quinta-feira, 21 de abril de 2011

A Lógica do Absurdo


Deveria ser motivo de grande comemoração a inclusão do debate sobre o Código Florestal Brasileiro como parte central da agenda legislativa brasileira. Infelizmente, os motivos que o colocam em evidência não são para comemoração. A proposta em discussão no Congresso, em vez de ampliar, reduz a proteção das florestas brasileiras.

Imagine uma reforma do Estatuto do Idoso que aumentasse a idade mínima para fins de passe-livre de 60 para 75 anos, e o argumento para tal fosse reduzir o impacto econômico nas empresas de transporte urbano. Absurdo, não? Pois esta é a lógica de argumentação que paira sobre a atual proposta de revisão do Código Florestal. Em vez de discutir como proteger as florestas pelo enorme serviço que prestam em relação à conservação da água, biodiversidade, solo e ar, o congresso discute como reduzir as áreas de proteção.

O Código Florestal estabelece no seu primeiro artigo, desde 1965, que "as florestas e demais formas de vegetação, reconhecidas de utilidade às terras que revestem, são bens de interesse comum a todos os habitantes do País, exercendo-se os direitos de propriedade, com as limitações que a legislação estabelece". Dentre as limitações impostas para garantir o bem comum, estão as chamadas Áreas de Preservação Permanente (APP) e as Áreas de Reserva Legal (RL). As APPs devem ser protegidas integralmente e as RLs devem ser mantidas com cobertura florestal permanente, embora possam ser exploradas economicamente sob regime de manejo florestal sustentável.

A discussão sobre as APPs ilustra o diapasão do debate. As APPs incluem as áreas de encostas, de topos de morro e ao redor de cursos d'água, todas com a principal função de proteger o solo e a água. Ao longo dos rios, as APPs são hoje definidas como uma faixa de, pelo menos, 30 metros em cada margem, e esta faixa aumenta conforme aumenta a largura do rio. De fato, esta área de proteção deveria se adequar a cada região de acordo com a declividade, tipo de solo e pluviosidade, podendo ser mais larga ou mais estreita, dependendo da situação. Partindo deste argumento, o relator propôs reduzir a área mínima de APP para 15 metros e apenas nos casos em que estudos específicos determinarem que a faixa mínima poderia ser aumentada. Ora, seria o mesmo que sugerir que a idade mínima para isenção de tarifa em ônibus seria 75 anos, e a gratuidade seria estendida caso a caso para maiores de 60 anos com base em laudo médico especifico.

Estudos recentemente publicados por pesquisadores da USP demonstram que, apesar de genérica e pouco específica, a faixa de 30 metros oferece proteção necessária na grande maioria dos casos, e sua aplicação integral afetaria menos de 1,5% da área de produção agrícola no Brasil. Com ganhos médios de produtividade da agricultura brasileira na última década acima de 3%, o impacto seria absorvido em menos de um ano.

Uma verdadeira atualização do Código Florestal, focada na manutenção das funções da floresta para o bem-estar da sociedade, levaria a manter ou ampliar a área mínima de APP, e condicionaria a determinação de áreas maiores ou menores em estudos apropriados em sintonia com a Política Nacional de Recursos Hídricos e a política de conservação da biodiversidade.
Por outro lado, é absolutamente claro que as propriedades rurais devem ser viáveis economicamente para garantir a proteção das florestas, do solo e da água. Se as limitações impostas dificultam o balanço econômico de parte das propriedades, em especial aquelas menores, em locais mais sensíveis, de relevo mais movimentado e com mais cursos d'água, é preciso estabelecer mecanismos que compensem o equilíbrio econômico destas propriedades - não pela redução da proteção do bem de interesse comum, mas pelo reconhecimento e pagamento pelos serviços ambientais que as propriedades cumprem em proteger este bem de interesse comum.
Este deveria ser o foco dos debates do Código Florestal: ampliar a proteção das florestas e aprovar um marco regulatório para o reconhecimento e pagamento pelos serviços ambientais.

Artigo publicado em O GLOBO em 20/04/2011