sexta-feira, 27 de setembro de 2013

O que diz o IPCC: as mudanças climáticas são reais e nós somos os principais responsáveis

Hoje o IPCC começou a publicar o seu 5º Relatório de Avaliação sobre as Mudanças Climáticas Globais. O primeira das quatro partes do relatório foi lançado hoje em Estocolmo e trata da ciência do clima, ou seja, o que esta acontecendo com o clima global, quais as causas das mudanças e quais os cenários futuros para estas mudanças.

Um resumo super sintético do relatório é: O aquecimento global sem precedentes é um fato e as emissões de gases de efeito estufa são a principal causa. Os mudanças climáticas provocadas por este aquecimento afetam nível do mar, temperatura e acides dos oceanos, extensão e espessura do gelo nos polos e disponibilidade de água no planeta. Para estancar este processo é preciso reduzir drasticamente as emissões de gases de efeito estufa sob pena de chegarmos ao final deste século com aumento médio de temperatura do planeta em até 5,8oC (40% do que no inicio do século passado).

Com o grande avanço dos modelos climáticos foi possível gerar mapas e análises especificas para as grandes regiões do planeta e as notícias para o Brasil não são alentadoras como já havia sido adiantado pelo Relatório Avaliação Nacional sobre Mudanças Climáticas publicado recentemente pelo Painel Brasileiro de Mudanças Climáticas. No Brasil o aumento de temperatura em 2100 poderia chegar a 7oC no cenário mais crítico e a redução da precipitação pode chegar a 30%  entre as regiões norte e nordeste.

Os impactos destes cenários serão objeto da segunda parte do relatório a ser lançado em março de 2014 e as ações necessárias para mitigar as emissões e evitar os piores cenários serão objetivo da terceira parte do relatório a ser publicada em abril de 2014.

As conclusões deste que é a mais extensa, completa e profunda revisão do estado da ciência do clima já produzido deve ser peça fundamental para informar e dar subsídios para que os tomadores de decisão no setor publico e privado estabeleçam ações para mitigar as emissões e adaptar as nossas atividades, negócios, infraestrutura e todos aspectos de nossa vidas para as mudanças climáticas já contratadas para as próximas décadas.

Abaixo estão as 19 principais mensagens do relatório do IPCC publicado hoje.

Sobre as mudanças observadas no sistema climático:

1.    O aquecimento do sistema climático é inequívoco , e desde os anos 1950, muitas das mudanças observadas são sem precedentes ao longo de décadas a milênios. A atmosfera e o oceano se aquece , as quantidades de neve e gelo tem diminuído, o nível do mar subiu, e as concentrações de gases de efeito estufa aumentaram.

2.    Cada uma das três últimas décadas tem sido sucessivamente mais quente na superfície da Terra do que qualquer década anterior desde 1850 . No Hemisfério Norte , 1983-2012 foi o período de 30 anos mais quente dos últimos 1400 anos.

3.    O aquecimento dos oceanos domina o aumento da energia armazenada no sistema climático, o que representa mais de 90% da energia acumulada entre 1971 e 2010 e por isso o oceano superior (0-700 m) aqueceu.

4.    Ao longo das duas últimas décadas, as camadas de gelo da Groenlândia e da Antártida têm perdido massa, geleiras continuaram a encolher em quase todo o mundo, e o gelo do mar Ártico e a cobertura de gelo na primavera do hemisfério norte continuaram a diminuir em extensão.

5.    A taxa de aumento do nível do mar desde meados do século 19 tem sido maior do que a taxa média durante os dois milênios anteriores. Durante o período de 1901-2010 , o nível mundial do mar médio subiu 0,19 metros.

6.    As concentrações atmosféricas de dióxido de carbono (CO2) , metano (CH4) e óxido nitroso (N2O) aumentaram para níveis sem precedentes, pelo menos nos últimos 800 mil anos . Concentrações de CO2 aumentaram em 40% desde os tempos pré-industriais, principalmente a partir de emissões de combustíveis fósseis e, secundariamente, de emissões de mudança líquidas de uso da terra. O oceano absorveu cerca de 30% do dióxido de carbono antropogénico emitido, causando a acidificação do oceano .

Sobre as causas das mudanças observadas e o entendimento do sistema climático

7.    O forçamento radioativo é positivo, e levou a uma absorção de energia pelo sistema climático. A maior contribuição para radiativa total de forçando é causada pelo aumento da concentração atmosférica de CO2 desde 1750.

8.    Influência humana sobre o sistema climático é clara. Isto é evidente a partir das crescentes concentrações de gases de efeito estufa na atmosfera, forçante radiativa positiva, o aquecimento observado e a compreensão do sistema climático.

9.    Os modelos climáticos melhoraram desde que o IV relatório (AR4 – 2007). Os Modelos reproduzem em escala continental os padrões de temperatura de superfície e as tendências observadas ao longo de muitas décadas, incluindo o aquecimento mais rápido desde meados do século 20 e o esfriamento imediatamente após grandes erupções vulcânicas.

10.  Estudos observacionais e modelo de mudança de temperatura, reações climáticas e as mudanças no balanço energético da Terra, juntos, oferecem confiança na magnitude do aquecimento global em resposta ao forçamento do passado e do futuro.

11.  Influência humana foi detectado no aquecimento da atmosfera e do oceano, em mudanças no ciclo hidrológico global, em reduções em neve e gelo, na média global o aumento do nível do mar, e em mudanças em alguns eventos climáticos extremos. Esta evidência de influência humana tem crescido desde AR4 (relatório anterior do IPCC) .

Sobre os cenários futuros das mudanças climáticas

12.  Manutenção das emissões de gases de efeito estufa provocará um maior aquecimento e as mudanças em todos os componentes do sistema climático. Para restringir ou limitar as alterações climáticas serão necessárias reduções substanciais e sustentadas de emissões de gases de efeito estufa.

13.  Mudança de temperatura da superfície global para o final do século 21 é provavelmente superior a 1,5 ° C em relação a 1850-1900 para todos os cenários RCP (cenários representativos de caminhos/tendencias) , exceto RCP2.6 . O aquecimento vai continuar para além 2100 em todos os cenários RCP , exceto RCP2.6 . O aquecimento continuará a apresentar variabilidade interanual ou interdecadas e não será uniforme regionalmente.

14.  Mudanças no ciclo global da água em resposta ao aquecimento ao longo do século 21 não será uniforme . O contraste da precipitação entre as regiões úmidas e secas e entre as estações chuvosa e seca vai aumentar, embora possa haver exceções regionais.

15.  O oceano global vai continuar a aquecer durante o século 21 . O calor vai penetrar desde a superfície até o fundo do oceano e afetar a circulação oceânica .

16.  É muito provável que a cobertura de gelo do mar Ártico continuará a encolher e afinar e que no hemisfério norte a cobertura de neve naprimavera vai diminuir durante o século 21 conforme aumenta a temperatura média da superfície global . Volume global geleira vai diminuir ainda mais  

17.  Nível médio do mar global vai continuar a subir durante o século 21. Em todos os cenários RCP a taxa de aumento do nível do mar, muito provavelmente, será superior à observada durante 1971-2010, devido ao aumento aquecimento dos oceanos eo aumento da perda de massa das geleiras e camadas de gelo .

18.  A mudança climática afetará os processos do ciclo de carbono de uma maneira que irá agravar o aumento de CO2 na atmosfera. Além disso absorção de carbono pelo oceano aumenta a acidificação do oceano .

19.  Emissões cumulativas de CO2 em grande parte determinam o aquecimento superficial média global até o final do século 21 e além. A maioria dos aspectos das alterações climáticas vai persistir por muitos séculos, mesmo se as emissões de CO2 cessem completamente. Isso representa um comprometimento multi-cecular substancial das mudança climática criado pelas emissões passadas, presentes e futuras de CO2.



sexta-feira, 20 de setembro de 2013

Governança sobre Mudanças Climáticas no Brasil

É comum me perguntarem quem fala, pergunta ou interage no governo sobre temas relacionados a mudanças climáticas. São tantas siglas, instituições e instrumentos de regulação que, muitas vezes – até para os iniciados -, é difícil se localizar.
Aqui, vou tentar indicar um pouco o caminho das pedras para facilitar a compreenssão de quem é quem e faz o que na governança de clima em  nível federal no Brasil.
POLÍTICA DO CLIMA E REGULAMENTAÇÕES
Politica Nacional de Mudanças Climáticas é definida na Lei 12.187 de 29 de dezembro de 2009 que determina, entre outros aspectos (i), a meta brasileira de redução 36,1 a 38,9% nas emissões de gases de efeito estufa (GEE)  até 2020, comparando com o cenário tendencial, e (ii) a necessidade de se criar planos setoriais de mitigação e adaptação as mudanças do clima.
A lei foi regulamentada pelo Decreto 7.390 de 9 de setembro de 2010 que estabelece (i) valor de emissões no cenário tendencial (ou valor de referência) para 2020, o que permite tranformar a meta em um valor máximo de emissão de 2 GtCO2e em 2020; (ii) o conteúdo mínimo dos planos setoriais – inclusive com metas especificas e (iii) a publicação de estimativas anuais de emissões de gases de efeito estufa pelo Ministério de Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI). O Decreto também incorpora, na regulamentação nacional, os compromissos de ações de mitigação de emissõesapresentados à UNFCC quando da adesão ao Acordo de Copenhague.
Diversos estados possuem politicas e programas estaduais de mudanças climáticas, inclusive alguns com metas específicas. Um levantamento  realizado pelo NESA/USP em parceria com o Fórum de Ação Empresarial sobre Mudanças Climáticas identificou mais 17 estados com instrumentos específicos estaduais de regulação associada à política de mudanças climáticas.
INSTRUMENTOS DA POLÍTICA NACIONAL DE MUDANÇAS CLIMÁTICAS
Para implementação da Politica Nacional de Mudanças Climáticas, há uma série de instrumentos para implementação que incluem:
  • Plano Nacional de Mudanças Climáticas: estabelecido em 2008, está atualmente em processo de revisão e visa Identificar, planejar e coordenar as ações para mitigar as emissões de gases de efeito estufa geradas no Brasil;
  • Plano Nacional de Adaptação as Mudanças Climáticas: ainda em processo inicial de elaboração, visa preparar o Brasil para o enfrentamento das mudanças climáticas que afetam as áreas de infraestrutura, saúde, segurança das pessoas e conservação do solo, água e biodiversidade;
  • Plano Nacional de Gestão de Riscoa e Resposta a Desastres Naturais: organiza as ações de identificação e alerta para desastres naturais bem como ações de prevenção e mitigação de riscos à vida humana associados a estes desastres;
  • Inventário Nacional de Emissões e Remoções de Gases de Efeito Estufa:documento publicado em intervalos de 4/5 anos que contém um detalhado inventários de todas as fontes de emissão e remoção de gases de efeito estufa no Brasil. A partir de 2013, passaram a ser elaboradas também estimativas anuais de emissão;
  • Planos Setoriais de Mitigação e Adaptação as Mudanças Climáticasabrangem diferentes setores da economia definindo ações, indicadores e metas para mitigação das emissões e adaptação para as mudanças climáticas. Os planos abrangem os seguintes setores: prevenção e controle do desmatamento; agricultura, energia, indústria de transformação, mineração, siderurgia, transportes e saúde. Pesca e gestão de resíduos também devem ter planos elaborados, mas ainda sem prazo;
  • Relatório Nacional de Avaliação sobre Mudanças Climáticas (RAN): publicado em sua primeira versão em 2013, apresenta os avanços do conhecimento sobre as mudanças climáticas no Brasil. Também analisa e identifica as necessidades de mitigação e adaptação às mudanças do clima. O RAN é elaborado pelo Painel Brasileiro de Mudanças Climáticas.
Também existem dois mecanismos específicos de financiamento:
  • Fundo Clima: que recebe recursos do tesouro para aplicação em projetos, estudos e empreendimentos que visem à mitigação da mudança do clima e à adaptação a seus efeitos e
  • Fundo Amazônia: capta recursos de doações proporcionais às reduções de emissão por desmatamento e aplica em projetos que promovam a conservação e o uso sustentável da floresta.
INSTITUIÇÕES E ÓRGÃOS COLEGIADOS
A pensar a importância estratégica do tema das mudanças climáticas e a imensa carga de regulação, ação e monitoramento envolvida, o Brasil não possui, em nível federal, um órgão específico de regulação e execução da política nacional de mudanças climáticas ou, mesmo, uma comissão colegiada nacional deliberativa, com participação dos entes defederados e da sociedade civil. No seu lugar existe uma intrincada gama de instituições e órgãos colegiados.
No governo federal, a agenda climática tem, como pontos focais, os ministérios do Meio Ambiente (MMA) e da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI). No MMA, foi criada em 2008 a Secretaria de Mudanças Climáticas (atualmente, o secretário é Carlos Klink)e, no MCT, o tema é tratado pela Coordenação Geral de Mudanças Climáticas vinculada e a Secretaria de Políticas e Programas de Pesquisa e Desenvolvimento (o secretário é o climatologista Carlos Nobre).
Em geral, os assuntos relacionados ao desenvolvimento da articulação federativa, planejamento e regulação setorial, além do desenho de políticas públicas de mitigação e adaptação, são digeridas pelo MMA e os assuntos ligados à pesquisa e inovação, estimativas e inventários de emissões e gestão do Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (MDL) são tratados pelo MCTI.
Dada a dimensão do tema desde os anos 90, existem mecanismos de articulação mais ou menos efetivos ou determinantes ligados ao centro do governo, seja na Presidencia da República ou na Casa Civil.
Atualmente, a principal instância de decisão sobre politica de clima é a Comissão Interministerial sobre Mudancas do Clima (CIM) formada por representantes em nível de secretariado e de 16 ministérios sob a presidência da Casa Civil. O CIM se reúne uma ou duas vezes ao ano e possui um Grupo Executivo sobre Mudancas do Clima (GEx) coordenado pela Casa Civil, pelo MMA e pelo MCTI que, na prática, opera a agenda de trabalho de implementação da política e o Plano Nacional de Mudanças Climáticas. De fato, acompanhar as memórias das reuniões do Gex (em geral mensais ou bimestrais) é, hoje, e a maneira mais prática de acompanhar o andamento das discussões da política de clima em nível federal.
O Gex opera uma série de subgrupos (sempre governamentais) como GT Monitoramento, GT Adaptação e GT REDD (Redução das Emissões por Desmatamento e Degradação Florestal) e GT Mercado de Carbono (que encerrou atividades em 2012). Além destes existe uma inciativa chamada Núcleo de Articulação Federativa que visa harmonizar e/ou integras as políticas estaduais de mudanças climáticas com a política nacional.
Um outro colegiado interministerial denominado Comissão Interministerial para Mudanças Climáticas (CIMGC) confunde mesmo, o nome e a composição é muito similar ao CIM…. - é reponsável por aprovar os regramentos e os projetos para aplicação do Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (MDL) do Protocolo de Kyoto.
Em 2000, foi criado o Fórum Brasileiro de Mudanças Climáticas, dirigido pelo Presidente da Republica e que, em tese, funciona como uma espécie de caixa de ressonância das demandas e percepções da sociedade sobre o tema. O Fórum não tem função deliberativa e sua composição é bastante fluida e flexível. Atualmente, tem apoiado a realização de consultas públicas para processo de atualização do Plano Nacional de Mudanças Climáticas.
Para disseminar conhecimentos sobre causas e efeitos das mudanças climáticas, em 2008, foi estabelecida a Rede Clima – Rede Brasileira de Pesquisa sobre Mudanças Climáticas Globais, que reúne dezenas de grupos e instituições de pesquisa no Brasil e mobiliza estrutura (como o supercomputador Tupã) e recursos para propiciar o avanço e a disseminação da pesquisa de clima no país. O trabalho da Rede Clima se distribui em várias sub-redes temáticas.
Também em 2008, foi constituído o Painel Brasileiro de Mudanças Climáticas que tem como objetivo central reunir, sintetizar e avaliar as informações sobre mudanças climáticas (em grande parte fomentadas pela Rede Clima) e produzir o Relatório Nacional de Avaliação (RAN).
E não para por aí! Ainda existem fóruns estaduais, observatórios de clima e dezenas de outras inciativas. Mas, para orientação geral sobre como funciona a gestão das mudanças climáticas no Brasil, este é um bom começo.

quarta-feira, 18 de setembro de 2013

Sem medo de plantar florestas

Campeão absoluto de diversidade vegetal com mais de 50 mil espécies arbóreas e arbustivas e com a segunda maior área florestal do planeta, é curioso que os 7 milhões de hectares de florestas plantadas no Brasil sejam compostos basicamente de eucalipto, pinus, teca e acácia, todas espécies exóticas.
Nada contra as espécies exóticas em si, afinal temos as florestas mais produtivas do mundo (vol/ha/ano) e em grande parte certificadas pelo FSC, o mais rigoroso padrão internacional de manejo de florestas. Mas realmente chama atenção que, com tamanha diversidade de espécies, a silvicultura destas espécies nativas é pouquíssimo desenvolvida, difundida, investida e praticada no Brasil.
Recentemente, um programa rural na TV apresentava o plantio promissor de mogno africano, que, entre outras vantagens, teria o fato de não ser nativa do Brasil e, portanto, não apresentava problemas com a legislação ambiental.
Na região Sul, é comum ver agricultores arrancando mudas de araucária que nascem em suas propriedades para não ter problemas com os órgãos ambientais depois que a árvore cresce.
Nas palavras de um agricultor em Goiás: “Plantar árvore nativa, mesmo que se possa cortar, é arranjar encrenca na certa. Melhor plantar milho ou criar gado, que, além das vantagens econômicas e dos incentivos, passa longe da burocracia com autorizações de plantio, corte e transporte.”
Ao longo do tempo a legislação brasileira foi incorporando uma série de controles com objetivo de proteger as florestas naturais e evitar sua exploração indiscriminada.
Para permitir se identificar a origem legal da madeira nativa criaram-se as autorizações de transporte de produtos florestais e os planos de manejo sustentável que são o instrumento de licenciamento da atividade florestal. Porém, ao longo do tempo, esses instrumentos se tornaram inibidores do investimento em plantio de espécies nativas.
É preciso uma revisão em toda regulamentação infralegal (decretos, portarias e instruções normativas) com foco em tornar o reflorestamento com espécies nativas e sua posterior colheita uma atividade absolutamente desburocratizada, efetivamente livre e incentivada com instrumentos de financiamento, pesquisa, capacitação, treinamento e extensão rural.
Este processo já pode começar com a regulamentação da Lei 12.651 — novo Código Florestal, já que a silvicultura de espécies nativas pode ser a principal atividade econômica para dar sustentação à urgente e necessária recuperação das áreas de reserva legal nas propriedade rurais.
É para hoje. Não tem por que esperar mais.
Publicado em O Globo, 18/09/2013

terça-feira, 17 de setembro de 2013

Outros Tempos

Cheguei a Vermont, no noroeste nos EUA, para uma reunião de trabalho sobre práticas sustentáveis em agricultura e floresta que acontece todos os anos nesta mesma época por conta do clima agradável e ausência de chuva que possibilita atividades ao ar livre, entre outros motivos. Mas os tempos são literalmente outros.
Assim que saí do aeroporto, ainda em Albany senti um bafo de calor e umidade similar ao que sentimos em Manaus ou Cuiabá nos primeiros meses do ano. No trajeto de uma hora e meia até a pequena fazenda onde ficaríamos, caíram duas chuvas fortes intercaladas por períodos de sol. Durante a noite, em meio a uma forte tempestade, um raio atingiu a casa em que estávamos, queimando o sistema de bombeamento de água, eletricidade e telefone.
Surpreso com os eventos, consultei o administrador da fazenda, que explicou: “Normalmente, um dia de tempestade como este acontecia a cada dois ou três anos, mas já aconteceram mais de cinco dias de tempestades ao longo deste ano”. Isso é suficiente para causar muitos prejuízos, especialmente nas estradas e ruas que não foram desenhadas para grandes quantidades de chuva, em espaços curtos de tempo.
Imediatamente, os membros do conselho – que vêm de diferentes países ou mesmo diferentes regiões dentro dos EUA – começaram a falar das mudanças de clima em suas regiões. Por toda parte são sentidos sinais de aumento de intensidade e frequência de eventos climáticos extremos.
Neste contexto, acompanho atento as apresentações, debates e materiais da 1ª Conferencia Nacional de Mudanças Climáticas (ConClima), que se realiza em São Paulo esta semana (até hoje), como por exemplo o Atlas Brasileiro de Desastres Naturais que mostra um aumento de 268% de ocorrência de desastres naturais na década de 2000 quando comparado com a década anterior.
Embora o Brasil sempre tenha sido extremamente ativo na agenda internacional de mudanças climáticas, foi apenas em 2008 – com a criação da Rede Clima e do Painel Brasileiro de Mudanças Climáticas (PBMC) -, que se iniciou um esforço coordenado e concentrado para entender sua dinâmica especifica para o Brasil e suas diferentes regiões.
O PBMC (também conhecido carinhosamente como IPCC do Brasil) é formado por 345 pesquisadores brasileiros. Reúne todas as informações publicadas sobre mudanças climáticas que afetam o país, para montar um quebra cabeças que nos ajude a compreender as mudanças em curso e suas causas (em especial aquelas relacionadas à atividade humana) e, ao mesmo tempo, prever cenários futuros e os potenciaisimpactos sociais, econômicos e ambientais nas diferentes regiões do país. A partir destes cenários é possível propor estratégias para rever as ações humanas (exemplo: redução das emissões de gases de efeito estufa) para promover adaptações que nos preparem para as próximas alterações do clima.
Toda esta informação é reunida no Relatório de Avaliação Nacional de Mudanças Climáticas cuja primeira versão começou a ser lançada esta semana durante a 1ª. ConClima.
Para checar este avanço no Brasil foi fundamental o desenvolvimento do Modelo Brasileiro de Sistema Climático Global (ou BESM – Brazilian Earth System Model). Os modelos climáticos estudam a dinâmica da atmosfera (ex: movimento das massas de ar pelo planeta), os oceanos (ex: dinâmica das correntes marinhas), superfície terrestre (ex. efeito da cobertura do solo na evapotranspiração) e a química da atmosfera (ex. reações químicas dos diferentes gases em diferentes momentos e seu tempo de vida) e suas interações com diferentes cenários de concentração de gases de efeito estufa.
A complexidade destes modelos está no fato de os processos e as reações serem, permanentemente, dinâmicos. São tantas as variáveis que, na prática, é impossível obter uma modelagem que represente com exatidão a realidade (por isso, as previsões do tempo nunca são perfeitas). O que os pesquisadores fazem é buscar representar as principais variáveis (ex. direção e velocidade as massas de ar em diferentes condições)e rodar os modelos para períodos de tempo passado (ex. duas décadas) e comparar os resultados de clima do modelo com os dados reais de clima ocorrido. Isso é feito para cada uma das quatro áreas (atmosfera, superfície terrestre, oceanos e química da atmosfera). Ao encontrar os modelos que representam melhor cada uma das áreas, eles são reunidos (compilados) e rodados conjuntamente para avaliar como um impacta o outro (ex. mudança da formação de nuvens em um modelo afeta a evapotranspiração em outro). As informações retroalimentam cada um dos modelos que são, então, aprimorados.
Mesmo com o objetivo de entender os efeitos das mudanças climáticas no Brasil, os modelos devem ser capazes de entender os processos em escala Global, dada a completa interconexão dos processos climáticos em todo o planeta.
Estes processos envolvem dezenas de milhares de linhas de programação (imagine que uma equação seja uma linha) em cada uma das quatro áreas, o que torna imensamente trabalhosa a sua programação e, ao mesmo tempo, demanda enorme capacidade de processamento. Em outras palavras, é preciso muito hardware e peopleware – ou seja, superequipes de pesquisadores e supercomputadores com milhares de processadores.
E é ai que entra o Tupã, um supercomputador com 30 mil processadores (um computador pessoal em geral tem um processador), que possibilita que os pesquisadores brasileiros rodem todos os modelos.
O BESM já faz parte do conjunto de modelos que compõem o 5º. Relatório do IPCC – Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas da ONU, que começará a ser lançado no fim deste mês, em Estocolmo.
O relatório brasileiro traz um conjunto enorme de informações valiosíssimas que precisa ser digerido e considerado de forma decisiva no planejamento e na implementação das politicas públicas em todas as áreas no Brasil: da educação à saúde, da energia à indústria, do saneamento à segurança pública, da conservação à produção agrícola.

domingo, 8 de setembro de 2013

Um olhar sobre as emissões brasileiras de gases de efeito estufa

Em post recente, analisamos as emissões globais de gases de efeito estufa que superaram as 50 bilhões de toneladas de CO2e (GtCO2e). Para entendermos sua magnitude, analisemos este exemplo: um carro de passeio de pequeno porte, abastecido com gasolina, e rodando 20km por dia emite cerca de 1 tCO2e por ano. Cinquenta bilhões é muito e precisa ser reduzido a cerca de 10 Gt até 2050 para termos chances de limitar em 2ºC o aumento da temperatura média global.
Neste post, vamos falar das emissões brasileiras de gases de efeito estufa (GEE) tendo como base as estimativas de emissões publicadas em novembro de 2012 para o período de 1990 a 2011[1].
Se, em termos globais, a queima de combustíveis fósseis para geração de energia, em suas várias formas, representa 2/3 das emissões, no Brasil, a principal fonte das emissões, desde os anos 90, é a queima e degradação de biomassa resultante do desmatamento, seguida das emissões do setor agrícola, em especial o metano emitido pelo rebanho bovino (fermentação entérica – arrotos e flatulência – e dejetos).
Em 1995, devido as mudanças de uso do solo, em particular o desmatamento, as emissões chegaram a representar quase 80% das emissões que atingiram a marca recorde de 2,85 GtCO2e. Em 2005, ano do último inventário, as emissões por mudança de uso da terra ainda representavam 65% das emissões.

Em 2011, as emissões brasileiras foram de 1,58 GtCO2e, o que representa queda de 35% em relação as 2,43 GtCO2e emitidos em 2005, quando foi realizado o último inventário completo de emissões. Esta foi a maior redução de emissões de GEE no mundo, no período de 2005-2011, quando as emissões globais aumentaram cerca de 9%.
Trata-se de um resultado importantíssimo, mas que também revela uma realidade de fundo que precisamos enfrentar. Entre os cinco grandes setores que compõem as emissões (energia, agricultura, mudança de uso da terra, processos industriais e resíduos) apenas a mudança de uso da terra (eg. Desmatamento) teve queda de emissões (-64%). Em todos os outros setores houve aumento. Portanto, se desconsiderarmos a mudança de uso do solo, as emissões brasileiras cresceram 18% nesse período, ou seja, o dobro da média de aumento das emissões no nível global.

O caso da energia é particularmente preocupante. As emissões tiveram salto de 33% entre 2005 e 2011, consequência direta da redução da proporção deenergias renováveis em nossa matriz energética de pouco mais de 45% para menos de 43% (enquanto que a meta do planejamento energético previa aumento de 48% em 2020). Entre 2005 e 2011, a participação das emissões do setor de energia saltou de 14% para 27% no total das emissões brasileiras e continuou a subir em 2012, por conta dos subsídios à gasolina e ao acionamento das termoelétricas a diesel, carvão e gás, durante todo o segundo semestre de 2011.
Em 2009, o Brasil assumiu voluntariamente – por meio da Politica Nacional de Mudanças Climáticas e o Acordo de Copenhague – o compromisso de reduzir suas emissões em, pelo menos, 36% (36,1 a 38,9%), em relação às emissões projetadas para 2020. Para tanto, assumiu metas de redução com diferentes atividades como a redução de 80% do desmatamento na Amazônia e 40% no Cerrado, entre outras.
Em 2010, com a regulamentação da lei, a projeção das emissões foi fixada em 3,2 GtCO2e e, aplicando-se a redução de 36%, definiu-se o limite de emissões de 2 GtCO2e em 2020, o que representa redução de aproximadamente 9% das emissões líquidas de 2005.
Seguindo a trajetória atual, o Brasil deve cumprir a meta, mas deverá chegar em 2020 (ano em que deve entrar em vigor um novo acordo global de clima com metas para todos os países ) com as emissões em escalada, já tendo passado – nos primeiros anos desta década – o ponto mais baixo de emissões.
As emissões brasileiras chegaram a representar 7% das emissões globais em 1995. Em 2011, esse montante baixou para 2,5%, o que se aproxima muito mais da proporção da população mundial vivendo no país (2,8%). Hoje, nossa emissão per capita é comparável à média global de 7 tCO2e/habitante. Se projetarmos uma população global de 9 bilhões de habitantes e a necessidade de limitar as emissões em 10 Gt a emissão per capita, não deveremos superar 1,1 tCO2e/ha em 2050. Para manter a média global de emissões totais do Brasil nesse ano, considerando uma população projetada de 226 milhões de habitantes, seria necessário reduzi-las a menos de 0,3 GtCO2e, ou seja,  as emissões totais deveriam ser menores do que as emissões do setor energético hoje, que estão em 0,4 GtCO2e.
Embora complexa, a redução das emissões por mudança de uso da terra – em especial, desmatamento – e na agricultura é possível de ser realizada em um prazo relativamente curto, já que as emissões do setor energético e dos processos industriais tentem a ser muito mais permanentes pela duração dos investimentos. Exemplo: a cada nova usina termoelétrica implantada são “contratadas” emissões por 25 a 40 anos, que é a vida útil média destas instalações. Isso explica a grande preocupação com as decisões da politica energética, que propiciam aumento do uso de energias fósseis no Brasil.
Mas é possível alcançar tamanha redução das emissões de gases de efeito estufa no Brasil? Existem tecnologias e recursos ou, pelo menos, caminhos de desenvolvimento para chegarmos lá? Em outros artigos vamos explorar este desafio.
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Em julho de 2013, o Ministério de Ciência e Tecnologia divulgou as estimativas oficiais que cobrem o período entre 1990-2010,  com resultados bastante similares aos que servem de base para este post, porém com foco em emissões líquidas, ou seja considerando remoções de CO2. A diferença entre emissões brutas e líquidas é explicada na introdução do documento que publiquei em novembro 2012