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quinta-feira, 22 de janeiro de 2015

O que estamos fazendo com o clima?

2014 foi o ano mais quente desde que os registros sistemáticos começaram a ser feitos no século XIX. Os últimos anos foram de chuvas escassas na região sudeste e nordeste. O calor e a estiagem continuam e a ameaça de apagão elétrico e colapso do sistema de abastecimento de água em grandes centros urbanos, como São Paulo, é mais real do que nunca.
Neste verão de calor quase insuportável, o volume de chuvas tem sido menor do que o esperado, mas quando vem é na forma de tempestades que danificam casas e edifícios, interrompem sistemas elétricos e de comunicação e paralisam o transporte.
Frente ao estado geral de indignação, a reposta geral – seja municipal, estadual ou federal -, é muito parecida: a culpa é do clima. É a maior estiagem em décadas, são as ilhas de calor, são as chuvas de ventania fora do normal e por aí vai. Parece que todos buscam conforto numa espécie de catarse na qual seremos vítimas dos caprichos do clima.
Mas por trás dos eventos extremos do clima e da baixa resiliência das cidades e do campo para lidar com estas mudanças, estão os reflexos das nossas próprias ações. O clima está se alterando em nível global e local como resultado de nossas interferências. As emissões de gases de efeito estufa aumentam a energia armazenada na atmosfera e provocam aumento da temperatura média do planeta, mudanças nas correntes marítimas, alterações no ciclo de água e degelo e padrões das chuvas.
Nas grandes cidades, a remoção de áreas verdes e a impermeabilização do solopor concreto, asfalto e vidros espelhados provocam ilhas de calor e reduzem a permeabilidade urbana para absorver a água das chuvas, causando enchentes cada vez mais frequentes, seguidas de perdas monumentais de água que não se infiltram no solo.
desmatamento e a degradação de florestas no entorno de nascentes e cursos d´água reduz a infiltração das chuvas no solo até os lençóis freáticos e a recarga das bacias hidrográficas.
Ou seja, por traz de quase todos e cada um dos eventos climáticos sob os quais recai a culpa da falta d´água, enchentes e cortes de energia estão nossas próprias ações. Alguma dúvida de que o homem está alterando o clima? Somos ao mesmo tempo, vítimas e algozes.
As medidas paliativas urgentes são claras: economizar, ao extremo, energia e água e investir pesada e imediatamente na redução drástica de perdas de água e energia na rede entre outras.
Mas, ao mesmo tempo, é preciso investir em medidas estruturantes e urgentes como:
- reversão da impermeabilização urbana (ex. implantação maciça de tetos e áreas verdes, sistemas de captação e armazenamento de água da chuva),
- redução das emissões de gases de efeito estufa,
- aumento da segurança energética local (ex. enterramento da fiação e promoção da geração solar distribuida); e
- restauração florestal nos mananciais que abastecem os principais centros urbanos.
Tem trabalho para todo mundo e este deveria ser prioridade imediata para os setores públicos e privados e para toda a sociedade civil.

Publicado no Blog do Clima - Planeta Sustentável em 22.01.2015

terça-feira, 4 de fevereiro de 2014

Vai sobrar petróleo - parte II

Na semana passada, sugeri em minha coluna no jornal O Globo que, nas próximas décadas, a demanda vai cair e vai sobrar petróleo e que, portanto, o imenso investimento que o Brasil faz nesta fonte de energia, no momento, poderia se tornar um mico.
Recebi vários e-mails comentando o artigo com perguntas e solicitações de mais elementos para sustentar minha “previsão”. Em geral, os leitores acharam que fui otimista demais, quase fazendo uma aposta.
Não sou futurólogo, mas apenas observo as evidências de transformação em curso. O mundo está se eletrificando porque é a forma mais eficiente de gerar, transportar, distribuir e consumir energia. De 1973 a 2011, a proporção da energia elétrica na matriz energética global dobrou, passando de 9% para 18% do uso de energia no planeta. No mesmo período de 30 anos, a participação do petróleo da geração de energia elétrica caiu de 24% para 4,5% e cresceu a participação das energias renováveis, do carvão e do gás. O uso do petróleo na geração de energia elétrica está se tornando marginal.
O principal uso do petróleo é no transporte, seguido do uso industrial e, por fim, sua utilização em prédios e construções (residenciais ou comerciais). Quase 60% do petróleo produzido no mundo é consumido pelo setor de transportes. Esse setor passa por transformações importantes nos padrões de eficiência, que já começam a surtir efeito no consumo de combustível, inclusive no país do automóvel – os EUA. Lá, o consumo de combustíveis para automóveis vem caindo desde 2009. Por outro lado, esse consumo para transporte nas economias emergentes continua a crescer.
Mas a principal revolução em curso no setor de transporte são os carros elétricos. Nos últimos dois anos, os avanços na produção dos veículos elétricos se mostrou super desrruptiva, quebrando vários tabus. Os carros elétricos da última geração são melhores que os automóveis a gasolina/diesel/álcool, em praticamente todos os aspectos: segurança, desempenho , economia, conforto, espaço etc. Mesmo no quesito autonomia, os veículos elétricos já estão se aproximando dos veículos a combustão e, dentro de poucos anos, já os suplantarão. Da mesma forma que não faz sentido comprar um carro que não seja flex no Brasil (uma invenção com pouco mais de 10 anos), em 15-20 anos não fará sentido não comprar carros elétricos, que vão dominar o mercado de carros novos.
Este mesmo fenômeno vai chegar ao transporte rodoviário de carga e de passageiros. Deve demorar um pouco mais, mas é inexorável pois os custos serão significativamente menores que os meios atuais e esta será a opção óbvia para os sistemas públicos e privados de transporte.
No caso da indústria, segundo maior usuário energético do petróleo, está em curso uma enorme transformação por conta do gás de xisto, que apresenta custos extremamente competitivos. As emissões de gases de efeito estufa (GEE) nos EUA estão caindo justamente por conta da substituição de petróleo e carvão por gás. A produção de gás de xisto avança também na Europa e no Canadá e começa a ser considerada em outras partes do mundo.
Resta a indústria petroquímica, especialmente de fertilizantes, plásticos e matérias-primas para indústria química. Este é o campo onde a revolução ainda não chegou, embora dezenas de bem sucedidas experiências avancem, como os plásticos produzidos a partir de biomassa (cana de açúcar) ou as biorefinarias.
No comércio e nas residências (terceiro principal uso do petróleo como energético), o mais importante fator de transformação é a penetração da energia solar que avança de forma galopante num ritmo sequer imaginado há 10 anos. Com a contínua queda de preços dos painéis fotovoltaicos e a chegada de novas tecnologias como os vidros semitransparentes fotovoltaicos – previstos para serem lançados comercialmente em larga escala dentro nos próximos anos -, a bola de neve vai se tornar uma avalanche.
Existem vários outros sinais, mas talvez um dos mais interessantes seja a enormidade de investimentos em curso no Oriente Médio em energia solar e eólica, bem como sistemas de armazenamento e gestão da distribuição de energias renováveis. Eles já visualizaram que o futuro está no domínio destas fontes.
E, assim, volto ao ponto levantado no primeiro artigo: por razões ambientais, sociais, tecnológicas e econômicas, a demanda por petróleo será reduzida e isso tem consequências importantes para o debate das prioridades de investimento no desenvolvimento do Brasil. Investir quase 1 trilhão de dólares na indústria do petróleo, e ainda a milhares de metros de profundidade no oceano, pode sim se transformar num tremendo mico.

Publicado em Planeta Sustentável - 04/02/2014