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quinta-feira, 27 de agosto de 2015

'Tá Pelando'



Entrei no táxi em S Paulo e o motorista que aguardava do lado de fora entra, segura o volante e solta: “Pô, tá pelando aqui! Imagina no verão”.

É, e não é um fenômeno jabuticaba. A temperatura media do planeta foi de 16,6 graus no mês de julho, o que faz deste o mês mais quente já registrado desde que as medições começaram em 1880. Segundo a Administração Nacional para Oceanos e Atmosfera dos EUA (NOOA, na sigla em inglês), a temperatura média no período janeiro-julho indica que este será o ano mais quente já registrado, com quase 1 grau acima da média do século XX. Se confirmado, nada menos do que 15 dos 16 anos mais quentes desde 1880 terão acontecido neste início de século.

O aumento da temperatura foi maior no oceano que na superfície terrestre, o que é explicado pelo fenômeno do El Niño associado ao aumento do acúmulo de radiação na atmosfera ocasionado pela crescente concentração de gases de efeito estufa (GEE) na atmosfera.

Os impactos estão por toda parte, como secas prolongadas nos EUA, Brasil e Austrália, com perdas recordes para a agricultura e crise no abastecimento de água e ondas de calor que vitimaram milhares de pessoas na Índia e no Paquistão e pico de 40 graus na França, Alemanha e outros países na Europa.

E os recordes devem continuar a ser batidos nos próximos anos. O acúmulo de energia na atmosfera pode ser comparado a uma caixa-d’água na qual o acumulo de água depende da altura do ladrão (ponto de escoamento).

Na atmosfera, a quantidade de gases de efeito estufa determina o quanto de energia pode se acumular. Quando o ladrão de uma caixa-d’água está mais alto, ela passa algumas horas enchendo, antes de estabilizar o nível novamente. Assim funciona com a atmosfera, mas com um processo que leva décadas. Ou seja, os efeitos do acúmulo de GEE na atmosfera se acumulam e perduram por muitos anos.

Segundo os cientistas do IPCC, para que o aumento da temperatura global não ultrapasse dois graus até o fim do século (o dobro do que já aumentou — e com os efeitos que já observamos), temos que reduzir drasticamente nossas emissões de GEE até 2050 e, posteriormente, zerá-las o mais cedo possível.

Este é um esforço que não se faz sozinho. É global e exige a participação de todos e a liderança decisiva dos países que mais emitem GEE como China, EUA, Rússia, Comunidade Europeia e o Brasil (atualmente o sétimo emissor). Esta liderança será percebida nos compromissos e metas que os países aportam no novo acordo climático a ser fechado em Paris em dezembro.

Dos dez maiores emissores, apenas Brasil e Índia ainda não apresentaram suas metas de redução de emissões. O mundo aguarda ansioso por uma boa surpresa do Brasil.

Publicado em O Globo, 26.08.2015

segunda-feira, 18 de agosto de 2014

A revolução em curso na meteorologia: mais precisa, antecipada e abrangente


blog-do-clima-metereologia-agosto2014A crescente ocorrência de eventos climáticos extremos tem provocado prejuízos econômicos, sociais e ambientais enormes como verificado no Atlas Global de Mortalidade e Perdas Econômicas por Extremos Climáticos. Na última década, na média, ocorreu um evento extremo de grande magnitude por dia no planeta: 40% a mais que na década anterior.
A mudança destes padrões climáticos fortemente influenciados pelas atividades antrópicas tornou urgente o salto no entendimento das forças operando o clima de forma a resultar em previsões mais precisas, antecipadas e abrangentes.
Esta semana, entre 16 e 21 de agosto acontece em Montreal, no Canadá, a primeiraConferência Mundial Open Science de Meteorologia (World Weather Open Science Conference – WWOSC) que reúne mais de mil especialistas com objetivo de elaborar uma plataforma de estudo e desenvolvimento científico que permita aprimorar de forma marcante o entendimento de como surgem, para onde podem caminhar e qual a intensidade de furacõestempestadesciclonestufõesondas de calor ou calor entre outros eventos extremos.
Apesar da longa existência de organizações como a Organização Meteorológica Mundial* (um dos promotores do evento) e dezenas de outras organizações que trabalham para melhorar a ciência meteorológica, a iniciativa do WWOSC incorpora algumas inovações que podem levar esta ciência a outro patamar.
INTEGRAÇÃO ENTRE CIÊNCIA DO CLIMA E METEOROLOGIA
A previsão meteorológica avançou muito nos últimos 20 anos. Hoje, uma previsão de cinco dias é tão precisa quanto a de dois dias de décadas atrás. Mas, antes, a ciência do clima e a meteorologia caminhavam em separado. Como se a primeira estivesse dedicada ao entendimento dos grandes processos globais de longo prazo e, a segunda, concentrada nos processos de abrangência regional de curto prazo. Esta fronteira está desaparecendo e no WWOSC os dois campos trabalham juntos.
A capacidade de processamento de dados tem permitido dar maior especificidade e abrangência para os modelos climáticos globais, permitindo torná-los mais úteis e próximos das necessidades da previsão meteorológica de curto prazo. Modelos que demorariam semanas para ser processados, uma década atrás, hoje podem rodar em minutos.
ALÉM DOS PROCESSOS ATMOSFÉRICOS E OCEÂNICOS
O enfrentamento dos riscos associados a eventos extremos como os ciclones tropicais exigem uma semana de antecedência, portanto mais que as previsões de poucos dias. Entender o caminho que estes ciclones podem tomar é tão crucial como compreender onde podem ser formar.
Para isso, os cientistas começam a associar, em larga escala, o entendimento dos processos atmosféricos e oceânicos com a informação sobre a dinâmica da superfície terrestre. Entender como a presença ou ausência de florestas, os espaços urbanos e a infraestrutura podem afetar o caminho dos ventos, da nuvem e da chuva passa a ser tão importante quando conhecer a dinâmica das correntes de ar na atmosfera.
SISTEMA DE PREVISÃO GLOBAL CONTINUADA
Ao rodar modelos globais para aprimorar as previsões locais, associado a uma enorme quantidade de novos sensores e satélites e à alta capacidade de processamento de grandes volumes de informação, é possível ir além das previsões diárias sobre o clima num determinado período à frente (5-10 dias). Será possível estabelecer um sistema de previsão contínuo do tempo em todo o planeta, com atualização em tempo real. A qualquer momento, poderemos perguntar a probabilidade de um determinado evento climático ocorrer em qualquer ponto do planeta a qualquer tempo.
Estes avanços serão potencializados pelo espirito da pesquisa aberta (Open Science)que promove a colaboração direta entre diferentes grupos de pesquisa em todo o mundo com troca de experiências e informação durante o próprio processo de pesquisa, muito antes das publicações, acelerando o desenvolvimento dos produtos e serviços mais úteis ao propósito comum.
Estes avanços devem influenciar a Conferência Mundial sobre Redução de Risco de Desastres a ser realizada em março de 2015, em Sendai, Japão e certamente será uma enorme contribuição para os esforços de mitigação e adaptação as mudanças climáticas.

Publicado em Planeta Sustentável - 18.08.2014

segunda-feira, 28 de abril de 2014

Com tremendo esforço conseguiremos manter os 2ºC

Em um post recente comentamos que a 3ª parte do 5º relatório do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) sobre mitigação, lançado na primeira semana de abril, revisou mais de 900 cenários de emissões até 2100 para buscar possíveis caminhos para alcançar a estabilização e eventual redução da concentração de gases de efeito estufa (GEE) na atmosfera e limitar o crescimento da média da temperatura global. Mas o que são estes cenários e para que servem? É o que vamos tentar explicar neste post.
O Grupo III do IPCC estimou emissões e remoções antrópicas de GEE e identificou as principais fontes de emissão (ex. queima de combustíveis fósseis) e fatores que influenciam as mesmas (ex. tamanho da população, nível de eficiência energética). A partir destas informações foram definidas variáveis para compor cenários de emissões que incluem:
- crescimentos populacional e econômico
- demanda e eficiência energética
- penetração de novas tecnologias mais limpas
- intensidade de emissões na economia
- uso de fontes renováveis ou de baixa emissão na matriz energética
- perda ou ganho de biomassa – como desmatamento/ reflorestamento
- utilização de tecnologias de captura e armazenamento de carbono
- precificação do carbono
- políticas de subsídios
Estas variáveis são analisadas tomando em conta diversos setores como transportes, energia, mudança de uso da terra, agropecuária, construção civil e indústria.
A partir de combinações de valores de dezenas destas variáveis ao longo do tempo (por exemplo, a participação da energia solar na matriz elétrica global) foram estimadas trajetórias de emissões e remoções de GEE até 2100 e respectivas curvas deconcentração de gases na atmosfera (medida em partes por milhão – ppm – CO2eq). Cada uma destas combinações representa uma conjuntura analisada.
Estes cenários são então agrupados de acordo com a proximidade com as quatro trajetórias representativas de concentração de GEE (RCPs), desenvolvidas pelo Grupo I do IPCC – respectivamente RCP 2.6, 4.5, 6.0 e 8,5 W/m2, que correspondem a concentrações médias de 450, 650, 850 e 1370 ppm CO2eq. O RCP 2.6 é o que apresenta maior probabilidade de se manter o aumento de temperatura média global em até 2ºC e o RCP 8,5, no outro extremo, representa zero chance de atingir este limite.
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O primeiro conjunto de cenários gerado pelo Grupo III do IPCC tenta reproduzir o que seria a trajetória das emissões se nosso desenvolvimento seguisse a tendência atual, os chamados cenários tendenciais ou de linha de base. Foram desenhados cerca de 300 cenários (combinações das variáveis) tendenciais que apontam que as emissões acumuladas podem chegar a 4000 GtCO2 em 2100 e uma concentração de gases de efeito estufa na atmosfera de 730 a mais de 1300 ppm, portanto em linha com as indesejáveis trajetórias RCP 6.0 e 8,5.
A figura abaixo que aparece no resumo técnico do relatório mostra em tons de cinza o espaço ocupado pelas trajetórias dos cenários tendenciais:
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O segundo conjunto de cenários representa diferentes possibilidades de mitigação, seja reduzindo emissões ou aumentando remoções antrópicas. Foram testadas 900 situações para identificar alternativas compatíveis com os RCPs 2.6 e 4,5.
A figura abaixo ilustra à esquerda dezenas de trajetórias de emissões no período entre 2010 e 2030, retiradas de cenários compatíveis com RCP 2.6, enquanto à direita mostra que quanto mais altas forem as emissões em 2030 maior deve ser a redução anual das emissões no período seguinte para manter os cenários compatíveis com RCP 2.6, ou seja com limite de 2oC de aumento médio de temperatura.
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A figura também mostra onde estariam as emissões em 2020 considerando diferentes compromissos dos países no Acordo de Cancún. A boa notícia é que ainda é possível se manter no cenário de 2oC se os compromissos forem cumpridos. Por outro lado, a queda de emissões nas décadas seguintes deve ser na ordem de 4 a 6% ao ano, o que exige tremendo esforço considerando que atualmente crescem a cerca de 2% ao ano.
Na análise do conjunto de pouco mais de 500 cenários compatíveis com o RCP2.6, o IPCC conseguiu extrair pontos em comum das trajetórias de emissões que nos dão dicas preciosas do esforço que precisamos fazer para alcançar a meta de limitar o aumento de temperatura em 2oC:
- Todos os continentes do planeta devem reduzir substancialmente emissões frente ao cenário tendencial até 2100
- As mudanças de uso da terra devem representar, no agregado, remoções em larga escala de CO2 na segunda metade do século
- Os sistemas energéticos devem passar por uma revolução em larga escala que diminua drasticamente as emissões antes de 2050. Isso significa uma acelerada eletrificação do mundo (hoje é 20% da matriz energética global), combinada com adescarbonização da geração de energia instalada e encerramento da geração pela queima de carvão mineral
- O carbono terá valor – seja como taxa, imposto ou limite de emissão – e será disseminado pela economia
- Transferências de recursos, investimentos e tecnologias precisam ser feitas em larga escala para evitar uma distribuição relativa de custos de transformação proporcionalmente maior para os países em desenvolvimento. Estas transferências devem chegar na casa das centenas de bilhões de dólares anualmente.
- As emissões em 2030 terão enorme impacto nos desafios de se limitar em níveis de concentração de GEE na atmosfera compatíveis com 2º C. A vasta maioria dos cenários com custos viáveis indicam que as emissões em 2030 estejam entre 30 e 50 GtCO2e (atualmente já superam os 50 GtCO2eq e crescendo). Os cenários com emissões em 2030 mais próximos de 50 GtCO2eq consideram emissões negativas em parte da segunda metade do século, ou seja, remoções maiores que emissões.
- Grande parte dos cenários considera a aplicação e viabilidade de aplicação de tecnologias de remoção de carbono da atmosfera (CDR) em larga escala a partir de 2050
- A maioria deles desconsidera o uso de geoengenharia para captura de carbono ou interferência na radiação solar como parte da solução devido aos riscos e incertezas que acarretam.
Em resumo, o IPCC analisa inúmeros cenários de emissões para tirar lições das características das trajetórias, demonstrando que ainda podemos mitigar as emissões de gases de efeito estufa e limitar o crescimento da temperatura média global em 2oC. Exige um esforço tremendo, mas é possível de ser alcançado como revelam os cenários produzidos pela ciência nos últimos anos.
Este deve ser o pano de fundo para embasar o compromisso dos países e da sociedade global para formar o novo acordo global sobre mudanças climáticas em 2015.

terça-feira, 14 de janeiro de 2014

O frio do aquecimento global

O ano começou com recordes de frio e neve em boa parte dos Estados Unidos, batendo recordes negativos de temperatura em várias regiões que são monitoradas desde épocas tão antigas como 1870. Seria esta uma evidência de que o aquecimento global não está acontecendo?
E a ocorrência de um dos invernos mais quentes já registrados nos países nórdicos (Noruega, Finlândia, Suécia) seria uma evidência definitiva de que realmente o aquecimento global é real?
Nenhum evento climático tomado de forma isolado prova ou refuta a tese do aquecimento global e as respectivas mudanças climáticas associadas. Mudanças climáticas são representantes por alterações de padrões, médias e variações de ao longo dos anos. Mas as descobertas da ciência do clima nos últimos apresenta elementos que permitem relacionar estes dois extremos (recorde de frio nos EUA e calor no inverno nórdico) como exemplos do tipo de mudança climática relacionada ao processo de aquecimento global.
Mas como o aquecimento global poderia gerar recorde de temperaturas frias? O entendimento do funcionamento das correntes de jato (jet streams) apresenta a chave explicar este aparente paradoxo.
O ar se movimenta de acordo com as diferenças de temperatura que mudam a densidade do ar. O calor é energia que movimenta os ventos. Os ventos se movimentam na direção norte sul alimentados pela diferença de calor nas regiões tropicais, subtropicais, temperadas e polares. O movimento giratório da terra e a diferença de temperatura entre o sistema terrestre e oceânico provocam movimentos no sentido oeste para leste.  Esta movimentação é mais forte e predominante no extremo do hemisfério norte e forma as correntes de jato que ficam a 7 – 12 km de altitude.
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Nas ultimas décadas o aumento da temperatura média no planeta tem se verificado duas a três vezes maiores no extremo norte do que no restante do planeta. Isso faz com que a diferença de temperatura entre a região do polo ártico e as latitudes médias está diminuindo. A diferença de temperatura entre estas regiões é o que alimenta o vórtice polar – que são enormes massas de ar polar que circulam no sentido anti-horário na região polar.













Quando a diferença de temperatura cai enfraquece o vórtice polar e permite de um lado o ar frio desça para o continente de um lado e de outro suba o ar quente para regiões próximas dos polos. Com o caminho mais longo as massas de ar se movimentam de forma relativamente mais baixa. Isso explica a forte massa de ar polar cobrindo grande parte dos Estados Unidos com recorde de temperaturas baixas de uma lado e no outro lado a massa de ar subtropical provocando aumento não-usual de temperatura no extremo norte da Europa.
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O fenômeno de frentes frias de origem polar adentrar os continentes não é novo, mas a sua intensidade e frequência que tende a aumentar como efeito do aquecimento global.  O fenômeno tem efeitos tanto no inverno como no verão, neste caso causando extremos de chuva e de seca nos dois lados das correntes de jato onde há contato entre a massa de ar quente e frias.
Esta é a questão central das mudanças climáticas. O aumento da emissão de gases de efeito estufa aumenta a retenção de energia no sistema terrestre tanto nos oceano como na atmosfera. O efeito deste novo balanço de energia tem reflexos no sistema climático global, provocando aumento da intensidade, frequência e impacto de eventos climáticos extremos, inclusive de frio. O que estamos assistindo ocorre com o aumento de cerca de 1ºC na temperatura média do planeta verificada no último século. O que esperar se o aumento da temperatura média ultrapassar 2ºC? Melhor não pagar pra ver.

Imagens: justinwkern/Creative Commons; NASA; de:User:W/Wikimedia Commons

Publicado em Planeta Sustentável - 14/01/2014