Dia desses passou um carroceiro em minha rua com uma máquina
de escrever a caminho da reciclagem como plástico e ferro. Por R$ 20, arrematei
a preciosidade e dei-a de presente para minha filha Clara, então com 4 anos.
Ela fuçou daqui e dali, testou, observou e concluiu: “Muito legal pai, este
computador já vem com impressora!”
Toda vez que a Clara vê uma tela, seu impulso é tocar e
interagir. Muitas vezes, lendo um livro para ela dormir, Clara pede coisas do
tipo:
— Pai, pega lá o iPad e me mostra uma foto da Malala
quando era pequena?
Para ela, as telas sensitivas, a busca na internet ou o
computador como interface para produção de conteúdo são quase nativos na sua
concepção de mundo.
O que serão os conceitos nativos da geração dos filhos
da Clara? Penso nisso enquanto observo a instalação do sistema de painéis
fotovoltaicos em casa, sob o olhar curiosos dos passantes. Em pouco mais de um
dia, a equipe de quatro pessoas liderada por uma jovem engenheira elétrica
instalam um sistema que proverá por 25 anos toda a energia elétrica que consumo
em casa e no escritório.
Algumas coisas são mais fáceis de imaginar. Em um par de
décadas, a autoprodução e o armazenamento de energia (solar, eólica,
resíduos...) serão tão naturais como é hoje ter acesso à internet. Os veículos
elétricos serão o padrão, motor a combustão será o modelo vintage, reciclagem,
reuso e ressignificado farão parte de nosso padrão de comportamento e economia
circular será intrínseco no nosso dia a dia. Também interagiremos com objetos e
equipamentos como se estivéssemos conversando com o vizinho e a produção
industrial será muito mais customizada e distribuída a partir da massificação
da impressão 3D, aumentando exponencialmente nossa eficiência.
Outras transformações são mais desejos que caminhos
óbvios. Nossa conexão facilitada nos tornará colaboradores nativos. Nossa
alimentação será mais saudável e retomaremos o contato com a natureza como
valor fundamental. Teremos acesso à educação de qualidade em qualquer língua
através de plataformas universais de aprendizagem.
Essas transformações do nosso modo nativo são essenciais
para vencermos o desafio dos objetivos do desenvolvimento sustentável, limitar
o aquecimento global e as mudanças climáticas e a garantir a proteção dos
recursos naturais essenciais à nossa vida.
Enquanto finalizo a coluna, Clara chega da escola no
momento em que a engenheira testa o sistema solar recém-instalado e dá seu
veredicto:
— Genial, papai! Igual ao carregador de celular do
parque, né?
Publicado em O Globo, em 28.10.2015