Mudanças
climáticas e pobreza são dois enormes desafios de nosso tempo.
Muitas
vezes a interação dos dois temas é percebida como um dilema: para se
desenvolver e escapar da pobreza, é preciso energia, agricultura e indústria e,
portanto, aumentar emissões de gases de efeito estufa. Já o controle das
emissões para limitar as mudanças do clima implicaria restringir o
desenvolvimento. Ou seja, ou salvamos o clima ou combatemos a pobreza.
Não
chega a ser surpresa que a maior parte do crescimento das emissões de gases de
efeito estufa no planeta venha atualmente dos países emergentes e em
desenvolvimento. Mas a realidade é mais cruel. Os mais vulneráveis aos impactos
das mudanças do clima são justamente os mais pobres.
A
construção de uma agenda para baixar drasticamente as emissões de gases de
efeito estufa ao mesmo em que se reduz a pobreza é mais que um imperativo, é
uma questão de justiça. Todos têm direito ao desenvolvimento e a uma vida
digna.
Esta
é a base do desafio lançado pela Mary Robinson Foundation: zerar as emissões de
gases de efeito estufa e a pobreza até 2050.
Como
constata Mary Robinson, ex-presidente da Irlanda e atual comissária de
clima da ONU, “para superar a pobreza, é preciso, sim, energia, mas não as
emissões a ela associada”. Assim como não foi preciso passar por telefone fixo
para fazer chegar o celular em vários rincões do planeta, não é necessário
passar pela energia fóssil para chegar a energias limpas e renováveis.
Para
superar a pobreza, além de saúde e segurança, é necessário infraestrutura,
energia, emprego e renda. Os investimentos em larga escala na economia de baixo
carbono ou carbono neutro para construir a infraestrutura, gerar energia e
produzir alimentos nos países, regiões e comunidades menos desenvolvidos e mais
pobres têm o efeito de gerar emprego e renda ao mesmo tempo em que contribuem
para reduzir as emissões de carbono e aumentar a resiliência das populações
mais vulneráveis a mudanças climáticas.
Emissão
zero, pobreza zero, talvez esta seja a referência necessária e aglutinadora
para se alcançar em Paris o novo acordo global sobre mudanças climáticas
ambicioso o suficiente para superar, até 2050, o risco dos impactos de aumento
da temperatura média global acima de dois graus.
As
86 páginas do texto-base de negociação do novo acordo climático aprovado na
Conferência de Clima de Genebra estão longe desse grau de ambição, mas possuem
várias brechas e espaços para alcançá-la. Portanto, agora é focar em garantir o
zero a zero no acordo até dezembro.
Publicado em O Globo em 25.02.2015