quarta-feira, 29 de outubro de 2014

Retomar o Rumo

Passada uma das mais inusitadas e disputadas eleições dos últimos tempos é hora e partir para ação. Na agenda de sustentabilidade isso significa recuperar o tempo perdido. Os últimos quatro anos não foram bons para esta agenda, com inúmeros retrocessos, paralisias e caminhos em círculos. Não é hora de lamentar o passado, mas de apontar para frente e acertar o rumo.
Ficamos muito tempo vivendo em berço esplendido vangloriando-nos de um passado de conquistas. Paramos de inovar e os retrocessos foram se consolidando. É preciso tirar o atraso de quase todas as agendas socioambientais
Dois conceitos precisam nortear esta retomada de rumo: constante inovação e a renovação das aspirações e nível de ambição.
Assim como o montanhista que, ao conquistar a alta montanha, contempla por alguns minutos, vive o momento e já na descida almeja a escalada da próxima montanha, assim deve ser com o nível de ambição com as metas em políticas publicas. É ótimo que tenhamos reduzido fortemente o desmatamento desde 2004, mas ainda somos o país que mais desmata no mundo e longe do segundo colocado. É preciso almejar zerar a perda de cobertura florestal.
Para alcançar metas cada vez mais ousadas, é fundamental inovar sempre. Os remédios e terapias aplicados para tratar de um problema de saúde vão sendo alterados conforme os primeiros vão dando resultado. Quando acertamos o instrumento de política pública e ele tem efeito, altera a realidade e os mesmos instrumentos tendem a perder a eficácia e precisam ser substituídos ou aprimorados por novas ideias. Inovar em política pública é tão importante como em qualquer setor na nova economia.
Como a presidente foi reeleita sem um plano de governo e com uma agenda enorme no campo da sustentabilidade a ser desenvolvida, proponho três metas em áreas chaves para inspirar o novo mandato: 1) zerar a perda de cobertura florestal no Brasil; 2) retomar e ampliar a proporção de energia renovável em nossa matriz energética; e 3) definir metas de curto, médio e longo prazo para a redução efetiva de emissões de gases de efeito estufa no Brasil e liderar um novo acordo climático global que assegure limitar o aumento da temperatura global em 2 graus C.

Muitas outras metas são necessárias em áreas como gestão de resíduos, recursos hídricos e conservação da biodiversidade. Mas, a compreensão cada vez mais clara da relação dos grandes maciços florestais e as mudanças climáticas com o regime de chuvas que atualmente colocam em risco a geração de energia, a produção de alimentos e o abastecimento de água possibilitam que a agenda de clima e florestas sirva de ponto de convergência para um pacto pela sustentabilidade que nos recoloque no rumo de um futuro mais próspero e justo para o Brasil.
Publicado em O Globo em 29.10.2014

segunda-feira, 20 de outubro de 2014

O ano mais quente da história, de novo

Nesta semana ocorrem dois eventos importantes para a agenda climática.
Em Bonn, na Alemanha, acontece a última reunião – antes da COP20, em Lima, no Peru – do Grupo de Trabalho que elabora as versões preliminares das bases para onovo acordo climático global a ser aprovado em 2015. O desafio do momento é apresentar uma proposta de decisão a ser tomada na próxima COP, em dezembro, que indique o formato e o mínimo de informações que devem ser apresentadas pelos países quando submeterem suas contribuições para redução de emissões de gases de efeito estufa (GEE), pós 2020, que são a base essencial do novo acordo.
Em Copenhague, na Dinamarca, o IPCC  (Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas, da ONU) se reúne para os últimos ajustes da 4ª é ultima parte do seu 5º Relatório de Avaliação das Mudanças Climáticas, o chamado Relatório Síntese a ser publicado na última semana de outubro.
As reuniões acontecem no momento em que as agências climáticas ao redor do mundo confirmaram o mês de setembro como o mais quente desde 1880, quando começaram a ser feitos esses registros. Não é um fato isolado. Abril, maio, junho e agosto já haviam batido recordes históricos de alta temperatura. É a primeira vez que o mês de setembro apresenta tão altas temperaturas sem a influência de um forte El Nino (que ainda não se faz presente e deve vir ainda no final do ano). No ritmo atual, 2014 terminará como o ano mais quente da história desde 1880.
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Os 10 anos mais quentes já registrados (média de temperatura global) aconteceram nos últimos 15 anos, sendo 7 nos últimos 10 anos. Não há dúvida, a temperatura média do planeta está subindo e acelerando.
São Paulo teve, neste mês de outubro, a maior temperatura registrada desde 1934 (quando se iniciou a série histórica). Todas as 10 maiores temperaturas registradas em São Paulo aconteceram nos últimos 15 anos e 7 foram nos últimos três anos (2012-2014).
Em algumas regiões do continente antártico, as temperaturas estão 10oC acima da média histórica, provocando degelos permanentes em glaciais antes considerados perenes.
A seca nas regiões sudeste, nordeste e centro oeste do Brasil ou na Califórnia e boa parte da costa oeste americana têm sido marcantes e colocam em risco a produção de alimentos, a segurança energética e a saúde das pessoas.
Abaixo, os gráficos do NOAA mostram as variações da temperatura nos meses de setembro, os dez anos mais quentes e a temperatura média global na terra e nos oceanos desde 1880:

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terça-feira, 7 de outubro de 2014

O desafio que nos dá o real sentido de humanidade

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Conferência de Estocolmo sobre Homem e Meio Ambiente, realizada em 1972, é considerada por muitos o ponto de partida de grande parte dos acordos e movimentos multilaterais sobre sustentabilidade.
Mas o conceito de desenvolvimento sustentável – como aquele que satisfaz as necessidades da geração presente sem comprometer a habilidade das gerações futuras satisfazerem as suas necessidades – foi cunhado em meados dos anos 80 no relatórioNosso Futuro Comum produzido por uma comissão internacional liderada pela então primeira Ministra da Noruega, Gro Brundtland, daí o relatório ser também conhecido porRelatório Brundtland.
Este relatório se tornou uma espécie de livro-texto ou referência histórica sobre os conceitos, princípios e diretrizes do desenvolvimento sustentável. Entre suas recomendações estavam:
- limitação do crescimento populacional;
- garantia de recursos básicos (água, alimentos, energia) em longo prazo;
- preservação da biodiversidade e dos ecossistemas, diminuição do consumo de energia e desenvolvimento de tecnologias com uso de fontes energéticas renováveis;
- aumento da produção industrial nos países não-industrializados com base em tecnologias ecologicamente adaptadas;
- controle da urbanização desordenada e
- integração entre campo e cidades menores e
- o atendimento das necessidades básicas (saúde, escola, moradia).
Foi com este pano de fundo na cabeça que, na tarde do dia 30 de Setembro, mediei debate com Gro Brundtland, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso e o presidente do Grupo Abril, Fabio Barbosa.
Gro veio ao Brasil para participar de conferência no programa Fronteiras do Pensamento, mas, antes e a convite de FHC, foi ao espaço da organização Comunitaspara conversar com lideranças brasileiras sobre a agenda do desenvolvimento sustentável em 2015, quando dois importantes eventos serão realizados no contexto internacional: a definição dos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável e o novo acordo climático global.
Gro contou um pouco de sua trajetória, mas focou sua fala na questão de mudanças climáticas, que julga ser o maior desafio enfrentado pela humanidade dada a dimensão de seus impactos. Foi enfática ao dizer que a principal ação a ser tomada para reduzir emissões é taxar as emissões. De fato, Visualizar blogquando primeira ministra da Noruega, implementou a taxa de carbono mais de duas décadas atrás. O país é o que mais baixou emissões na Europa, cumprindo com folga as metas do Protocolo de Kyoto.
Fabio Barbosa refletiu sobre os recentes estudos Nova Economia do Clima e o DDPP. Apesar dos estudos apontarem a real possibilidade de conciliar desenvolvimento com a descarbonização da economia os avanços são muito lentos, pois as condições regulatórias e politicas de incentivos são contraditórias, dando o exemplo do subsídio aos combustíveis fósseis na casa das centenas de bilhões de dólares.
O ex-presidente Fernando Henrique contou como se envolveu nos primeiros debates sobre desenvolvimento e meio ambiente em 1974, em um grupo liderado por Ignacy Sachs e a dificuldade de conciliar na diplomacia os interesses nacionais às necessidades planetárias, e fechou o debate afirmando que as mudanças climáticas são o desafio global que nos dão verdadeiro sentido de humanidade: afeta a todos e só pode ser resolvida por todos. Em uma frase deu o exato sentido de ameaça e oportunidade dasmudanças do clima.
Para mim, que nasci em 1972 e, portanto, sou da geração pós-Estocolmo, aquela que não tem desculpa da ignorância para não lutar por um desenvolvimento sustentável, participar do debate com Gro Brundtland foi como dialogar com o livro texto de minha formação. Uma tarde inesquecível.

Publicado no Blog do Clima de O Planeta Sustentável em 07.09.2014