Cheguei a Vermont, no noroeste nos EUA, para uma reunião de trabalho sobre práticas sustentáveis em agricultura e floresta que acontece todos os anos nesta mesma época por conta do clima agradável e ausência de chuva que possibilita atividades ao ar livre, entre outros motivos. Mas os tempos são literalmente outros.
Assim que saí do aeroporto, ainda em Albany senti um bafo de calor e umidade similar ao que sentimos em Manaus ou Cuiabá nos primeiros meses do ano. No trajeto de uma hora e meia até a pequena fazenda onde ficaríamos, caíram duas chuvas fortes intercaladas por períodos de sol. Durante a noite, em meio a uma forte tempestade, um raio atingiu a casa em que estávamos, queimando o sistema de bombeamento de água, eletricidade e telefone.
Surpreso com os eventos, consultei o administrador da fazenda, que explicou: “Normalmente, um dia de tempestade como este acontecia a cada dois ou três anos, mas já aconteceram mais de cinco dias de tempestades ao longo deste ano”. Isso é suficiente para causar muitos prejuízos, especialmente nas estradas e ruas que não foram desenhadas para grandes quantidades de chuva, em espaços curtos de tempo.
Imediatamente, os membros do conselho – que vêm de diferentes países ou mesmo diferentes regiões dentro dos EUA – começaram a falar das mudanças de clima em suas regiões. Por toda parte são sentidos sinais de aumento de intensidade e frequência de eventos climáticos extremos.
Neste contexto, acompanho atento as apresentações, debates e materiais da
, que se realiza em São Paulo esta semana (até hoje), como por exemplo o que mostra um aumento de 268% de ocorrência de desastres naturais na década de 2000 quando comparado com a década anterior.
Embora o Brasil sempre tenha sido extremamente ativo na agenda internacional de mudanças climáticas, foi apenas em 2008 – com a criação da Rede Clima e do Painel Brasileiro de Mudanças Climáticas (PBMC) -, que se iniciou um esforço coordenado e concentrado para entender sua dinâmica especifica para o Brasil e suas diferentes regiões.
O PBMC (também conhecido carinhosamente como
) é formado por 345 pesquisadores brasileiros. Reúne todas as informações publicadas sobre mudanças climáticas que afetam o país, para montar um quebra cabeças que nos ajude a compreender as mudanças em curso e suas causas (em especial aquelas relacionadas à atividade humana) e, ao mesmo tempo, prever cenários futuros e os potenciaisimpactos sociais, econômicos e ambientais nas diferentes regiões do país. A partir destes cenários é possível propor estratégias para rever as ações humanas (exemplo: redução das emissões de gases de efeito estufa) para promover adaptações que nos preparem para as próximas alterações do clima.
Toda esta informação é reunida no Relatório de Avaliação Nacional de Mudanças Climáticas cuja
começou a ser lançada esta semana durante a 1ª. ConClima.
Para checar este avanço no Brasil foi fundamental o desenvolvimento do
(ou BESM – Brazilian Earth System Model). Os modelos climáticos estudam a dinâmica da atmosfera (ex: movimento das massas de ar pelo planeta), os oceanos (ex: dinâmica das correntes marinhas), superfície terrestre (ex. efeito da cobertura do solo na evapotranspiração) e a química da atmosfera (ex. reações químicas dos diferentes gases em diferentes momentos e seu tempo de vida) e suas interações com diferentes cenários de concentração de gases de efeito estufa.
A complexidade destes modelos está no fato de os processos e as reações serem, permanentemente, dinâmicos. São tantas as variáveis que, na prática, é impossível obter uma modelagem que represente com exatidão a realidade (por isso, as previsões do tempo nunca são perfeitas). O que os pesquisadores fazem é buscar representar as principais variáveis (ex. direção e velocidade as massas de ar em diferentes condições)e rodar os modelos para períodos de tempo passado (ex. duas décadas) e comparar os resultados de clima do modelo com os dados reais de clima ocorrido. Isso é feito para cada uma das quatro áreas (atmosfera, superfície terrestre, oceanos e química da atmosfera). Ao encontrar os modelos que representam melhor cada uma das áreas, eles são reunidos (compilados) e rodados conjuntamente para avaliar como um impacta o outro (ex. mudança da formação de nuvens em um modelo afeta a evapotranspiração em outro). As informações retroalimentam cada um dos modelos que são, então, aprimorados.
Mesmo com o objetivo de entender os efeitos das mudanças climáticas no Brasil, os modelos devem ser capazes de entender os processos em escala Global, dada a completa interconexão dos processos climáticos em todo o planeta.
Estes processos envolvem dezenas de milhares de linhas de programação (imagine que uma equação seja uma linha) em cada uma das quatro áreas, o que torna imensamente trabalhosa a sua programação e, ao mesmo tempo, demanda enorme capacidade de processamento. Em outras palavras, é preciso muito hardware e peopleware – ou seja, superequipes de pesquisadores e supercomputadores com milhares de processadores.
E é ai que entra o Tupã, um supercomputador com 30 mil processadores (um computador pessoal em geral tem um processador), que possibilita que os pesquisadores brasileiros rodem todos os modelos.
O BESM já faz parte do conjunto de modelos que compõem o 5º. Relatório do IPCC – Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas da ONU, que começará a ser lançado no fim deste mês, em Estocolmo.
O relatório brasileiro traz um conjunto enorme de informações valiosíssimas que precisa ser digerido e considerado de forma decisiva no planejamento e na implementação das politicas públicas em todas as áreas no Brasil: da educação à saúde, da energia à indústria, do saneamento à segurança pública, da conservação à produção agrícola.