quarta-feira, 25 de julho de 2018

Aqui não!



No evento de sua oficialização como candidato do PSL à Presidência da República no último domingo, o deputado Jair Bolsonaro afirmou que, se eleito, vai retirar o Brasil do Acordo de Paris. Os argumentos do parlamentar são diretos: não existiria comprovação do aquecimento global e nem mesmo dos seus impactos, e o Acordo de Paris é uma conspiração internacional para impedir o desenvolvimento de nossa economia.

As postagens dos filhos do deputado nas redes sociais já indicavam uma profunda ignorância sobre os efeitos e causa das mudanças climáticas, mas ver isso transformado em discurso de um candidato a presidente é chocante.

A fala de Bolsonaro foi recheada de outras propostas estapafúrdias — como incorporar o Ministério do Meio Ambiente ao Ministério da Agricultura —, e a proposta de sair do Acordo de Paris acabou passando quase desapercebida ou mesmo considerada uma bravata. A experiência recente nos EUA nos mostra que é preciso levar a sério estes discursos e procurar desconstruí-los com argumentos claros antes que possa se consolidar pelo embate político.

Os estudos conduzidos pelos maiores cientistas brasileiros reunidos no Painel Brasileiro de Mudanças Climáticas e na Academia Brasileira de Ciência são claríssimos ao apontar os enormes riscos dos impactos das mudanças do clima sobre a saúde, segurança, produção de alimentos, geração de energia e conservação da biodiversidade, entre outros. E estes impactos serão sofridos principalmente pelas populações mais pobres e vulneráveis. Este é o mesmo cenário verificado pelo Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas no contexto global.

O Brasil teve um papel fundamental no desenho do Acordo de Paris, sendo o arquiteto da proposta de compromissos nacionais voluntários revisados a cada cinco anos como pedra fundante do acordo. Mesmo em meio à crise política e ao processo de impeachment de 2016, a ratificação do Acordo de Paris foi um momento de rara coesão no Congresso brasileiro, sendo aprovado por unanimidade tanto na Câmara quanto no Senado.

A saída do Acordo de Paris — que só poderia acontecer se aprovado pela Câmara e pelo Senado — seria um vexame para a diplomacia brasileira e um ato de descaso com as populações em situação de risco. Muito além disso, representaria uma enorme perda de oportunidade para a economia brasileira tornar as suas vantagens comparativas em vantagens competitivas na nova economia, na qual energias renováveis, biocombustíveis, agricultura de baixo carbono e proteção das florestas podem ter precificado seu papel de redução das emissões globais de gases de efeito estufa.

Para o mundo basta um Trump. Não precisamos de outro. Aqui não!

Publicado em O Globo, 25.07.2018

domingo, 1 de julho de 2018

Reduz, mas aumenta


Semanas atrás, o governo anunciou uma meta de redução de 10% da intensidade de emissões de carbono do setor de combustíveis para o transporte no Brasil até 2028, o que resultaria, segundo as contas do Ministério de Minas e Energia, numa redução de 600 milhões de toneladas de carbono (CO2) nos próximos dez anos. A meta é parte do projeto RenovaBio, que visa a promover a ampliação do uso de biocombustíveis, em especial o etanol e o biodiesel na matriz de transportes brasileira.
Mas, olhando com mais calma os números que embasam o anúncio do MME, nota-se que, em vez de reduzir, as emissões de CO2 crescem de 289 milhões para 335 milhões de toneladas entre 2018 e 2028. A redução, na verdade, só ocorre se comparada com uma projeção de quanto seria a emissão em 2028 se a intensidade de emissões de carbono permanecesse a mesma de 2018. Como a meta de aumento de eficiência é de cerca de 1% ao ano, mas o aumento do consumo de combustíveis cresce mais de 2% ao ano, o resultado é o aumento do volume total de emissões.
No final do período de 10 anos, a participação dos biocombustíveis na matriz de transportes subiria de 20 para 28%, muito pouco frente ao potencial do Brasil, até porque mais de 74% da frota circulante já são flex, e deve chegar a mais de 90% em 2028, segundo projeção do MME.
A Política Nacional de Biocombustíveis (RenovaBio) foi criada para ser uma grande alavanca ao uso de biocombustíveis e redução das emissões de gases de efeito estufa. Para operacionalizá-lo, um dos instrumentos principais são os Créditos de Descarbonização de Biocombustíveis (CBio).
Quem produz biocombustíveis gera CBios, e as distribuidoras que vendem têm que adquirir uma quantidade predefinida de créditos. A demanda de CBios é dimensionada a partir das metas de intensidade de emissões do setor de combustíveis.
A definição das metas passou por uma queda de braço entre o setor de biocombustíveis, a sociedade civil, que propôs metas mais ousadas de descarbonização, e o setor de petróleo e gás (leia-se Petrobras), que sistematicamente bloqueou as propostas de maior ambição, propondo inclusive metas ainda menores que as aprovadas.
Para atingir a meta proposta, o esforço adicional ao que já é feito é mínimo, as metas seriam atingidas quase que por inércia. Se quisermos realmente baixar as emissões é preciso estabelecer metas mais agressivas de penetração dos biocombustíveis combinadas com eletrificação dos transportes (nossa matriz já é 80% renovável), o desestímulo ao transporte individual motorizado, o estímulo ao transporte público e promoção dos modais ferroviário e aquaviário para o transporte de carga.
Aí sim, podemos falar em real redução das emissões de poluentes do setor de transporte brasileiro.

Publicado em O Globo, em 27.06.2018