Em qualquer momento do dia, bate Sol na metade do planeta. Um terço de terra firme é formada por desertos, quase sempre em áreas de alta insolação. Com uma pequena fração desse território – não mais de 0,5% - dá para gerar, de forma contínua, eletricidade suficiente para atender toda a demanda atual e a projetada para o planeta em2050, considerando inclusive a eletrificação de quase todo sistema de transporte e a produção industrial. O problema fundamental para tornar viável esse potencial, é suprir a intermitência diária da energia solar na ausência do Sol. Para tanto, é preciso uma combinação deduas revoluções: no armazenamento e na transmissão de energia a longas distâncias. Quando ainda é noite na América já é dia na África e Ásia e vice-versa. Uma região do planeta poderia gerar a energia necessária em outras regiões e a transmitir entre os continentes da mesma forma como fazemos hoje com voz e dados por meio dos cabos submarinos. O problema é que sistemas de transmissão de energia tendem a perder muito em eficiência à medida que transportam mais energia entre maiores distâncias, devido ao aquecimento e consequente aumento da resistência. As perdas alcançam cerca de 3,5% a cada mil quilômetros. A mais longa e uma das mais eficientes linhas de alta tensão no mundo é a que liga as usinas do Rio Madeira ao Sudeste do Brasil, com 2,4 mil quilômetros por onde transitam 3,1 GW de energia por hora. Uma perda de 5% no trajeto representa 200 MW - oque dá para abastecer uma cidade de 1,5 milhão de habitantes. O desafio da transmissão intercontinental envolve cem vezes mais energia e o triplo da distância. A solução para isso está nos sistemas de transmissão com base em cabos de supercondutividade que, por operarem em baixas temperaturas, conseguem transmitir muito mais energia por polegada e com perdas menores de 1% a cada cinco mil quilômetros. O primeiro cabo operacional desse gênero foi instalado em 2014 na cidade de Essen, na Alemanha, ligando uma geradora ao centro de distribuição da cidade. Os cabos supercondutores possuem um engenhoso mecanismo de esfriamento com nitrogênio líquido que circula por dentro deles, como em um sistema de artérias e veias. O interior do cabo por onde transita a energia fica a menos de 200 o C, fato que reduz as perdas em mais de 90%, mesmo considerando a energia gasta para manter o nitrogênio líquido. Os cabos supercondutores representarão para a energia o que a fibra ótica representou para a transmissão de dados. Os primeiros cabos submarinos de fibra ótica foram instalados em 1988, ligando os Estados Unidos à Inglaterra. Em menos de três décadas, todos os continentes já estão interligados por mais de 280 cabos submarinos com quase um milhão de quilômetros de extensão. Assim, antes de 2050, o planeta terá um grid global interconectando todos os continentes e a eletricidade fluirá pela rede da mesma forma como hoje acontece com dados e voz. O sistema de armazenamento (tema para ser analisado mais detidamente em futuras colunas) ajudará a dar fluidez à energia em rede. Assim como acontece com dados, poderemos armazená-la em formas fixas ou móveis (exemplo: kits de baterias, em casa ou no carro), de maior ou menor capacidade, e em periféricos ou em nuvem. O Grid Global trará consigo oportunidades de geração de energia onde ela for mais limpa e barata, ao mesmo tempo que possibilitará a rápida expansão das fontes renováveis e uma espécie de phase out (uma eliminação progressiva) da produção e do consumo de combustíveis fósseis.
Figura:Diagrama de autoria de S. Chatzivasileiadis / ETH Zurich
Artigo Publicado na coluna Bússola da revista Época Negócios, Nov 2015