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sábado, 11 de fevereiro de 2017

Água 4.0


Em um livro recente, o engenheiro David Sedlak da Universidade de Berkeley, descreve três revoluções pela qual passou o desenvolvimento de sistemas de água em centros urbanos. O primeiro foi a inovação romana de captar água potável e despejar esgoto fora dos centros mais populosos. Já a segunda revolução foi o tratamento da água para consumo eliminando micro-organismos patógenos e por fim a terceira foi a implantação dos sistemas de tratamento de esgoto.

Sedlak completa indicando a necessidade de uma quarta revolução da água necessária para enfrentar um conjunto de problemas bem atuais: a escassez de água em diversas regiões afetadas pelas mudanças do clima e consumo desproporcional, a capacidade de tratamento e a excessiva - e cada vez mais complex - contaminação química da água. Ainda poderia acrescentar a desigualdade de condições de oferta de água limpa em diferentes regiões do planeta devido aos custos envolvidos.

A coleta e tratamento de esgoto é absolutamente fundamental para a geração de um ambiente saudável no meio urbano. Porém, infelizmente, ainda é uma realidade muito distante do mundo em desenvolvimento. No Brasil, seguindo o Instituto Trata Brasil metade da população não conta com sistema de coleta de esgoto e só 40% do esgoto é tratado. Tratamento de esgoto exige infraestrutura cara de coleta, demanda espaço grande muita energia (cerca de 2 KWh/m3).

Outro desafio grande é a dessalinização da água para viabilizar o abastecimento em regiões de grande déficit hídrico. É um processo caro, em geral realizado por osmose reversa, onde a água empurrada em pressão por vários filtros com enorme consumo de energia (cerca 4 KWh/m3). Apenas como exemplo, em Fernando de Noronha a unidade de dessalinização da água chega a representar 50% do demanda de energia da ilha.

Existem várias inciativas no mundo que buscam soluções para acelerar, baratear e simplificar o tratamento de água e esgoto. Nos EUA uma startup chamada Janicki Bionergy desenvolveu o Omniprocessor, uma usina onde de um lado entra esgoto e do outro saem energia, água potável e cinzas fertilizantes e viralizou quando Bill Gates tomou um copo d’água que saia da usina.

No Brasil, outra startup - MoOmi (água limpa em Iorubá) - desenvolveu um sistema ainda mais inovador que separa a água das demais partículas do esgoto usando ultrassom, sem a utilização de produtos químicos ou decomposição bacteriana. O sistema é continuo e rápido o que reduz em 75% a área ocupada pelo sistema de tratamento. O consumo de energia é apenas 10% do que consome o sistema tradicional e os custos de implementação e operação caem pela metade. A primeira unidade operacional com capacidade de 240 m3/hora já funciona em Ubatuba no litoral paulista. O mesmo sistema pode ser utilizado para dessanilizar água com reduções no consumo de energia superiores a 95%. Por usar área menor e poder ser feita em diferentes escalas pode viabilizar redes de coleta de esgoto menos complexas e mais distribuídas facilitando a  implementação da infraestrutura de saneamento básico.

Mais um bom exemplo de inovações que podem acelerar o alcance das metas globais de desenvolvimento sustentável.

Publicado na Coluna Bússola de Épocao Negócios, Fevereiro de 2017

quinta-feira, 22 de janeiro de 2015

O que estamos fazendo com o clima?

2014 foi o ano mais quente desde que os registros sistemáticos começaram a ser feitos no século XIX. Os últimos anos foram de chuvas escassas na região sudeste e nordeste. O calor e a estiagem continuam e a ameaça de apagão elétrico e colapso do sistema de abastecimento de água em grandes centros urbanos, como São Paulo, é mais real do que nunca.
Neste verão de calor quase insuportável, o volume de chuvas tem sido menor do que o esperado, mas quando vem é na forma de tempestades que danificam casas e edifícios, interrompem sistemas elétricos e de comunicação e paralisam o transporte.
Frente ao estado geral de indignação, a reposta geral – seja municipal, estadual ou federal -, é muito parecida: a culpa é do clima. É a maior estiagem em décadas, são as ilhas de calor, são as chuvas de ventania fora do normal e por aí vai. Parece que todos buscam conforto numa espécie de catarse na qual seremos vítimas dos caprichos do clima.
Mas por trás dos eventos extremos do clima e da baixa resiliência das cidades e do campo para lidar com estas mudanças, estão os reflexos das nossas próprias ações. O clima está se alterando em nível global e local como resultado de nossas interferências. As emissões de gases de efeito estufa aumentam a energia armazenada na atmosfera e provocam aumento da temperatura média do planeta, mudanças nas correntes marítimas, alterações no ciclo de água e degelo e padrões das chuvas.
Nas grandes cidades, a remoção de áreas verdes e a impermeabilização do solopor concreto, asfalto e vidros espelhados provocam ilhas de calor e reduzem a permeabilidade urbana para absorver a água das chuvas, causando enchentes cada vez mais frequentes, seguidas de perdas monumentais de água que não se infiltram no solo.
desmatamento e a degradação de florestas no entorno de nascentes e cursos d´água reduz a infiltração das chuvas no solo até os lençóis freáticos e a recarga das bacias hidrográficas.
Ou seja, por traz de quase todos e cada um dos eventos climáticos sob os quais recai a culpa da falta d´água, enchentes e cortes de energia estão nossas próprias ações. Alguma dúvida de que o homem está alterando o clima? Somos ao mesmo tempo, vítimas e algozes.
As medidas paliativas urgentes são claras: economizar, ao extremo, energia e água e investir pesada e imediatamente na redução drástica de perdas de água e energia na rede entre outras.
Mas, ao mesmo tempo, é preciso investir em medidas estruturantes e urgentes como:
- reversão da impermeabilização urbana (ex. implantação maciça de tetos e áreas verdes, sistemas de captação e armazenamento de água da chuva),
- redução das emissões de gases de efeito estufa,
- aumento da segurança energética local (ex. enterramento da fiação e promoção da geração solar distribuida); e
- restauração florestal nos mananciais que abastecem os principais centros urbanos.
Tem trabalho para todo mundo e este deveria ser prioridade imediata para os setores públicos e privados e para toda a sociedade civil.

Publicado no Blog do Clima - Planeta Sustentável em 22.01.2015

quarta-feira, 26 de março de 2014

Pedindo Água

Em 2009, durante as reuniões preparatórias para a Conferência de Clima de Copenhague (COP-15) com o presidente e os ministros, um dos mais importantes argumentos que justificaram a importância de termos metas de redução de emissões de gases de efeito estufa foi a nossa vulnerabilidade às mudanças no regime hídrico em cenários de aumento da temperatura média global superior a dois graus.

Uma apresentação preparada pela equipe do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) alertava para impactos intensos e abrangentes como o recrudescimento dos períodos de seca no Nordeste brasileiro, a possível perda de até 30% do potencial de geração das hidrelétricas existentes na Região Sudeste, insuficiência de água para abastecimento em grandes metrópoles e perda de potencial de produção agrícola.

Muito antes do que se imaginava, estamos vivendo todos estes impactos de uma só vez. O rebanho bovino foi reduzido em dois milhões de cabeças de gado no Nordeste em 2012 devido à seca, os reservatórios de água estão no nível mais baixo da história em São Paulo, as perdas de safras de grãos e frutas já estão sendo contabilizadas, e o sistema hidrelétrico está literalmente pedindo água. As consequências econômicas deste estresse podem ultrapassar os R$ 100 bilhões em 2013 e 2014.

Neste momento, o que mais se ouve é tratar o problema da escassez como uma fatalidade do clima, com o verão mais quente ou o período de estiagem mais atípico das últimas décadas. Mas o que já se demostrava em 2009 é que estes eventos serão cada vez mais reincidentes.

De fato, países com regimes hídricos muito menos favoráveis que o nosso, como Israel ou México, estão muito mais preparados para conviver com a escassez.

O problema não é a falta de água, mas a gestão sustentável deste recurso precioso. A aparente abundância de recursos hídricos nos tornou lenientes e dependentes do modelo linear de captação-uso-coleta de esgoto-retorno ao curso d’água. Este modelo não se sustenta, é fundamental um regime que aumenta a água em circulação no sistema através de sistemas inteligentes de recirculação, tratamento e reúso. Acima de tudo, devemos tratar a água como recurso escasso e promover a todo custo o seu uso eficiente. Precisamos resgatar e revitalizar a política nacional de recursos hídricos.

O tema da gestão da água ilustra o quão fundamental é a incorporação da sustentabilidade como princípio fundamental e inalienável das políticas públicas no Brasil. Este, sim, é um tema essencial para o debate eleitoral de 2014.

Publicado em O GLOBO em 26.03.2014

quarta-feira, 23 de outubro de 2013

Megaflorestas para Manter a Vida

Estou na Indonésia para reunião de líderes das agências florestais dos países com maior área florestal do planeta, como Rússia, Brasil, Canadá, Estados Unidos, China, Congo, Indonésia, Peru e Austrália. Juntos representam quase 70% da área florestal do planeta.
Os grandes maciços florestais têm importância crucial para manter a vida no planeta e principalmente regular o clima. São responsáveis por 2/3 da formação das nuvens que precipitam sobre os continentes e, portanto, provêem a maior parte de nossa água doce.
De todo carbono que emitimos para atmosfera, cerca de 28% são capturados pelas florestas, mais do que os oceanos (26%), que ocupam uma área 10 vezes maior.
O planeta tem cerca de 4 bilhões de hectares de floresta, sendo ¾ de florestas em zonas temperadas e ¼ em áreas tropicais, metade delas no Brasil.
A cobertura florestal vem diminuindo continuamente nos últimos séculos. Segundo dados da FAO, há uma perda anual líquida (áreas desmatadas x áreas reflorestadas ou recuperadas) da ordem de 0,2% da cobertura florestal por ano.
Neste ritmo, até o fim do século teremos perdido quase 1/4 das floretas remanescentes do planeta.
Uma perda desta magnitude resultaria em um colapso da disponibilidade de água para consumo humano, agricultura e geração de energia e um aumento de 10% na concentração de CO2 na atmosfera.
O grupo de líderes das agências florestais — não mais do que 20 pessoas — se reúne anualmente há oito anos com intuito de trocar experiências sobre os desafios que enfrentam, sendo o maior deles a sensibilidade das florestas às mudanças climáticas.
Se por um lado as florestas têm um papel crucial para sugar parte do carbono que estamos emitindo para a atmosfera, e este é seu lado heroico da história, por outro lado as florestas são vitimas das mudanças climáticas que têm aumentado de forma assustadora a intensidade, magnitude e frequência de pragas (como besouro do pinheiro) e de grandes incêndios florestais.
Estes fenômenos podem acelerar a perda da cobertura florestal e a efetividade de regulação climática das florestas.
Dependendo do cenário futuro de aumento de temperatura e concentração de carbono na atmosfera, as florestas reagirão de maneira diferente — e este é o dilema central dos gestores florestais que, por dever de oficio, têm que tomar decisões de manejo (plantar, colher, manejar, proteger...) que terão os resultados medidos décadas à frente, pelos seus sucessores.
Poucas profissões têm tão presente o sentido prático do cuidado com as futuras gerações.

Publicado em O Globo, 23/10/2013