Já era madrugada de domingo (14/12) quando a Conferência das Partes da Convenção de Mudanças Climáticas da ONU (COP20), em Lima, programada para terminar dois dias antes, chegou ao final com aprovação do acordo intitulado Lima Call for Clima Action (LCCA).
O documento é positivo, certamente um passo a frente e na direção correta, mas também um passo muito tímido em relação ao nível de ambição necessário para onovo acordo climático global a ser “costurado” até a próxima COP em Paris, em dezembro de 2015.
O QUE SE ESPERAVA DA COP20
Em essência, esperava-se a definição dos elementos centrais do novo acordo climático global que será elaborado, em detalhes, em 2015 e os parâmetros mínimos para a apresentação das contribuições nacionais para mitigação e adaptação, a serem propostas no ano que vem pelas partes e que servirão também de base para o futuro acordo.
Em outras palavras, se fosse um empreendimento imobiliário seria o equivalente a fazer o croqui e as premissas básicas do projeto (área, localização, altura, uso, numero de unidades, serviços e prazos etc) e condições gerais de adesão (valor m2, modelo de financiamento, agentes financeiros etc).
Eis as questões centrais em jogo nestes elementos:
1. Definir o objetivo geral do futuro acordo (ex. reduzir as emissões em X% até 2050 ou convergir a trajetória de emissões para zona compatível que limite o aquecimento global em 2ºC);
2. Definir a inclusão ou não de adaptação e financiamento entre os compromissosdas partes no novo acordo;
3. Definir como serão diferenciados os diferentes grupos de países evoluindo além da diferenciação binária de desenvolvidos e em desenvolvimento; e
4. Ciclos básicos de meta/reporte/revisão para o novo acordo.
Estas definições são importantes como referência para que os países definam suas contribuições nacionais (INDCs) para o novo acordo pós-2020. Por exemplo, o país apresenta meta de redução de emissões para 2025, 2030 ou 2050? Inclui só compromissos de mitigação ou inclui outros temas como financiamento?
O QUE SE ALCANÇOU EM LIMA
O documento que descreveria os elementos do novo acordo global avançou apenas na primeira semana da COP20. Na segunda, ele não saiu do lugar. Com 37 páginas, odocumento está completamente em aberto e apresenta dezenas de várias opções para cada parágrafo. Acabou virando um anexo para informações no acordo de Lima (LCCA).
Na analogia do empreendimento imobiliário, seria o mesmo que anunciar empreendimento com especificações vagas: poderá ter entre 40 e 350 m2 e de 3 a 40 andares, localizado no Brasil, com vista norte, sul, leste ou oeste, e possível valor de R$ 1 mil a 30 mil por m2. Ou seja, pouco ajuda para que um possível investidor faça sua oferta.
O acordo em Lima é basicamente uma decisão para organizar os trabalhos de 2015 de tal forma que possam formar as bases para um acordo em Paris. O documento deixa claro que, com as ações e os compromissos hoje existentes, ainda existe uma lacuna enorme para se chegar a uma trajetória favorável que limite o aumento de temperatura em 2 ou 1,5ºC.
CONTRIBUIÇÕES NACIONAIS (INDCs)
Assim, o Lima Call for Clima Action conclama os países para que apresentem suas contribuições para mitigação e adaptação às mudanças climáticas pós-2020 até meados de 2015 (bem antes da COP em Paris) e sugere uma série de temas e conteúdos que podem constar da proposta, tais como metas, ano base e métrica, prazos de implementação, metodologias para contabilidade das emissões, entre outros aspectos. Define, também, que os compromissos devem necessariamente ampliar a ambição frente ao que já foi colocado na mesa.
Para as pequenas ilhas e os países pobres e menos desenvolvidos é dadotratamento diferenciado e mais flexível, no formato de suas contribuições. Na prática, é o primeiro movimento para diferenciar os países em desenvolvimento, até então tratados como único grupo com regras homogêneas apesar das enormes diferenças – em responsabilidades e capacidades – das grandes economias emergentes como China, Brasil e Índia e dos menos desenvolvidos. É um passo importante para viabilizar o novo acordo em Paris.
O documento ainda determina que o Secretariado da Convenção prepare relatório síntese até novembro de 2015, avaliando o efeito agregado das propostas de contribuições dos países apresentado ao longo do próximo ano (por exemplo, efeito na redução das emissões globais no médio e longo prazo).
FINANCIAMENTO
A inclusão do financiamento como parte dos compromissos obrigatórios dos países, quando se submeterem às INDCs, não foi alcançado e segue como fonte de discórdia, mas os debates sobre financiamento de longo prazo avançaram e, durante a COP20, se alcançou a captação de US$ 10,2 bilhões para o Green Climate Fund (GCF).
Entre os países que anunciaram contribuições para o GCF - além dos países desenvolvidos como Japão, Inglaterra e Alemanha -, estão países em desenvolvimento como Colômbia, Peru, Panamá, Indonésia e México, o que significa um corte na política de “esperar o outro agir para tomar posição”. As contribuições destes países cria constrangimento ético para que os países desenvolvidos e as grandes economias emergentes aportem recursos expressivos no fundo.
O texto de Lima traz referência preambular a questão de perdas e danos (loss and damage) associadas às mudanças climáticas, tema crítico para pequenas ilhas epaíses mais vulneráveis.
EM RESUMO
O resultado da COP de Lima – apesar de aquém do planejado e desejado– representa mais um impulso que mantém nos trilhos e no rumo certo o processo de negociação para possibilitar um novo acordo climático global, mas ainda com inúmeras incertezas e pontos abertos que darão enorme trabalho, ao longo de 2015, para que o acordo seja realmente ambicioso e efetivo.
Voltando, mais uma vez, à analogia do empreendimento imobiliário, não definimos as especificações, mas demos elementos para que os interessados digam, de forma geral, como gostariam de participar, além de prazo para que demostrem este interesse e se comprometam a ter o projeto pronto para ser assinado por todos até o final do próximo ano.
Poderia ter sido melhor, mas à luz do que aconteceu na COP14 (que antecedeu a COP de Copenhague), também poderia ter sido muito pior. A condução da presidência peruana, focada em buscar o resultado de forma aberta e transparente durante todo o curso das negociações, foi crucial para o sucesso em Lima. Serve de exemplo para os franceses que terão a difícil tarefa de liderar o processo em 2015.