2010, no Conselho de Politica Energética, era aumentar esta participação para 48% até 2020.
A geração de energia elétrica, que historicamente representou uma fração de cerca de 1% das emissões, chegou a quase 4% de participação em 2012, devido à necessidade de ligar termoelétricas de contingência por longos períodos. E, em 2013, órgãos reguladores do setor elétrico fizeram uma séria de movimentos para viabilizar termoelétrica de carvão mineral como parte da base do sistema elétrico.
Estes sinais dão pistas do que pode ter provocado um nível de ambição tão baixo na proposta de atualização do Plano Nacional de Mudanças Climáticas, colocado em consulta publica nos meses de outubro e novembro pelo governo federal. Como já comentado, neste blog, a proposta de atualização produziu documento com muitas palavras, mas pouca reflexão sobre a evolução no cenário brasileiro de emissões. Asmetas de mitigação de emissões foram revisadas para baixo, retrocedendo em relação ao documento original publicado em 2008.
No momento em que cobramos, com razão, um aumento de ambição dos países desenvolvidos em relação a seus compromissos de redução de emissões, até 2020 e para o período posterior, não podemos retroceder em nossos compromissos. Pelo contrário, temos que ser muito mais ambiciosos, dentro de nossas possibilidades, para liderar pelo exemplo.
Precisamos reverter este quadro em 2014, recuperando e reforçando as politicas públicas orientadas para mitigação das emissões, buscando não só cumprir as metas estabelecidas em 2008, como reforçá-las e aprofundá-las. Este processo pode começar com uma profunda revisão da proposta de atualização do Plano Nacional de Mudanças Climáticas de forma que ele represente um claro aumento da ambição brasileira para contribuir para mitigação das emissões globais de gases de efeito estufa.
Devido aos graves impactos que as mudanças climáticas podem trazer para o Brasil, conforme indicado pelo recente relatório do Painel Brasileiro sobre Mudanças Climáticas (RAN1), este aumento do nível de ambição é do mais legítimo interesse nacional.

quarta-feira, 27 de novembro de 2013

A COP19 em Varsóvia: A conferência Moon-Walk

A 19ª Conferencia das Partes da Convenção das Nações Unidades sobre Mudanças Climáticas (COP19 do Clima), realizada em Varsóvia, poderia ser lembrada como a COP Moon Walk, aquele passo celebrizado por Michael Jackson, com o qual parecia andar para frente, mas, na verdade, não saia do lugar ou até o levava para trás.

Das 27 decisões aprovadas na COP podemos extrair três temas de destaque, com alguma novidade:
1. Avanço na plataforma de Durban (caminho para novo acordo climático);
2. Mecanismo Internacional de Varsóvia para Perdas e Danos associado aos impactos das mudanças climáticas e
3. Plataforma de Varsóvia para REDD+ (conjunto de sete decisões).

REDD+, UM CAPÍTULO À PARTE

Depois de oito anos de debates, o pacote de decisões que apoia o REDD+ ou Redução das Emissões por Desmatamento e Degradação Florestal, incluindo manejo e conservação, chega finalmente ao ponto de poder ser operacionalizado. Apesar de ser apresentado como grande novidade, o fechamento deste pacote de decisões sobre REDD chega com atraso de, pelo menos, quatro anos. O conjunto de decisões mais de 10 decisões das ultimas COPs permite maior clareza do conceito, escala e escopo de REDD+. Também esclarece como se mede a redução de emissões (incluindo a definição de valores de referência) e reconhece os mecanismos de pagamento por resultados e as salvaguardas necessárias para aplicação de distribuição dos recursos financeiros pago por estes resultados de forma a resguardas a integridade ambiental e social das iniciativas de REDD.

Anúncios de novos recursos financeiros (US$ 280 milhões) foram feitos na conferência, mas nada que altere substancialmente os compromissos assumidos nos últimos cinco anos em relação ao REDD, e ainda longe de serem suficientes para a sustentação de médio prazo das iniciativas nacionais.

Muitas questões ainda devem ser definidas ao longo dos próximos anos como a forma, as modalidades e os valores para pagamento por resultados, além da garantia do fluxo de recursos para incentivar o REDD em escala global.

MITIGAR E ADAPTAR

Em COPs anteriores, ficou claro que deveria ser criado um mecanismo para lidar com perdas e danos (loss and damage) associados aos impactos das mudanças climáticas, tanto por eventos extremos ou como processos progressivos de longo prazo já em curso como o aumento no nível do mar. Este seria o terceiro pilar do debate climático que, desde 1992, tinha por base o binômio mitigação-adaptação.

Mitigar é lutar para limitar as mudanças climáticas e adaptar é preparar-se para reduzir os impactos futuros das mudanças do clima. A criação do mecanismo de perdas e danos representa o reconhecimento dos impactos que já estão acontecendo e para os quais a estratégia de adaptação não dá conta.

Cada um dos pilares estabelecidos teria mecanismos e meios de implementação próprios para lhes conferir a agilidade e a presteza necessárias. Mas a decisão em Varsóvia estabeleceu, de forma genérica, um mecanismo internacional como parte da Plataforma de Cancun para Adaptação (CAF – Cancun Adaptation Framework). O texto é amorfo ao tratar de responsabilidades e mecanismos concretos em caso de eventos climáticos extremos, com perdas e danos para países mais vulneráveis.

Países desenvolvidos – responsáveis pela maior parte das emissões históricas que se revertem em impactos neste momento – bloquearam qualquer menção às suas reponsabilidades de forma a impedir que possam ser instadas a pagar toda a conta das perdas e dos danos causados. Até mesmo a proposta brasileira de se desenvolver uma metodologia para avaliar a contribuição histórica para as mudanças climáticas atuais(considerando os efeitos acumulativos dos gases de efeito estufa) foi sumariamente rechaçada.

FORMA DO NOVO ACORDO

Mas, de longe, a mais fundamental e aguardada decisão em Varsóvia se refere à definição do guia de conteúdos para compor o novo acordo climático de 2015, para valer a partir de 2020. Nas palavras de várias lideranças, seria uma espécie de índice de conteúdos do que constaria no novo acordo e que deveria ser desenvolvido nos debates de 2014 para pudessem formar o conteúdo básico de formulações que integrariam uma primeira proposta de texto para o acordo de 2015 a ser publicado no final de 2014 ou primeiras semanas de 2015. Esse tempo é necessário para que se tenha tempo suficiente para digerir e negociar o texto final até a COP21, que será realizada em dezembro de 2015, em Paris.

A proposta de decisão para COP produzida pelo ADP (AdHoc Working Group on Durban Plataform on Enhanced Action) grupo  de trabalho em que este debate é tratado, trazia em sua primeira versão, um índice temático na forma de um anexo simples e claro. Ao longo dos  dias  o conteúdo foi sendo diluiído (à certa altura era algo do tipo “lista não exaustiva de temas para aprofundamento”) até ser eliminado nas últimas horas de negociação.

O que restou foi um documento fraco que, na parte mais essencial, definiu que os países apresentarão suas contribuições (leia-se, compromissos/metas) para o período pós 2020 até o primeiro trimestre de 2015. Ou seja, o que era para acontecer em 2014 ficou para o ano seguinte e sem qualquer parâmetro (ex. ano base; métrica) que possa servir de base para que seja feita uma análise concreta e direta sobre a compatibilidade destas contribuições com os limites de emissão sugeridos pelo 5o relatório do IPCC.

MUDAR A DANÇA

Saímos de Varsóvia sem a lição de casa feita. Toda a pressão foi transferida para 2014, ou seja, para a COP20, que será realizada em Lima, no Peru, na primeira quinzena de dezembro. Para correr atrás do prejuízo foram aprovadas sessões extras de trabalho que serão realizadas, antes, em março, maio e novembro.

Além do pouco avanço nos temas essenciais, ao longo das duas semanas de conferência, tivemos várias notícias desestimulantes como a redução das metas de mitigação do Japão e a reversão de parte da política de clima na Austrália. Ainda que circunstanciais, são sinais ruins já que o nível de ambição precisa aumentar e não diminuir, caso contrário o excesso de emissões até 2020 impedirá o início de uma trajetória global de queda, como insistentemente recomendado pelo IPCC.
Em 2014, o desafio é mudar a dança, nem que seja para um Moon Walk invertido – ou EarthWalk -, na qual os movimentos são de passos para trás, mas a resultante é uma caminhada para frente.

Publicado em Planeta Sustentável em 27/11/2013

quarta-feira, 20 de novembro de 2013

Quando o Menor é o Maior

A área desmatada na Amazônia no último período anual (entre agosto de 2012 e julho de 2013 ) aumentou em 28% em relação ao período anterior. Apesar do aumento, os 5.843 quilômetros quadrados medidos pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) representam a segunda menor área anual desmatada desde 1988, quando teve inicio a série histórica de medições, e uma redução de quase 80% em relação ao pico extremo de desmatamento em 2004.
O problema é a reversão de tendência num momento de fragilidade proporcionado pelas alterações no Código Florestal. Desde 2004, a taxa de desmatamento na Amazônia tem caído consistentemente, com exceção de 2008, quando houve um aumento de 11%, que provocou uma forte reação do governo, com politicas de responsabilização da cadeia produtiva e alinhamento de instrumentos de crédito que levaram a novas quedas a partir de 2009.
Por outro lado, os dados preliminares do Laboratório de Geoprocessamento da Universidade Federal de Goiás (Lapig) apontam um crescimento do desmatamento no Cerrado nos últimos dois anos, e não será surpresa se os dados a serem publicados nos próximos meses apontarem uma taxa próxima a 8.000 quilômetros quadrados. Ou seja, o desmatamento no Cerrado já é muito maior do que o da Amazônia. Ainda falta colocar na conta a Mata Atlântica (220 quilômetros quadrados em 2012), Caatinga (sem dados atualizados, último dados de 2009 em 1.970 quilômetros quadrados), Pantanal e Pampa (ambos sem dados atuais). Seguramente, estamos falando de uma taxa de desmatamento atual no Brasil acima de 15 mil quilômetros quadrados ou 1,5 milhão de hectares. Ainda assim, uma redução importante em relação aos 4,6 milhões de hectares desmatados em todos os biomas brasileiros em 2004.
Mas isso é muito ou é pouco? É muito. É de longe ainda a maior área de desmatamento do planeta, mais do que o dobro do segundo colocado, a Indonésia. As emissões de carbono do desmatamento foram estimadas em 476 milhões de toneladas de CO2 pelo Sistema de Estimativas de Emissões de GEE do Observatório do Clima. Se fossem as emissões de um país seria o 20º maior emissor de CO2 do planeta.
É ótimo que tenhamos reduzido de forma dramática o desmatamento no Brasil nos últimos anos, e isso deve ser comemorado, mas estamos ainda longe de cumprir a meta estabelecida no Plano Nacional de Mudanças Climáticas (PNMC), de zerar a perda de cobertura florestal dos biomas brasileiros em 2015. Não devemos desistir desta meta, como os sinais dados pelo processo de revisão do PNMC dão a entender, e sim redobrar os esforços para cumpri-la, mesmo após o revés dos últimos dados. Revertemos o jogo em 2004 e 2008 e temos que reverter novamente agora e de forma ainda mais incisiva.
Publicado em O Globo em 20/11/2013

segunda-feira, 18 de novembro de 2013

Ambição, Grana e Perdas & Danos

Entramos na segunda e decisiva semana da Conferência das Partes da Convenção Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP 19) com poucos avanços, alguns retrocessos e muita expectativa para tentar virar o jogo no segundo tempo.
Apesar dos mais de cinquenta diferentes temas, grupos e subgrupos de trabalho e discussão, esta COP19 está centrada em quatro questões fundamentais: (i)  Definir um plano de trabalho e os elementos centrais para o novo acordo global de clima pós 2020 a ser aprovado na COP21 em Paris, em 2015; (ii) Elevar o nível de ambição das propostas (ou metas) de mitigação de emissões dos países membros, em especial dos países desenvolvidos; (iii) Definir com clareza as fontes e o modo de operação para o financiamento de mitigação e adaptação às mudanças climáticas nos países em desenvolvimento; e (iv) Estabelecer mecanismos para lidar com as perdas & danos já em curso, como consequência das mudanças climáticas nos países mais vulneráveis.

Pouco se avançou na primeira semana de negociações. E este pouco está ligado a temas específicos como regras para definição e reconhecimento de cenários de tendência para fins de estimativa de redução de emissões por desmatamento e degradação florestal (REDD) ou o rascunho dos primeiros contornos do que poderiam ser novos mecanismos de mercado alternativos e/ou complementares aos atuais como MDL – Mecanismo de Desenvolvimento Limpo.

São elementos que devem ser incorporados no novo acordo global, mas que não tocam na essência que é a definição de limites de emissão global de gases de efeito estufa (GEE) e metas e compromissos para todos os países membros (ainda que respeitando o principio das responsabilidades comuns, porém diferenciadas).
Por outro lado, o nível de ambição durante as negociações teve retrocessos durante a semana.
Além de nenhum país sinalizar avanços em relação aos compromissos estabelecidos a partir do Acordo de Copenhague, o Japão e a Austrália anunciaram decisões que se refletem em redução significativa do esforço de mitigação.
No caso do Japão é chocante. O País que sediou a COP de 1997, em  que determinou o Protocolo de Kyoto, anunciou alteração em sua meta de redução das emissões em 20%, em relação aos níveis de 1990 em 2020, o que significa redução de 5% em relação aos níveis de 2005 e representa acréscimo de 3% em relação a 1990 ou aumento de cerca de 260 milhões de toneladas de CO2/ano. A notícia foi tão chocante que o Japão recebeu por duas vezes, num mesmo dia, o Prêmio Fóssil-do-Dia dado aos países que mais atravancam ou dificultam avanços na agenda do clima.
O tema do financiamento segura o avanço das negociações e o nível de ambição dos países. Apesar da criação e da definição da governança do Green Climate Fund na COP18, em Doha, não se tem qualquer definição de como garantir que os US$ 100 bilhões anuais, a partir de 2020, realmente existam e sejam adicionais (não apenas fruto de realocação de recursos já existentes ou contabilidade criativa),  e que países contribuem e com quanto. O hiato criado entre o período de 2010-2012 (fast-start-funding – US$ 30 bilhões para o período) e o compromisso de 2020 também é motivo de intenso debate. Qual o recurso disponível no período entre 2013 e 2020, de que fontes e em que condições.
A falta destas definições e, em especial, de compromissos legalmente vinculantes de contribuição pelos países desenvolvidos faz com que os países em desenvolvimento (organizados no chamado grupo G77+China) segurem o progresso da negociação de metas e compromissos pós 2020.
Por fim, um dos temas de maior repercussão neste ano é o tratamento das perdas & danos causados por eventos climáticos extremos que, segundo relatório especial do IPCC divulgado em 2012, estão – em razão das mudanças climáticas – aumentando em intensidade, frequência e abrangência. O tufão que se abateu sobre as Filipinas dias antes do inicio da COP ecoa todos os dias na negociação. Para as nações mais vulneráveis, que já estão sofrendo os efeitos das mudanças do clima, sem a possibilidade temporal de fazer as necessárias adaptações, é urgente um mecanismo de mitigação e compensação pelas perdas e danos.
Alternativas em debate incluem sistemas de seguros e fundos especiais para desastres, entre outros recursos, mas a questão central é quem deve pagar a conta. Neste tema, a responsabilidade histórica por emissões é crucial. É neste ponto que a proposta brasileira (adotada pelo G77+China) de avaliar a contribuição histórica de cada país para as emissões antrópicas de gases de efeito estufa tem um significado especial. Quem mais contribuiu com as emissões passadas é, em tese, mais responsável pelos impactos atuais e deveria arcar com parcela maior da conta. Mas não houve acordo de sequer discutir a proposta feita pelo Brasil na negociação, uma vez que impacta também a definição do espaço futuro de emissões.
Nesta segunda semana de debates, em que o conteúdo político das conversas tende a se amplificar e tomadores de decisão vão progressivamente se apropriando dos debates, espera-se que as negociações avancem nestas três frentes:
- plano de trabalho para novo acordo em 2015,
- garantias para financiamento e
- mecanismo para lidar com perdas e danos.
É essa a agenda que perseguiremos nos próximos dias.

domingo, 17 de novembro de 2013

Sistema de Estimativa de Emissões de Gases de Efeito Estufa (SEEG)

Em 2012, eu fiz uma estimativa das emissões de gases de efeito estufa do Brasil até 2011. Este exercício serviu de base para o desenvolvimento do Sistema de Estimativa de Emissões de Gases de Efeito Estuda (SEEG) lançado oficialmente no dia 07 de Novembro em evento realizado em São Paulo.

O SEEG é uma inciativa do Observatório do Clima que compreende a realização de estimativas anuais das emissões de gases de efeito estufa (GEE) no Brasil, documentos analíticos sobre a evolução das emissões e um portal na internet para disponibilização de forma simples e clara sobre métodos e dados gerados no sistema.  

As Estimativas de Emissões de Gases do Efeito Estufa são realizadas segundo as diretrizes do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), com base nos dados do Segundo Inventário Brasileiro de Emissões e Remoções Antrópicas de Gases do Efeito Estufa, elaborado pelo Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI) e em dados obtidos junto a relatórios governamentais, institutos, centros de pesquisa, entidades setoriais e organizações não governamentais.


Cinco setores foram avaliados – Agropecuária, Energia, Mudanças de Uso da Terra, Processos Industriais e Resíduos – com dados anuais para o período 1990-2012. A partir desta publicação, o SEEG será atualizado anualmente.

A plataforma disponível na internet é super simples de utilizar e permite pesquisar os dados com vários níveis de detalhes além de permitir a visualização em gráficos e exportação dos dados em arquivo MS-Excell. 

Todos os dados tiveram a qualidade avaliada (tabela de qualidade dos dados) e notas metodológicas foram preparadas para cada setor e estarão disponíveis também no site.

Para acessar o SEEG:    seeg.observatoriodoclima.eco.br




terça-feira, 12 de novembro de 2013

Uma lacuna de 8 gigatoneladas

Em 2009, durante a Conferência do Clima (COP15), em Copenhague, apesar do fracasso na negociação de uma ampla renovação do acordo global sobre mudanças do clima, dezenas de países apresentaram seus compromissos específicos paramitigação das emissões de gases de efeito estufa, em sua maioria para o horizonte de 2020.
O Brasil, por exemplo, se comprometeu em reduzir de 36,1 a 38,9% as emissões em relação ao cenário tendencial em 2020 e os Estados Unidos se comprometeu a reduzir 17% as emissões em relação a 2005. Ao todo, mais de 40 países apresentaram metas de redução de emissões de gases de efeito estufa, incluindo todas as principais economias e os principais emissores (China, União Europeia, Rússia, Canadá, Indonésia etc).
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Na imagem acima, países com compromissos de mitigação até 2020 (Executive Sumary Emissions Gap Report 2013) 
Para avaliar se os compromissos dos países feitos no acordo de Copenhague ou depois dele são suficientes para limitar o aumento da temperatura média do planeta em 2ºC o Programa de Meio Ambiente das Nações Unidas (PNUMA) publica, desde 2010, relatório anual sobre a lacuna de emissões, o Emissions Gap Report.
O relatório tenta responder anualmente estas quatro perguntas-chave:
1. Qual o nível de emissões desejáveis em 2020 para nos colocar na trajetória dos 2ºC ou menos?
2. Qual a tendência de emissões em 2020 considerando as condições atuais (cenário de tendência, ou, business as usual – BAU)?
3. Quando serão as emissões em 2020 se os países cumprirem os compromissos apresentados a partir do Acordo de Copenhague?
4. É possível fechar a lacuna entre o nível desejável de emissões e o que está previsto nos compromissos atuais dos países?
O primeiro relatório foi publicado em 2010. Definiu o limite desejável de emissões em 2020 em 44 GtCO2e e indicou que as emissões entre 49 em 2020 considerando que todos os países cumprissem com seus compromissos (considerando a interpretação mais rígida dos compromissos).  A lacuna entre o necessário e o que permitem os compromissos era de 5 GtCO2e.
O relatório de 2013 é mais preocupante: a lacuna aumentou. Ele indica que, em 2010, as emissões chegaram a 50,1 GtCO2e e, no cenário de tendência (seguindo ritmo de crescimento até 2010), chegariam a 59 GtCO2e em 2020. Quando considerados todos os compromissos dos países em mitigar emissões este valor cairia para 52 GtCO2e no melhor cenário, portanto, teríamos uma lacuna de 8 GtCO2e em relação ao cenário desejável de 44 GtCO2e.
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Mas o relatório também indica que ainda seria possível fechar esta lacuna, ampliando os esforços de redução de emissões – com tecnologias já conhecidas – nos setores agrícola, mudança de uso da terra, energia, transportes, processos industriais e manejo de resíduos.
Como trabalha com dados de 2010 e 2011 o relatório ainda não captou os recentes dados sobre a evolução das emissões globais em 2012 e as boas notícias vindas de países como EUA, China e Brasil. Globalmente, em 2012, o crescimento das emissões pela primeira vez desacelerou sem a presença de uma grave crise econômica.
As emissões cresceram pouco mais de 1% enquanto a economia mundial cresceu pouco mais de 3%. Nos EUA, principalmente devido ao crescimento da substituição de carvão mineral por gás, em 2012, as emissões caíram mais de 5% e seguem numa trajetória que deve superar a meta de redução de 17% em 2020. A China anunciou metas de restrição do uso do carvão mineral e ampliou significativamente os investimentos em energias renováveis. Na última semana, no Brasil, o Observatório do Clima divulgou estudo mostrando que, no ano passado, as emissões brasileiras registradas foram as menores em 20 anos. Esforços também estão se ampliando no México, na Africa do Sul, Índia, Japão, Austrália, Nova Zelândia, Comunidade Europeia e Canadá, só para citar alguns.
Com estes movimentos começa a ser possível vislumbrar a ocorrência do pico de emissões globais até 2020. Ou seja, é possível que vejamos o inicio da reversão do crescimento das emissões para uma trajetória de redução nos próximos anos. Isso é fundamental, pois, se houver reversão de tendência, é mais provável que as forças politicas e de mercado passem a operar com mais força para potencializar a redução das emissões.
A percepção destas possibilidades é fundamental para informar e influenciar a atmosfera politica no entorno do processo de negociação do novo acordo global de mudanças climáticas que se inicia na COP19 do Clima, que começou hoje (11/11) em Varsóvia, e tem seu ápice previsto para a COP21 em Paris, em 2015. Este processo precisa culminar com compromissos muito mais ambiciosos do que aqueles apresentados. Só assim conseguiremos vencer esta lacuna de 8 gigatoneladas que nos desafia de forma tão eloquente neste momento.

Publicado em Planeta Sustentável - 12-nov-2013