sexta-feira, 25 de outubro de 2013

Um mundo cada vez mais eletrificado

Discutimos em posts anteriores o grande desafio para reduzir as emissões de gases de efeito estufa (GEE) no planeta de modo a limitar o aumento da temperatura média global.
Se o limite de 2ºC, definido em 2009 no Acordo de Copenhague for o parâmetro a ser perseguido, as emissões anuais médias de carbono não devem ultrapassar 11GtCO2 por ano até o final deste século. É um desafio e tanto já que, hoje, as emissões globais alcançam 52GtCO2eq.
O principal contribuinte para as emissões de gases de efeito estufa é o setor de energia que emite cerca de 31GtCO2/ano. Mesmo considerando que todos os outros setores reduzam a zero as suas emissões, o setor energético terá que reduzir suas emissões a menos de 1/3 das  atuais para que possamos cumprir as 11GtCO2 médias do orçamento de carbono até o final do século.
É um tremendo desafio, especialmente se considerarmos que, antes de meados do século, a demanda por energia vai dobrar. Ou seja, temos que dobrar a capacidade de oferta de energia com zero de emissões e ainda reduzir 2/3 das emissões da capacidade já instalada.
Para enfrentar este dilema há cinco linhas clássicas de ação, possíveis e já em desenvolvimento:
1. Promover a racionalização/redução do consumo;
2. Reduzir perdas no processo de geração-distribuição-consumo;
3. Aumentar a eficiência energética dos equipamentos e sistemas;
4. Promover fontes renováveis de energia (com emissão baixa ou nula) e
5. Estabelecer tecnologias de sequestro/captura de carbono para as fontes fósseis.
Porém, uma das transformações mais importantes em escala, que podem mudar o jogo, é a progressiva eletrificação do planeta. A eficiência do processo de produção/geração, armazenamento, transporte/transmissão e consumo da energia é significativamente maior por meio de sistemas elétricos do que de motores a combustão.
Por exemplo, o motor a gasolina de um carro transforma em movimento cerca de 15% da energia contida no combustível. Se o mesmo combustível for queimado em uma usina térmica moderna e abastecer um carro elétrico, o aproveitamento mais do que dobra, dada a eficiência do motor elétrico.
Por outro lado, a multiplicação rede elétrica acoplada a sistemas de armazenamento (ex. baterias, células de hidrogênio, soluções salinas etc) permite que se utilize mais fontes de energia intermitentes como solar e eólica. Um grande sistema de bateria pode ser programado para funcionar como um sistema descentralizado de armazenamento de energia (que pode fazer o papel de reservatório de hidroelétricas).
Uma outra vantagem é que, neste caso, a eletricidade pode ser transmitida a grande distâncias com baixíssimas emissões. Sistemas interligados além fronteiras podem viabilizar a produção de energia onde houver as melhores oportunidades de geração renovável e sustentável estejam presentes.
Difícil prever o que acontecerá com a energia no futuro, mas é desejável e provável que qualquer que seja o caminho ele deve passar pela intensificação da eletrificação do planeta.

quarta-feira, 23 de outubro de 2013

Megaflorestas para Manter a Vida

Estou na Indonésia para reunião de líderes das agências florestais dos países com maior área florestal do planeta, como Rússia, Brasil, Canadá, Estados Unidos, China, Congo, Indonésia, Peru e Austrália. Juntos representam quase 70% da área florestal do planeta.
Os grandes maciços florestais têm importância crucial para manter a vida no planeta e principalmente regular o clima. São responsáveis por 2/3 da formação das nuvens que precipitam sobre os continentes e, portanto, provêem a maior parte de nossa água doce.
De todo carbono que emitimos para atmosfera, cerca de 28% são capturados pelas florestas, mais do que os oceanos (26%), que ocupam uma área 10 vezes maior.
O planeta tem cerca de 4 bilhões de hectares de floresta, sendo ¾ de florestas em zonas temperadas e ¼ em áreas tropicais, metade delas no Brasil.
A cobertura florestal vem diminuindo continuamente nos últimos séculos. Segundo dados da FAO, há uma perda anual líquida (áreas desmatadas x áreas reflorestadas ou recuperadas) da ordem de 0,2% da cobertura florestal por ano.
Neste ritmo, até o fim do século teremos perdido quase 1/4 das floretas remanescentes do planeta.
Uma perda desta magnitude resultaria em um colapso da disponibilidade de água para consumo humano, agricultura e geração de energia e um aumento de 10% na concentração de CO2 na atmosfera.
O grupo de líderes das agências florestais — não mais do que 20 pessoas — se reúne anualmente há oito anos com intuito de trocar experiências sobre os desafios que enfrentam, sendo o maior deles a sensibilidade das florestas às mudanças climáticas.
Se por um lado as florestas têm um papel crucial para sugar parte do carbono que estamos emitindo para a atmosfera, e este é seu lado heroico da história, por outro lado as florestas são vitimas das mudanças climáticas que têm aumentado de forma assustadora a intensidade, magnitude e frequência de pragas (como besouro do pinheiro) e de grandes incêndios florestais.
Estes fenômenos podem acelerar a perda da cobertura florestal e a efetividade de regulação climática das florestas.
Dependendo do cenário futuro de aumento de temperatura e concentração de carbono na atmosfera, as florestas reagirão de maneira diferente — e este é o dilema central dos gestores florestais que, por dever de oficio, têm que tomar decisões de manejo (plantar, colher, manejar, proteger...) que terão os resultados medidos décadas à frente, pelos seus sucessores.
Poucas profissões têm tão presente o sentido prático do cuidado com as futuras gerações.

Publicado em O Globo, 23/10/2013

sexta-feira, 18 de outubro de 2013

O último pedaço de bolo

Como dividir os últimos pedaços de bolo quando tem gente que já comeu várias fatias, outros que comeram só uma e ainda tem gente que nem chegou à festa? Este é mais ou menos o dilema do debate sobre limites de emissões de gases de efeito estufa (GEE) para evitar alterações climáticas graves para sociedade global.
balanço energético da Terra tende a um equilíbrio no qual a quantidade de energia que chega do sol (cerca de 340 Watts/m2) equivale à quantidade de energia que retorna ao espaço.  A interação desta energia com a superfície e o efeito de retenção de calor pelos gases de efeito estufa permitem que uma determinada quantidade de energia permaneça circulando na atmosfera e também manter a temperatura média do planeta em torno de 14-15oC. Sem esses gases, a temperatura média da terra seria de 18oC negativos (-18ºC).
É como uma caixa d´água com entrada de água na parte de cima. Se a saída de água estiver localizada no fundo, a água não será armazenada, mas se a saída da água estiver nos níveis superiores da caixa, ela encherá e será possível manter um determinado estoque.
Quando a concentração dos gases de efeito estufa aumenta na atmosfera, altera o balanço de energia que é refletido e, portanto, aumenta a quantidade de energia em circulação até que se estabeleça um novo equilíbrio. Esta perturbação do balanço de energia é chamada de forçamento radiativo (FR) e é medida em watts/m2. Quando o FR é positivo causa aquecimento da atmosfera, quando o FR é negativo causa esfriamento. Diferentes gases e materiais lançados na atmosfera têm efeito positivo (CO2, CH4 e N2O, entre outros) ou negativo (alguns aerossóis) no forçamento radiativo.
5º relatório do IPCC mostra que o aumento dos GEE na atmosfera, desde 1750, que ocorreu majoritariamente devido as emissões antrópicas – especialmente a queima de combustíveis fósseis – levou a um forçamento radiativo de 2,16 W/m2 e isso foi suficiente para levar ao aumento de +1oC  na temperatura média do planeta (+0,6 de 1880 até 2005).
Para estudar os possíveis caminhos das mudanças climáticas, o IPCC organizou estudos de quatro cenários de forçamento radiativo em 2100: 2,6 / 4,5 / 6,0 e 8,5 W/m2. Daí o nome dos cenários RCP2.6, RCP4.5 e assim por diante.  A partir destes cenários foi possível estimar os impactos no clima como aumento de temperatura, aumento do nível dos oceanos (que ao reter mais calor se expandem), derretimento de geleiras entre outros.
Conhecendo a trajetória e a relação entre a concentração de GEE na atmosfera e o forçamento radiativo, o IPCC foi capaz de estimar a quantidade máxima de emissões possíveis para que tenhamos chance de limitar o aumento da temperatura média do planeta.
Assim, o IPCC aponta que – para termos a chance de manter 66% de aumento médio da temperatura em 2oC em 2100 (2081-2100), comparado com 1880 (1861-1880), como definido nos objetivos da Acordo de Copenhague, o máximo de carbono a ser emitido na atmosfera no período é 1 mil GtC (bilhões de toneladas de carbono).  Isso porque o efeito é acumulativo, pois o carbono permanece por séculos na atmosfera.
tabela-tasso
Então este é o nosso orçamento de carbono para o período de 200 anos. Acontece que, se descontarmos o efeito da emissão de outros gases (200 Gt em carbono equivalente) e o que já foi emitido até 2011 (531 GtC), sobram apenas 271 GtC para emitirmos até o final do século. Isso dá uma média de 3 GtC ou 11 GtCO2 por ano, muito abaixo das emissões atuais de CO2 na casa de 35 Gt/ano (e crescendo).
Não sem motivo, este foi uma dos pontos mais duros do debate final sobre o Resumo para Tomadores de Decisão do primeiro volume do V Relatório do IPCC (AR5). Ao se tornar explícita a existência deste orçamento, cria-se uma pressão para que as partes da convenção (ou seja, os países membros) estabeleçam mecanismo para alocar tal orçamento de carbono no processo de construção do novo acordo internacional do clima, que poderá ser aprovado em 2015, definindo o caminho pós-2020.
Mas qual critério utilizar para dividir a porção do bolo que sobrou? Como incorporar as responsabilidades históricas do que já foi emitido? Como considerar as gerações futuras ou mais de 1 bilhão de pessoas que, hoje, emitem quase nada? Existem diversas possibilidades e todas guardam enormes desafios para que possamos atingir, ao mesmo, tempo eficácia e justiça.
No ritmo atual de crescimento de emissões, este orçamento de carbono será estourado muito antes da metade do século. Só reverteremos este quadro se conseguirmos alterar esta trajetória nos próximos anos. Criar as condições para esta reversão é o desafio central de todos envolvidos na negociação do novo acordo do clima, e ele certamente passa por enfrentar o dilema do último pedaço do bolo.

sexta-feira, 11 de outubro de 2013

Como febre acima de 40 graus

"Ninguém embarca em um avião com 5% de chance de não chegar ao destino”. Escutei esse argumento outro dia, de um comentarista cético, sobre o recente relatório sobre mudanças climáticas globais, porque, segundo ele, teria apenas 95% de certeza sobre a relação entre a emissão de gases de efeito estufa e o aquecimento global.

É uma analogia muito distorcida. Na verdade, o postulado é outro: “Ninguém subiria em um avião que tem 95% de chance de cair”.

O debate sobre Mudanças Climáticas voltou à cena com o lançamento, pelo Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), da primeira parte do 5º Relatório de Avaliação sobre as Mudanças Climáticas Globais. O relatório, um calhamaço de mais de mil páginas, trata da ciência do Clima, ou seja, do que está acontecendo, das causas das mudanças e dos cenários futuros.

A mensagem principal é direta: o Aquecimento Global sem precedentes (pelo menos nos últimos 800 mil anos) é um fato e as Emissões de gases de efeito estufa são a principal causa. As Mudanças Climáticas decorrentes afetam o nível do mar, a temperatura e a acidez dos oceanos, a extensão e a espessura do gelo nos polos e a disponibilidade de água na Terra. Para estancar esse processo, é preciso reduzir drasticamente as Emissões de gases de efeito estufa, sobre pena de chegarmos ao fim do século com aumento médio de temperatura do planeta em até 4,8°C.

Pode não parecer muito, mas, considerando que a temperatura média da superfície terrestre é de cerca de 14°C, um aumento de “apenas” 2°C é o equivalente a 15% mais. Proporcionalmente, corresponderia a um aumento de 5°C no corpo humano. Uma febre bem acima de 40 graus.

Nos oceanos, que absorvem mais calor, a temperatura média sobe menos; portanto, a média sobre os continentes será ainda maior e, com a variabilidade entre diferentes regiões, em alguns locais o aumento pode chegar ao dobro do aumento médio da temperatura do planeta.

O avanço dos modelos climáticos permitiu ao IPCC gerar mapas e análises específicas para as grandes regiões do planeta, e as notícias para o Brasil não são alentadoras, como já havia adiantado o relatório Avaliação Nacional sobre Mudanças Climáticas, publicado recentemente pelo Painel Brasileiro de Mudanças Climáticas. Em algumas regiões do país, o aumento da temperatura em 2100 poderia chegar próximo de 7°C, no cenário mais crítico, e a redução da precipitação beirar os 30% entre o Norte e o Nordeste.

Os impactos desses cenários serão objeto da segunda parte do relatório, a ser lançado em março de 2014, e as ações necessárias para mitigar as Emissões e evitar os piores cenários entrarão na terceira parte, a ser publicada no mês seguinte. As conclusões dessa que é a mais extensa, completa e profunda revisão do estado da ciência do Clima já produzida deve ser peça fundamental para informar e dar subsídios para que os tomadores de decisão nos setores público e privado estabeleçam ações para mitigar as Emissões e adaptar as nossas atividades, negócios, infraestrutura e todos os aspectos de nossas vidas para as Mudanças Climáticas contratadas para as próximas décadas.

Avanços importantes começam a acontecer em vários cantos do mundo, e o Brasil, que deu importante contribuição para redução das Emissões globais, com a queda do Desmatamento na Amazônia na última década, precisa enfrentar as contradições atuais que aparecem em várias frentes e fazem com que as Emissões de gases de efeito estufa dos demais setores (como agropecuária, energia, processos industriais e resíduos) caminhem no sentido inverso e subam mais que a média global.

A política de subsídio à gasolina e a reintrodução do carvão mineral na matriz energética são exemplos de que o Brasil está reduzindo de forma acentuada a proporção de energias renováveis em sua matriz (caiu de 45% para 42% em três anos), quando a meta era aumentar essa participação para 48% até 2020.

O processo de atualização do Plano Nacional sobre Mudanças do Clima, atualmente em curso, é excelente oportunidade para realinhar nossas políticas públicas à necessidade clara de reduzir Emissões e nos adaptarmos o novo cenário. Infelizmente, a primeira versão dessa atualização, colocada em consulta pública recentemente pela Casa Civil, está muito longe de garantir esse realinhamento. Ainda há muito trabalho pela frente. É preciso colocar a mão na massa já.

Publicado no Correio Brasiliense em 10/10/2013 

O Plano que não estava nos planos

Da série “já existe e você não sabia”: soubemos, esta semana, que o Brasil tem um Plano de Ação da Redução de Emissões de Gases de Efeito Estufa na Aviação, ou melhor, um Action Plan on the Reduction of Greenhouse Gas Emissions from Aviation porque ainda não existe uma versão em português do documento produzido pela ANAC – Agência Nacional de Aviação Civil. Este documento foi preparado para atender a recomendação da ICAO – Organização Internacional de Aviação Civil de 2010 para que os países membros preparem planos de mitigação de emissões.
O curioso no caso brasileiro é o contexto de preparação do plano. Embora o Brasil tenha uma Politica Nacional de Mudanças Climáticas com metas de redução de emissões – que inclui, entre seus pilares, a abordagem setorial – o plano de aviação do Brasil sequer faz parte do debate interno. Nas diversas instâncias de decisão e operação da política climática do país, a existência deste plano ou de sua gestação não foi debatida ou referenciada. No Fórum Brasileiro de Mudanças Climáticas, idem. Nem uma notinha de que o Brasil registrou este plano na ICAO. Aliás, nem mesmo os sites da Secretaria de Aviação Civil ou da ANAC fazem qualquer referência a esse Plano.
Na introdução do plano elaborado pela ANAC, há uma ressalva que explica que esse não é um dos planos setoriais tal como previstos na Lei 12.187 de 2009. A justificativa poderia ser o fato de o plano ser focado no transporte aéreo internacional, mas esse não é o caso. O Plano trata, corretamente, de todo o setor de aviação, nacional e internacional.
A ironia é que o plano que não estava nos planos é um dos melhores planos setoriais elaborados no Brasil para mitigação de emissões de gases de efeito estufa. Dos vários documentos elaborados no contexto da Comissão Interministerial de Mudanças Climáticas, apenas o da Agricultura se compara ao da aviação que apresenta diagnóstico abrangente e preciso das emissões setoriais, identificação das oportunidades de redução de emissões, definição de ações, metas e cronograma de execução.
Do ponto de vista do conteúdo, a equipe da ANAC está de parabéns pelo excelente trabalho! Do ponto de vista de processo e estratégia geral da governança do clima, mais um ponto de preocupação. Cerca de 2/3 das 16 milhões de t CO2 que, segundo a ANAC, foram emitidas pelo setor da aviação em 2010, se dão em voos nacionais e as ações de redução de emissões também são centradas em políticas no Brasil. Por isso, seria fundamental sua incorporação ao Plano Nacional sobre Mudanças do Clima, atualmente em processo de atualização e que, na versão em consulta pública, sequer menciona o setor de aviação.
COMO SE REDUZ EMISSÕES DA AVIAÇÃOAs emissões do setor aéreo acontecem, essencialmente, pela queima de combustível fóssil pelas aeronaves. Se um carro gasta 1 litro de gasolina para rodar 10 km, um avião de grande porte (mais de 100 passageiros) pode gastar 10 litros a cada Km voado, ou 3 a 4 litros por segundo (!).  O combustível chega a representar mais de 40% dos custos de uma empresa aérea.
Para reduzir as emissões das companhias aéreas, os fabricantes de aviões e turbinas e os órgãos reguladores da aviação e gestores da infraestrutura de aviação atuam em três frentes: (1). Melhorar a eficiência das aeronaves (ex. aerodinâmica e eficiência de turbinas); (2). Desenvolver biocombustíveis para substituir combustíveis fósseis (querosene e gasolina de aviação) e (3). Adaptar a infraestrutura de operações da aviação (ex. reorganização de rotas, descida planejada, coordenação de gestão do espaço aéreo).
A primeira frente é desenvolvida pelos fabricantes de aeronaves e turbinas, que são diretamente interessados em fornecer aeronaves com menor custo operacional e, portanto, mais competitivas. Já na frente de biocombustíveis e, principalmente, adaptação de infraestrutura e operação, é fundamental a articulação de politicas publica com governo e setor privado atuando de forma coordenada.
Em 2010, foi fundada no Brasil a ABRABA – Aliança Brasileira para Biocombustíveis de Aviação, que reúne as maiores empresas do setor aéreo (companhias aéreas, fabricantes de aeronaves e componentes) e empresas de tecnologia em combustíveis  para promover o desenvolvimento e a certificação de biocombustíveis sustentáveis para a aviação (veja reportagens indicadas no final deste post). Os primeiros voos com biocombustível feito a partir de pinhão manso já foram realizados.
Além de tratar dos biocombustíveis, o plano brasileiro de redução de emissões da aviação trata, também, da reformulação da gestão do tráfego aéreo para melhorar a performance nos procedimentos de decolagem, navegação, aproximação e aterrizagem, bem como melhorias na infraestrutura que permitem, por exemplo, reduzir o congestionamento do tráfego aéreo.
A FATIA DO PROBLEMAEmbora as emissões da aviação representem cerca de 2% das emissões globais de gases de efeito estufa (GEE), o setor tem potencial de crescimento por conta do forte aumento da demanda por viagens aéreas e em lugares de maior concentração de voos com Inglaterra, que chegam a 7%. Como parte importante do tráfego aéreo é internacional, existe maior dificuldade de alocação de responsabilidade territorial pelas emissões. Daí o tratamento setorial ser fundamental.
No inicio de outubro, após anos de intenso debate, os 191 países membros da ICAO fecharam acordo internacional para mitigar as emissões de GEE no setor de aviação.

sábado, 5 de outubro de 2013

Proposta de Atualização do Plano Nacional sobre Mudanças do Clima precisa ser revista

Até a última semana de outubro, a Proposta de Atualização do Plano Nacional sobre Mudanças do Clima (PNMC) está disponível para consulta pública no site doMinistério do Meio Ambiente. O documento original, publicado em dezembro de 2008, foi o primeiro a propor os elementos de uma estratégia para mitigação eadaptação às mudanças climáticas no Brasil e que serviu de base para que, um ano mais tarde, a Politica Nacional de Mudanças Climáticas fosse aprovada.
A partir do diagnóstico das emissões brasileiras de gases de efeito estufa, o PNMC apresentava um conjunto pequeno e coeso de objetivos estratégicos e metas para mitigação das mudanças climáticas e uma estrutura de medidas e estudos a serem implementados que permitisse a compreensão dos impactos dessas mudanças no Brasil e a preparação de estratégias de adaptação.
Os objetivos para mitigação das emissões eram bastante claros e, muitas vezes, com metas claras como, por exemplo: (i) Fomentar aumentos de eficiência energética com a meta de reduzir 10% o consumo de energia projetado para 2030; (ii) Zerar a perda líquida de cobertura florestal em 2015;
(iii) manter a elevada participação de energia renovável na matriz energética que era de 45,8% em 2008; (iii) reduzir as perdas não técnicas de energia de 22 mil GWh/ano para 1 mil GWh/ano em 10 anos (2008-2017); (iv) aumentar o plantio anual de floresta para 1 milhão de hectares até 2011; e
(v) fomentar o aumento sustentável da participação dos biocombustíveis na matriz de transportes nacional; entre outras.
Entre 2009 e 2013, após a aprovação da Lei da Política Nacional de Mudanças Climáticas e o seu decreto regulamentador, a publicação do 2º Inventário Nacional sobre Mudanças Climáticas - e, posteriormente, a elaboração dos Planos Setoriais de Mitigação e Adaptação às Mudanças Climáticas -, foi decidido pela Comissão Interministerial sobre Mudanças do Clima que o Plano Nacional sobre Mudanças do Clima deveria ser revisado para refletir os avanços dos anos anteriores.
Em 2012, foi dado início ao processo de revisão que acabou sendo rebatizado de atualização do Plano Nacional sobre Mudanças do Clima. Alguns estudos preliminares foram contratados e diálogos setoriais realizados antes de se elaborar a versão preliminar da atualização do plano que entrou em consulta pública na última semana de setembro.
Apesar do esforço de consolidação do documento, o resultado é decepcionante. Ele apresenta atualização das informações de contexto, mas sem qualquer análise ou visão estratégica do significado do novo contexto e suas implicações para as ações de mitigação e adaptação para mudanças climáticas. Por exemplo, apresenta informações do 2º inventário nacional e das estimativas de emissões até 2010, mas não analisa a profunda mudança do padrão de emissões brasileiras desde a publicação do PNMC em 2008 (o desmatamento representava 2/3 das emissões e, agora, representa menos de ¼; ou o fato de as emissões de todos os demais setores (agricultura, energia, processos industriais e resíduos) crescerem de forma mais acelerada que a média mundial, ainda que tenhamos tido expressiva queda das emissões por conta da diminuição do desmatamento.
Embora mencione e descreva a existência da Rede Clima e do Plano Brasileiro de Mudanças Climáticas (PBMC), o Plano não faz menção a qualquer dado, resultado ou recomendação do 1º Relatório de Avaliação Nacional sobre Mudanças Climáticas Globais (RAN1), lançado no início de setembro (leia O que diz o 1º Relatório do PBMC). 
Ao PNMC foram incorporados os Planos Setoriais de Mitigação e Adaptação, mas sem que houvesse qualquer amarração transversal entre eles. Cada um segue lógicas e métricas diferentes e têm, principalmente, níveis de ambição muito discrepantes. Parece mais uma coletânea de Planos do que um Plano Nacional coeso e coerente.
As metas do PNMC foram alteradas e, na maioria dos casos, suavizadas ou reduzidas em ambição e, até mesmo, transformadas em objetivos genéricos (sem data ou parâmetro a ser alcançado). Por exemplo, a meta de “zerar a perda liquida da cobertura florestal até 2015” perdeu a data e, com isso, qualquer sentido de tempo e possibilidade de checagem de cumprimento.
Estas alterações não vieram acompanhadas de qualquer análise de desempenho desde a publicação do plano, em 2008, ou justificativas de qualquer natureza.
O texto é muito longo e descritivo. Perde objetividade e carece de tabelas e gráficos que o tornem mais acessível, prático e funcional.
Embora seja louvável o esforço de produzir uma versão atualizada do Plano Nacional sobre Mudanças do Clima, é fundamental que o documento sofra uma profunda revisão para que seja realmente um documento estratatégico, orientador de políticas públicas e balizador de ações e investimentos do setor publico e privado para que o Brasil cumpra com seu papel na mitigação e adaptação às mudanças climáticas.