quarta-feira, 25 de fevereiro de 2015

Em busca do zero a zero

Mudanças climáticas e pobreza são dois enormes desafios de nosso tempo.

Muitas vezes a interação dos dois temas é percebida como um dilema: para se desenvolver e escapar da pobreza, é preciso energia, agricultura e indústria e, portanto, aumentar emissões de gases de efeito estufa. Já o controle das emissões para limitar as mudanças do clima implicaria restringir o desenvolvimento. Ou seja, ou salvamos o clima ou combatemos a pobreza.

Não chega a ser surpresa que a maior parte do crescimento das emissões de gases de efeito estufa no planeta venha atualmente dos países emergentes e em desenvolvimento. Mas a realidade é mais cruel. Os mais vulneráveis aos impactos das mudanças do clima são justamente os mais pobres.

A construção de uma agenda para baixar drasticamente as emissões de gases de efeito estufa ao mesmo em que se reduz a pobreza é mais que um imperativo, é uma questão de justiça. Todos têm direito ao desenvolvimento e a uma vida digna.

Esta é a base do desafio lançado pela Mary Robinson Foundation: zerar as emissões de gases de efeito estufa e a pobreza até 2050.

Como constata Mary Robinson, ex-presidente da Irlanda e atual comissária de clima da ONU, “para superar a pobreza, é preciso, sim, energia, mas não as emissões a ela associada”. Assim como não foi preciso passar por telefone fixo para fazer chegar o celular em vários rincões do planeta, não é necessário passar pela energia fóssil para chegar a energias limpas e renováveis.

Para superar a pobreza, além de saúde e segurança, é necessário infraestrutura, energia, emprego e renda. Os investimentos em larga escala na economia de baixo carbono ou carbono neutro para construir a infraestrutura, gerar energia e produzir alimentos nos países, regiões e comunidades menos desenvolvidos e mais pobres têm o efeito de gerar emprego e renda ao mesmo tempo em que contribuem para reduzir as emissões de carbono e aumentar a resiliência das populações mais vulneráveis a mudanças climáticas.

Emissão zero, pobreza zero, talvez esta seja a referência necessária e aglutinadora para se alcançar em Paris o novo acordo global sobre mudanças climáticas ambicioso o suficiente para superar, até 2050, o risco dos impactos de aumento da temperatura média global acima de dois graus.


As 86 páginas do texto-base de negociação do novo acordo climático aprovado na Conferência de Clima de Genebra estão longe desse grau de ambição, mas possuem várias brechas e espaços para alcançá-la. Portanto, agora é focar em garantir o zero a zero no acordo até dezembro.

Publicado em O Globo em 25.02.2015

terça-feira, 24 de fevereiro de 2015

Cartas na mesa do clima

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No dia 13 de fevereiro, representantes de mais de 180 países do Grupo de Trabalho para implementação da Plataforma de Durban (ADP) encerraram a Conferência de Clima de Genebra ao aprovar o documento que servirá de base para a negociação donovo acordo climático global. Este acordo deverá ser finalizado e aprovado naConferência das Partes da Convenção de Mudanças Climáticas (COP 21), em Paris, em dezembro próximo.
De fato, o trabalho deveria ter sido terminado na COP20, que aconteceu em dezembro último em Lima, Peru. Mas, na falta de um bom acordo, foi preciso marcar nova reunião.
O documento-base – que já começou a reunião em Genebra com quase 40 páginas – recebeu centenas de emendas e, em vez de ser enxugado, foi inflado com todas as propostas colocadas na mesa, chegando a 86 páginas. Para efeito de comparação, aConvenção sobre Mudanças Climáticas tem 25 páginas e o Protocolo de Kyoto,22 páginas.
Em praticamente todos os temas em debate existe, no mínimo, três opções de texto com abordagens às vezes bem distintas e distantes como, por exemplo, o objetivo do novo acordo. Algumas alternativas indicam, como objetivo, zerar emissões antrópicasneste século para assegurar maior chance de manter o crescimento da temperatura média global no limite de 2ºC. Outras propõem a busca – dentro das possibilidades de cada país – de uma economia de baixo carbono ao longo do século.
Até o final do ano, serão realizadas, pelo menos, mais duas sessões de negociaçãoantes de Paris, para limpar o texto, reduzir as opções e buscar consensos.
Apesar de toda complexidade e “gordura” do texto, é possível começar a visualizar uma estrutura e uma narrativa deste documento.
Começa com um longo preâmbulo que procura desenhar o contexto, avanços e retrocessos do processo da convenção de clima e sua implementação e ancorar o novo acordo como um novo mecanismo de implementação. Segue para os objetivos do novo acordo, no qual o grau de ambição varia enormemente entre as diferentes opções de texto. Depois, no final, desenvolve o caminho para o objetivo ser alcançado a partir de ações de cinco áreas: mitigação, adaptação, financiamento, assistência técnica e mecanismo de perdas e danos. Nestas cinco áreas, disputa-se no texto como serão feitos compromissos legalmente vinculantes para os países (ou parte deles) e como eles seriam definidos, implementados e monitorados.
Em outros posts, trataremos dos dilemas nas diferentes partes do texto e o significado das escolhas ao penderem para um lado ou outro.
Publicado em Planeta Sustentável - Blog do Clima em 24.02.2015

sábado, 21 de fevereiro de 2015

Calculadora Global

A tarefa não é fácil, encontrar caminhos para o desenvolvimento e o bem-estar da humanidade e, ao mesmo tempo, reduzir drasticamente as emissões de gases de efeito estufa (GEE) de forma a garantir que o aumento da temperatura média do planeta não supere 2ºC.
Os diferentes caminhos envolvem decisões sobre transporte, geração de energia, agricultura, desmatamento, modos de produção industrial, padrões de consumo e hipóteses sobre o crescimento populacionaleficiência energética e outros. A resultante deles, além de mostrar o nível de emissões de GEE, tem impactoseconômicos, sociais e ambientais mais amplos a ser levado em conta.
A cada relatório do IPCC são traçados centenas destes caminhos (pathways) ou cenários que, depois, são agrupados para identificar os pontos em comum entre os caminhos que conseguem limitar as emissões nos níveis necessários para a meta de 2ºC. Mas, olhando de longe, estes cenários parecem excessivamente complexos e difíceis de entender e, mesmo, de interferir.
Agora, equipe de pesquisadores de uma aliança de instituições que inclui WRILondon School of Economics (LSE), Imperial College e International Energy Agency (IEA), desenvolveu ferramenta pública e de código aberto que possibilita, a qualquer interessado, desenhar seus próprios caminhos e cenários para ajudar a limitar o aquecimento do planeta em 2ºC: a Calculadora Global (The Global Calculator). O lançamento aconteceu em 28 de janeiro, na sede da Royal Society, em Londres.
No formato web, a ferramenta apresenta mais de 40 variáveis que podem ser ajustadas pelo usuário como, por exemplo:
- população global (qual seria a população global em 2050?),
- penetração de tecnologias automotivas (ex. x% de veículos elétricos em 2050),
- uso da terra e
- proporção de energias renováveis, só para citar alguns interesses.
A partir dessa combinação de variáveis são calculadas as emissões de GEE, o PIB global, a distribuição do uso da terra, custos de implementação entre outros resultados, de saída.
É muito simples de utilizar e traz resultados intrigantes, mesmo com as limitadas opções de cada variável (4 níveis). Toda a base de cálculo é feita em Excell e as planilhas bem como a documentação da metodologia e fontes de dados estão disponíveis no site da iniciativa para download.
Uma série de cenários já rodados por organizações como Amigos da Terra, IEA e Chatan House está disponível na Calculadora Global para que usuários possam comparar os diferentes caminhos trilhados.
E, para mostrar que é mesmo global, a calculadora pode ser acessada em várias línguas como inglês, francês, chinês, russo, árabe, bahasa, espanhol e, até, português!
Algumas características comuns dos cenários compatíveis com 2ºC estão resumidas no estudo “Prosperidade ao Redor do Mundo em 2050” preparado pelo grupo que implementou a ferramenta:
• A intensidade de carbono na energia elétrica em 2050 deve tender a quase zero;
• O consumo médio de combustível por km rodado deve cair pelo menos pela metade;
• 2/3 das emissões de carbono da indústria do cimento deve ser capturada e armazenada;
• Aumentar em 40 a 60% a produção agropecuária e diminuir em 10% a área ocupada.
Uma excelente iniciativa para tornar mais simples, próximo e usual o tamanho do esforço necessário para garantir o limite de 2ºC com desenvolvimento sustentável.
A seguir, assista ao vídeo do lançamento da calculadora, em Londres:

Foto: Reprodução/The Global Calculator
Publicado em  Blog do Clima / Planeta Sustentável em 20.02.2015 

quarta-feira, 11 de fevereiro de 2015

Zero em 2050


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Coube a uma iniciativa empresarial ‘colocar o elefante na sala’ em ‘alto e bom som’. Apenas 2/3  de chance de limitar o aumento da temperatura em 2ºC é muito arriscado, por isso, devemos trabalhar para zerar as emissões líquidas de carbono até 2050.
B-Team*, grupo liderado por grandes empreendedores globais como Richard Branson (Grupo Virgin), Ratan Tata (Tata Group), Guilherme Leal (Natura) e Paul Polman (Unilever) partiu do orçamento de 1 mil GtCO2e que o IPCC (sigla em inglês do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas da ONU) prevê como limite de emissões liquidas neste século (2012 a 2100) para que tenhamos 2/3 de chances de a temperatura global não subir mais de 2ºC, limite com o qual se comprometeram todas as partes da convenção do clima.
Quase todos os cenários que indicam ser possível ficarmos dentro deste limite também apontam que é necessário zerar as emissões na segunda metade deste século e que, quanto mais tarde isso acontecer, a necessidade de ter emissões negativas se antecipará. Em 2012, as emissões globais superaram as 50 GtCO2e. Isto significa que, se as emissões caírem de forma linear até zero, em 2050, o mundo terá emitido 1 mil GtCO2e.
Os líderes do B-Team consideram que as aspirações de redução das emissões em 80%, até 2050, ainda representam um risco muito alto e são pouco inspiradoras e vão direto ao ponto, sem rodeios: temos que zerar as emissões de carbono até aquele ano.
O B-Team - criado para desenvolver um Plano B (de Better Business) que sirva de alternativa para o business as usual (Plano A) -, acredita que, se o novo acordo global sobre mudanças climáticas, a ser aprovado em Paris este ano, incorporar uma meta inspiradora e clara como esta, permitirá que governos e empresas busquem inovações, processos e investimentos necessários para atingir a meta global.
Para viabilizar esta meta, o B-Team propõe, ainda, três medidas bem objetivas:
•    Acabar com os subsídios para combustíveis fósseis e realocar estes recursos para multiplicar as soluções de energia renovável;
•    Adoção da precificação de carbono por governos e empresas;
•    Governos e empresas devem garantir que os benefícios da resposta às mudanças climáticas sejam canalizados para as comunidades mais pobres e vulneráveis que sofrem, de forma desproporcional, com os efeitos das mudanças climáticas e são as menos equipadas ou preparadas para lidar com seus impactos.
Guilherme Leal, co-fundador da Natura e um dos membros do grupo fundador do B-Team, me explicou em conversa recente que o objetivo é puxar a barra de ambição ao nível mais alto possível e seguir a máxima “pensar grande, começar pequeno e mover-se depressa”. Ele afirmou que, se não estiver claro o quão longe queremos ir, não moveremos os trilhões de dólares de investimentos de infraestrutura, energia, mobilidade e produção para uma economia limpa de emissões.
O sinal do B-Team veio em boa hora, uma vez que negociadores se encontram esta semana em Genebra em mais uma derradeira sessão de trabalho para tentar definir os elementos do novo acordo global do clima que permitam, até o final de maio, a publicação da primeira versão da proposta do acordo a ser negociada até dezembro, em Paris.
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*Na imagem abaixo, as assinaturas de alguns dos líderes fundadores do B-Team: Ariana Huffington (Huffington Post), François-Henri Pinault (Kering), Jochen Zeitz (Kering, ex-Puma), Dr. Mo Ibrahim (Celtel), Paul Polman (Unilever), Dr. Ngozi Okonjo-Iweala (política e economista nigeriana, ex-Banco Mundial), Sir Richard Branson (Grupo Virgin), Guilherme Leal (Natura), Ratan Tata (Tata Motors), Strive Masilyiwa (Econet Wireless) e Muhammad Yunus (Grameen Bank).
Ainda fazem parte dessa lista: Blake Mycoskie (Toms Shoes) e Zhang Yue, além de Mary Robinson e Gro Harlem Brundtland como líderes honorárias.
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Publicado em Planeta Sustentável em 11.02.2015

terça-feira, 3 de fevereiro de 2015

Não tem chuva, vamos de sol! – 2ª tentativa


Nas últimas semanas, o fantasma do apagão voltou a assombrar os brasileiros quando, em um pico de demanda numa tarde quente de verão, a geração teve que ser cortada para não sobrecarregar o sistema. Em outras palavras, a geração de energia no Brasil não está dando conta da demanda. Com um detalhe: o crescimento da demanda está acanhado devido a estagnação econômica.
É como uma tempestade perfeita, mas sem chuva, em pleno sol: a longa estiagem e a falta de água nas bacias do sudeste e nordeste se somam aos atrasos nas obras de geração e de transmissão de energia (segundo o TCU, devido especialmente a problemas de planejamento), também à fragilidade financeira atual dos agentes do sistema elétrico e à relutância dos órgãos reguladores em promover o racionamento e a economia de consumo.
Nos dias que se seguiram ao corte preventivo de energia, o Brasil teve de importar entre 500 e 1 mil MWh de energia da Argentina para atender os picos de demanda.
Há um ano, propus em artigo publicado em 12 de fevereiro neste blog, que o Brasil entrasse de cabeça na energia solar instalando 1 mil MWh de capacidade de geração solar distribuída para atender os períodos de pico de demanda que se deslocaram para as tardes quentes de verão.
No verão, quando mais calor se propaga, maior a demanda de refrigeração e, portanto, de energia e é ai que a energia solar entra, pois é justamente nestas condições que os painéis solares atingem o pico de sua capacidade. Ao gerarem de forma distribuída (exemplo: telhados), os painéis reduzem a necessidade de transmissão de grandes quantidades de energia para atender os picos. É como se formassem um colchão de amortecimento.
Na Alemanha e na Espanha, a energia solar chega a representar metade da geração nos momentos de pico do verão. Embora represente menos de 5% do consumo geral durante todo o ano, cumpre papel fundamental de segurança para o sistema elétrico.
A energia solar avança de forma fulminante no planeta. Entre os anos 2000 e 2014, a capacidade instalada subiu de 1 GW para pelo menos 180 GW (mais do que todo o potencial de geração elétrica do Brasil com todas as fontes juntas). Em termos de energia produzida, em 2014 e pela primeira vez, a energia solar superou 1% do total de energia elétrica gerada no mundo. Na Itália, superou 8% de toda energia produzida. No final de 2014, mais de 20 países já tinham instalado mais de 1 GW de potencial de geração solar.
No Brasil, continuamos desperdiçando esta imensa oportunidade e realizando leilões de novas termoelétricas, inclusive de carvão que, além de chegarem à maturidade depois de muitos anos e não resolverem os problemas emergentes, são fontes geradoras de grandes emissões de CO2.
O modelo regulatório para geração solar distribuída é desestimulante e trava a sua expansão (exemplo: não permite ao gerador vender sua energia para rede). Com uma revisão objetiva e cirúrgica da regulação, o Brasil poderia implantar, em 2015, pelo menos 1 GW de energia solar distribuída que nos permitira enfrentar os picos de energia que tendem a se repetir cada vez mais no verão devido ao aumento da temperatura.
A China instala, por mês, quase 2 GW e a Índia 1 GW. Não tem porque não podermos produzir 1 GW por ano!
Com a mudança de comando no Ministério de Minas e Energia e um novo governo em formação, renova-se a esperança de o Brasil acordar para a energia solar. Os primeiros sinais, contudo, não são muito alvissareiros. Em vez de estimular a geração solar o ministro anunciou que pretende estimular as empresas a ligarem seus geradores termoelétricos próprios para injetar energia na rede. Caros, sujos e concentrados. Somos mais criativos que isso.
Um exemplo das grandes oportunidades para refletir: o Greenpeace lançou campanha para colocar painéis solares em duas escolas públicas. Trata-se de um projeto piloto, mas que pode ser escalado facilmente. Com pouco menos de 200 m2 de painéis, é possível gerar cerca de 1200 KW mensais, o que pode representar até 50% do consumo de energia da escola. Existem cerca de 190 mil escolas de ensino básico no Brasil, 150 mil delas públicas (80% municipais). Se 50% das escolas públicas fossem dotadas de projeto semelhante, daria para gerar mais de 1 milhão de MW por ano. Considerando que as térmicas começaram o ano custando R$ 1 mil por MW, teríamos uma economia de, pelo menos, R$ 1 bilhão de reais, além de milhões de toneladas de CO2 que deixariam de ser emitidas.
Esse mesmo modelo pode ser incentivado em granjas (áreas enormes em geral já voltadas para a face norte), armazéns, fábricas e toda sorte de infraestrutura com grandes áreas de cobertura.
O governo que criou programas de larga escala e altamente distribuídos como Minha Casa, Minha Vida, Bolsa Família, Pronatec, entre outros, precisa abraçar esta oportunidade.
Esta e minha segunda tentativa! Torço para que não precisemos de uma terceira no próximo ano.

Publicado no Blog do Clima em Planeta Sustentável - 03.02.2015