segunda-feira, 30 de junho de 2014

Este poderá ser o ano mais quente já registrado

O mês de maio de 2014 foi o mais quente desde que as medições começaram a ser feitas, em meados do século XIX. A média de temperatura entre março e maio também é a maior registrada no período. Além disso, a evolução das temperaturas em junho aponta para um recorde neste mês. A constatação é observada nos principais centros meteorológico do planeta como NOAA (Administração Nacional de Oceanos e Atmosfera), nos EUA, e a Agência Meteorológica do Japão (JMA).
blog-do-clima-mapa-recorde-temperaturas-30062014
Paradoxalmente, no leste dos EUA – que iniciaram o ano com recordes históricos de temperaturas baixas -, as temperaturas têm estado abaixo da média histórica. É a única área continental no planeta que tem médias abaixo das históricas, o que explica o fenômeno da alteração do vórtex polar que tratamos em outro post – O frio do aquecimento global –, publicado em janeiro.
A precipitação também está abaixo da média e em situação crítica em várias regiões na América do Sul, Estados Unidos, Ásia e Austrália, para citar algumas regiões. O que faz o sinal de alerta subir mais ainda é o fato de ser esperado, para o final deste ano, o início de mais um El Niño, com aquecimento das águas do Pacífico, que alteram os fluxos das massas de ar provocando mais calor.
A temporada de incêndios florestais no hemisfério norte está começando mais cedo na primavera e terminando mais tarde no outono. Este pode ser uma dos piores anos também nesse aspecto.
A influência destes efeitos climáticos em turbinar conflitos latentes, como no caso da Síria, começaram a ser documentados nos últimos anos (ver documentário Years of Living Dangerously) e, recentemente, Bryan Merchant, Editor da Motherboard, chamou à atenção outro recorde recentemente registrado pela ONU: nunca houve tantosrefugiados de conflitos e desastres no mundo. Em maio, 50 milhões de pessoas encontravam-se nestas condições no mundo e esse número cresce rapidamente com a escalada dos conflitos no Oriente Médio e, em especial, no Iraque e Síria.
O Oriente Médio é uma das regiões do planeta que mais aqueceram este ano. Isso agrava de forma dramática a situação dos refugiados e as condições para seu atendimento.
De acordo com o IPCC, o aumento da temperatura média global desde o inicio da era industrial foi de 1ºC. Definitivamente, não podemos arriscar superar 2ºC. Mais um sinal do quanto são fundamentais os acordos e as ações para limitar as emissões de gases de efeito estufa (GEE) e a adaptação às mudanças climáticas.

quarta-feira, 25 de junho de 2014

Sol, vento e big data

As fontes de energia solar e eólica foram as que mais cresceram em potencial instalado de geração elétrica no planeta em 2013, e este acabou sendo o primeiro ano em que a capacidade instalada em 12 meses de fontes renováveis superou a das energias fósseis.
Mas a intermitência dessas fontes é um enorme desafio para sua expansão de forma ainda mais rápida e necessária. Como a incidência de sol e de ventos é inconstante e difícil de prever, os sistemas elétricos dos países e das empresas precisam contar com uma enorme capacidade de reserva para garantir a continuidade do fornecimento de energia. As principais fontes usadas para tal são as termelétricas e as hidrelétricas. Em ambos os casos, a manobra de regular o despacho de energia não pode ser feita de forma abrupta e instantânea.
No caso das termelétricas, isso significa mantê-las ligadas para poder, em caso de necessidade, responder rapidamente, gerando a energia suficiente para lidar com as variações de oferta nos sistemas eólico e solar.
Quando a parcela de energia eólica e solar é relativamente pequena, até 10% da energia gerada, este não é um grande problema, uma vez que as termelétricas e hidrelétricas estariam ligadas de qualquer maneira para atender a maior parte da demanda. Mas, quando este percentual sobe para 15% a 20% ou mais, manter as termelétricas ligadas para uma eventualidade passa a ser um fator de ineficiência significativo.
Para enfrentar este problema, engenheiros e climatologistas buscam constantemente formas de melhor prever as variações de radiação solar e vento para diminuir a incerteza da geração. Nos EUA, engenheiros de uma companhia elétrica e pesquisadores do Centro Nacional de Pesquisa Atmosférica (NCAR) passaram a coletar 24 horas por dia os dados reais de ventos que passam pelas milhares de unidades de aerogeradores da empresa e cruzam com as centenas de fontes de informações climáticas disponíveis no NCAR para gerar prognósticos de ventos sem precedentes, o que permite à empresa reduzir significativamente a necessidade de termelétricas ligadas como reserva.
A inciativa foi destacada recentemente pelo Massachusetts Institute of Technology (MIT) na lista anual que publica com as dez tecnologias mais disruptivas do ano. A atual capacidade de analisarmos um volume de dados colossal permite que os modelos sejam aprimorados ano a ano. Quanto mais cresce a instalação de energia eólica ou solar, mais cresce a precisão da previsão dos sistemas.

Este é mais um sinal de que a revolução das energias renováveis modernas veio para ficar.

terça-feira, 24 de junho de 2014

Matriz Energética Global

Há mais de seis décadas, um dos gigantes da indústria energética, British Petroleum (BP), preparara relatório anual sobre o estado da produção, consumo e mercado de energia no planeta. No recém-lançado relatório de 2014, o destaque é a lenta desaceleração global da demanda energética, mais acentuada nos países em desenvolvimento.
Em 2013, a demanda de energia global aumentou cerca de 2%, pouco menos que a média dos últimos 10 anos. Na Europa, depois de dois anos em queda de 1% ao ano (2011 e 2012), em 2013 a demanda aumentou 1%. Por outro lado, nos países em desenvolvimento o crescimento da demanda vem desacelerando desde 2010, quando cresceu pouco mais de 7%, e em 2013 cresceu menos de 3%.
Entre 2000 e 2013, a demanda de energia cresceu 38% e foi acompanhada do crescimento do consumo das fontes fósseis na mesma proporção (3%), sendo o crescimento mais acentuado para o carvão (70%), em especial por causa da China, e menos acentuado para o petróleo (17%). As energias renováveis tiveram crescimento de 81% no mesmo período, com destaque para solar (+14.000%), eólica (+2.000%) ebiocombustíveis (622%).
A participação das energias renováveis subiu de 7% para 9,3%, mas a participação das fontes fósseis permaneceu estável em 86%, isso porque a oferta de energia nuclear caiu 4% e a proporção na matriz energética global caiu de 6,3 para 4,4%. Ou seja, na última década, as energias renováveis têm ocupado espaço da energia nuclear e ainda não têm sido capazes de reduzir o consumo das energias fósseis.
tabela1-matriz-energetica-global-24062014
tabela2-matriz-energetica-global-24062014
Fonte: compilado com dados do BP Energy Statistical Review 2014

Como consequência desta evolução, as emissões de gases de efeito estufa no setor de energia cresceram 38% entre 2000 e 2013, chegando a 35 GtCO2 ou mais de 65% das emissões globais. A partir de 2011, as emissões começaram a desacelerar, mas ainda crescem cerca de 2% ao ano.
A previsão da BP para 2035 e de aumento de 40% da demanda de energia e maior crescimento das fontes renováveis, embora aposte que as fontes fósseis ainda dominarão o mercado (afinal é uma companhia de petróleo.).
Um fenômeno importante acontece nos Estados Unidos que, apesar de terem reduzido o consumo de carvão (que vai sendo substituído por gás de xisto), vêm batendo recordes de aumento de produção de petróleo que passou a ser produto de exportação. Os EUA poderão se tornar exportadores líquidos de petróleo na próxima década.
Apesar de este ser um cenário cruel, com contínuo aumento do consumo absoluto de combustíveis fósseis, existe um universo em transformação. As energias renováveis já superaram as fontes fósseis na capacidade instalada anual em 2013 e a proporção de energia elétrica na matriz continua a crescer anualmente, aproximando-se de 20% (nos inicio dos anos 80 era 10%).
Como não podemos nos comprometer com mais emissões, pois teremos que fazer redução drástica antes da metade do século, precisamos trabalhar para aumentar rapidamente a participação da energia elétrica na matriz global e continuar aumentando a participação das fontes renováveis. Esta inclusive é a aposta dos principais cenários de baixo carbono descritos no V Relatório do IPCC.

segunda-feira, 16 de junho de 2014

Um passo a frente para novo acordo de clima

conferencia-bonn-mudancas-climaticas-junho2014-tassoTerminou neste sábado, 15/6, em tom surpreendentemente otimista mais uma rodada de reuniões de formulação e negociação do novo acordo sobre mudanças climáticas que reuniu durante duas semanas, em Bonn, na Alemanha, delegados de 185 países, além de representantes organismos internacionais e mais de duas centenas de organizações não-governamentais. A rodada de reuniões aconteceu sob o impacto positivo das últimas iniciativas anunciadas na China e nos EUA, com compromissos unilaterais de mitigação de emissões.
Os dois países que respondem juntos por cerca de 1/3 das emissões globais de gases de efeito estufa (GEE) e sua movimentação durante o encontro parecem ter injetado uma pitada de otimismo com relação ao nível de ambição que pode ser alcançado no novo acordo global.
Apesar da realização de uma série de eventos paralelos como as reuniões do SBSTA (Subsidiary Body for Scientific and Technological Advice) e o SBI (Subsidiary Board of Implementation), as atenções voltaram-se principalmente para as reuniões do Grupo de Trabalho da Plataforma de Durban (ADP) que tem dois mandados: – desenvolver protocolo, outro instrumento com força legal nos termos da Convenção aplicável a todas as partes, para ser concluído até 2015, a fim de que ela seja aprovada na 21 ª sessão da Conferência das Partes (COP) e para que possa entrar em vigor e ser implementada a partir de 2020; e – identificar e explorar opções para fechar a lacuna de ambição das ações de mitigação até 2020 e a necessidade de redução das emissõesrequerida pela ciência.
O avanço das negociações e o clima favorável em Bonn permitiram acordar que uma primeira versão do documento – com a proposta de elementos para o novo acordo global de clima – seja proposta e apresentada para negociação pelos presidentes do grupo de trabalho em julho próximo, de forma que o debate possa ser adiantado e permita que, na COP20, a ser realizada no Peru em dezembro, possamos efetivamente chegar à estrutura e aos elementos do novo acordo. Um dos pontos fundamentais para se chegar ao acordo em 2015 é a compatibilização do nível de ambição dos países para contribuir com a mitigação das emissões, a adaptação e o financiamento das ações nos países em desenvolvimento.
Até 31 de março de 2015, os países devem submeter suas contribuições voluntárias de forma que se tenha tempo de avaliar a lacuna existente entre a soma das contribuições dos países e a necessidade prevista pelos cenários da ciência, descritos no 5º Relatório do IPCC, que terá sua última parte lançada em outubro próximo. Para que esta análise seja possível, é fundamental que as submissões dos países à UNFCCCsejam consistentes e comparáveis entre si e, portanto, é imprescindível que se acorde um conjunto de parâmetros de conteúdo e formato. Esta conversa começou a avançar nas duas últimas semanas em Bonn e os sinais são alvissareiros para um bom acordo sobre estes parâmetros, durante a COP20.
Outro destaque da semana em Bonn foram os eventos de debate sobre as ações que podem ser feitas pelas cidades e no uso do solo para mitigar as emissões. Neste tema, o Brasil se destacou, sendo o primeiro país a protocolar estudo completo sobre como medir a redução de emissões por desmatamento e degradação florestal.
Próximas paradas:
Cúpula do Clima promovida pelo Secretário Geral da ONU em setembro em NY;
- Lançamento da 4ª. e última parte do relatório do IPCC, em outubro;
- 3ª. reunião do Grupo de Trabalho da Plataforma de Durban (ADP), também em outubro, em Bonn; e
20ª Conferencia das Partes da Convenção Quadro sobre Mudanças Climáticas, a COP 20, em Lima em dezembro~
Foto: Adopt a Negociator/Creative Commons
Publicado em O Blog do Clima - Planeta Sustentável em 16-06-2014

quarta-feira, 11 de junho de 2014

Por que o Plano de Energia Limpa de Obama é tão importante (e insuficiente)

Quando, em junho de 2013, o presidente dos Estados Unidos Barack Obama lançou o seu Plano de Ação Climática (Presidente’s Climate Action Plan) criou grande expectativa sobre o seu real interesse de fazer acontecer ações ousadas para promover a redução de emissões no país que é o segundo maior emissor global de gases de efeito estufa (GEE) (pouco menos de 20% das emissões globais), atrás apenas da China.
Menos de um ano depois, veio a resposta com a publicação da proposta do Plano de Energia Limpa (Clean Power Plan) pela Agência de Proteção Ambiental dos EUA(EPA na sigla em inglês). No ano passado, essa agência já havia publicado resolução com as regras para aprovação de novas termoelétricas geradoras de eletricidade, limitando as emissões destas novas plantas aos níveis de intensidade de emissões de termoelétricas a gás. Com isso, praticamente inviabilizou os novos investimentos em termoelétrica a carvão mineral. A medida lançada agora trata das termoelétricas já existentes e, portanto, começa a tratar da redução das emissões da infraestrutura já instalada.
O documento de 645 páginas descreve toda a nova regulação para geradoras estacionárias de energia já existentes e tem, como meta geral, reduzir em 30% as emissões de GEE da geração de energia elétrica até 2030, quando comparada aos níveis de emissões de 2005. Em relação aos níveis de 1990, a queda em 2030 seria de cerca de 8%.
graficosetores2
O gráfico acima está na página 22 do Resumo Executivo do Inventário de Emissões de GEE dos EUA.
Como a geração de energia elétrica responde por cerca de 1/3 das emissões de GEE dos Estados Unidos, a redução comprometida (30% no setor de energia) equivale a 10% de redução das emissões totais. Um passo fundamental, sem dúvida, mas ainda insuficiente para promover redução de emissões necessárias para que o aumento de temperatura fique limitado a 2ºC. Esta redução precisaria ficar, pelo menos, entre 25 e 40% em relação a 1990. Mas é um bom início.
A implantação desta medida traz uma série de co-benefícios estudados pelas agências americanas, incluindo (i) economia de 95 bilhões nos serviços de saúde contra um investimento de menos de 10 bilhões para colocar o plano em curso e (ii) redução das emissões de poluentes locais associados a emissão de CO2 de combustíveis fósseis.
A importância deste movimento é o sinal que passa sobre o ambiente de negócios para os empreendedores e investidores que atuam no país. A direção que foi apontada é da redução das emissões e isso deve fazer com que os investimentos fluam para energias renováveis e outras soluções para reduzir emissões e devem gerar um ciclo virtuoso de investimentos e redução de emissões. Se ganhar tração, a redução de emissões em 2030 vai superar facilmente a meta estipulada. Vale lembrar que, entre 2005 e 2012, a queda das emissões já foi de 15% na geração de energia elétrica (2,45 para 2,06 GtCO2e), ou seja, metade da meta é, na verdade, conquista já alcançada.
UTILIZANDO A LEI DO AR LIMPO (CLEAN AIR ACT)
Impedido de aprovar novas leis no congresso americano sobre mudanças climáticas, o governo americano tem optado por agir através do EPA, que está autorizada a regular poluentes desde 1970, quando foi aprovada a Lei do Ar Limpo. Entre 1970 e 2012, a implantação da lei permitiu aos EUA reduzir em 72% as emissões totais dos seis principais poluentes locais (particulados, ozônio, chumbo, monóxido de carbono, dióxido de nitrogênio e dióxido de enxofre). Neste período, a economia americana mais que dobrou, a população aumentou 50% e o número de quilômetros rodados por veículos aumentou 170%.
Em 2007, a Suprema Corte Americana decidiu que os gases de efeito estufa poderiam ser regulados por meio da Lei do Ar Limpo e o então presidente George W. Bush orientou o EPA a iniciar o processo de regulação das emissões de fontes móveis de emissão (ex. veículos). Nos anos seguintes, uma série de regulamentos foi publicada pelo EPA e pelos estados para controlar e incentivar a redução de emissões de veículos (que representam cerca 30% das emissões de GEE nos EUA).
Em setembro de 2013, depois de um debate de dois anos, os novos padrões e limites de emissões para novas plantas geradoras de energia (ex. termoelétricas) foram divulgados. Finalmente, em 2014, os padrões para as plantas já existentes também foram divulgados. Com isso, os EUA já estão regulando 2/3 de suas emissões de gases de efeito estufa, efetivamente.
O vídeo abaixo explica o Plano de Energia Limpa de Obama.

quinta-feira, 5 de junho de 2014

Agências florestais públicas no século XXI

Forests
Impulsionar a mudança através da transparência, da reforma da estrutura fundiária, do envolvimento do cidadão e da governação melhorada.
Durante os últimos oito anos, os líderes das agências florestais públicas em todo o mundo, têm participado de uma notável série de reuniões convocadas pela Iniciativa de Direitos e Recursos (RRI) em vários locais no mundo todo. Este grupo informal de altos funcionários, chamado Megaflorestais, discute os desafios e troca experiências sobre questões críticas que afetam as florestas e os povos delas, incluindo as alterações climáticas, as transições do mercado, a posse da floresta, a redução da pobreza e a governação pública. Visto que as agências florestais públicas controlam oficialmente cerca de 75% de todas as florestas em todo o mundo, situando-se a grande maioria desta área florestal em países Megaflorestais - Austrália, Brasil, Camarões, Canadá, China, República Democrática do Congo, Índia, Indonésia, México, Peru, Rússia e Estados Unidos - os contributos deste grupo podem fornecer uma visão global sobre a gestão florestal no futuro imediato e a longo prazo.
A reunião mais recente dos Megaflorestais, organizada pelo Ministério das Florestas da Indonésia em Outubro de 2013, discutiu "a arquitetura da governação florestal para o século XXI". Ao considerar este assunto, os membros dos Megaflorestais concordaram que as florestas e as exigências de seus povos serão diferentes no futuro, que as mudanças estão a ocorrer num ritmo significativamente mais rápido, e que são necessárias abordagens novas - e às vezes radicalmente diferentes - da governação
florestal.
O grupo resumiu o futuro das florestas no mundo como se segue:
Devido, em grande parte, ao desmatamento contínuo nos trópicos e as alterações climáticas, haverá menos florestas naturais nos trópicos e menos florestas expandidas na zona boreal, nas próximas décadas. Incêndios, pragas, secas e distúrbios climáticos relacionados serão muito mais frequentes. A expansão dos investimentos na mineração, agricultura e desenvolvimento de energia em áreas de floresta, levarão à construção de mais rodovias, ferrovias e dutos que cortam através das florestas naturais remanescentes. As florestas em toda parte serão mais jovens, mais simples em termos de estrutura, e mais fragmentadas. No geral, estas mudanças irão tornar as florestas muito mais difíceis de controlar e, em muitos aspectos, muito mais dispendiosas, os seus produtos serão menos previsíveis, afetando a potencial oferta para os mercados, o emprego, as condições de vida da população local e as receitas para os governos.
Os 80% das pessoas mais pobres do mundo, que vivem e dependem das florestas para a sua subsistência, serão os mais afetados por estas mudanças. Prevê-se um aumento das populações rurais na maioria dos países em desenvolvimento (embora não tão rapidamente como as populações urbanas). Tal como todas as outras pessoas, estas estão à procura de um futuro melhor. Muitos usam sistemas legais, políticos e de mercado para declarar e afirmar os seus direitos baseados na terra. Eles querem ter mais influência nas políticas que os afetam, tal como a posse da floresta, os regulamentos, os incentivos financeiros, e procuram novas oportunidades de comércio e de mercado. Na sua qualidade de detentores de direitos, eles esperam receber informações em tempo real e desempenhar um papel de colaboração - se não de liderança - na tomada de decisões.
Os mercados mundiais e nacionais de produtos florestais também estão a mudar rapidamente e de novas formas. Por exemplo, existe uma rápida mudança para as plantações como a principal fonte de fibra comercial; os mercados nacionais continuam a ser importantes em muitos países, mas continuam a ser largamente ignorados no desenvolvimento de políticas globais; há cada vez mais procura da madeira como energia e de produtos florestais não-madeireiros, tanto novos como tradicionais, incluindo os biocombustíveis e os novos produtos que utilizam a nanotecnologia; e existe um entendimento emergente quanto a necessidade de conservar as florestas naturais pelos seus serviços ecossistêmicos, tal como o fornecimento de água limpa. A procura de áreas florestais é elevada, uma vez que são algumas das áreas mais férteis para outros usos. Alguns países ainda estão a resolver a maneira como irão atribuir as suas terras, entre florestas, agricultura e produção de energia, uma vez que contemplam a segurança alimentar e energética com populações crescentes.
A governação florestal deve transformar-se, em todo o mundo, para enfrentar estes desafios, e se tornará mais complexa. Muitas agências florestas públicas que operam hoje, incluindo as da Rússia e dos EUA, foram estabelecidas pelo menos há um século atrás e foram projetadas, em termos culturais e organizacionais, para tempos mais simples. Outras - tais como aquelas do Brasil e Peru - são novas e têm revisto as suas políticas e estruturas numa tentativa de refletir as tendências e necessidades contemporâneas.
No entanto, outras agências florestais públicas avançam com novas abordagens. Por exemplo, no mesmo ano em que o Serviço Florestal da província de Columbia Britânica, no Canadá, celebrou o seu centenário, o governo provincial integrou os seus inúmeros programas de recursos naturais numa única organização. Uma única agência da terra é agora responsável pela coordenação de "silos" governamentais dantes díspares, tais como a silvicultura, o desenvolvimento de energia, água e mineração. Esta reestruturação, talvez um prenúncio do futuro, relaciona-se tanto com o modo de alterar a forma de pensar e trabalhar das pessoas, como com a sua reorganização. A mudança para integrar o planeamento e gestão de recursos pretendia realizar uma maior eficiência e eficácia, encorajar a colaboração entre as partes interessadas, e alinhar com a "abordagem de uma única terra", comum nas comunidades.
Independentemente das diferenças nas agências florestais públicas - idade institucional, estrutura organizacional e até mesmo o sistema político em que operam - em todos os países Megaflorestais, acreditamos que os seguintes princípios são essenciais para orientar o futuro da governação florestal efetiva no século XXI. Esses princípios deveriam orientar as agências para além do trabalho que lhes é imputado pelas leis e regulamentos existentes para melhorar a gestão das florestas do mundo:
1. A transparência na governação é fundamental - Os dados sobre as florestas devem ser de acesso livre e fácil aos cidadãos. Os cidadãos devem ter uma voz na criação e adaptação de planos florestais, estratégias, leis e regulamentos que os afetam, e deve haver procedimentos claros e justos de reclamação para resolver as divergências. A licitação de produtos florestais provenientes de florestas de propriedade pública deve ser justa, aberta e competitiva. Os grupos comunitários e outras partes interessadas devem ter a capacidade de monitorizar ativamente o desempenho das agências que os servem. Os cidadãos exigem transparência e envolvimento e as novas tecnologias estão a torná-las ambas viáveis e, em última instância, impossíveis de negar. As agências florestais públicas podem tomar a iniciativa de envolver os cidadãos de forma eficaz e produtiva, demonstrando ao governo que tal envolvimento produz políticas e planos que são, ambos, mais duráveis e mais significativos para os cidadãos.
2. O esclarecimento da posse (direitos e posse da terra) deve ser uma prioridade fundamental dos governos - Em países com grandes florestas, as agências florestais públicas deveriam ser parceiros de boa vontade e líderes a mudarem as políticas relacionadas com a posse da floresta. Reconhecer os direitos das comunidades e dos povos indígenas é um passo essencial na promoção dos direitos humanos, no alívio da pobreza em áreas de floresta e na preservação da floresta. Irá inspirar a confiança do público e dos investidores. Em muitos países, os esforços para resolver as declarações à titularidade de florestas, locais, indígenas e mais amplas, estão no seu começo, mas os governos estão a conferir cada vez mais direitos a - ou a titularidade definitiva de - áreas florestais aos agregados familiares e às entidades locais e históricas. Isto conduz, muitas vezes, a resultados bem-sucedidos de gestão locais. Nestes casos, é importante acompanhar o reconhecimento dos direitos com os regulamentos adequados para incentivar o uso sustentável e a capacitação - tanto das comunidades como dos governos relativamente aos seus novos direitos e papéis. Em todos os casos, são necessárias novas políticas e capacitação para permitir que as pessoas aproveitem os seus novos direitos às áreas florestais. As agências florestais públicas devem ajudar a conduzir a transformação da titularidade e da propriedade florestal.
3. A governação inclusiva é necessária - As pessoas exigem ser envolvidas na governação florestal que as afeta. De forma igualmente importante, os sistemas governamentais que efetivamente envolvem os cidadãos na silvicultura tomam decisões mais fortes e sustentáveis, por causa da confiança e apoio que acompanham a governação inclusiva. As estruturas organizacionais, as políticas, os planos e regulamentos devem ser concebidos de maneira a envolver ativamente todas as partes interessadas - incluindo os proprietários privados de terras, os povos indígenas e as comunidades locais - na governação das florestas. As práticas de governação inclusivas incluem o uso de tecnologia para chegar aos cidadãos nas áreas remotas; a elaboração de normas que possam ser pronta- mente entendidas, implementadas e aplicadas; o envolvimento dos utilizadores da floresta na monitorização e fiscalização; e o estabelecimento de conselhos consultivos efetivos de cidadãos/partes interessadas ou de organizações semelhantes, para incorporar as perspectivas de grande alcance.
4. As agências florestais devem evoluir - As agências florestais públicas devem ser concebidas para responder às exigências dos cidadãos, às mudanças nas suas florestas e às tendências globais. Os seus líderes devem estimular a contínua melhoria e, às vezes, serão necessárias mudanças organizacionais dramáticas para estar em melhores condições para enfrentar as mudanças climáticas e outros grandes desafios que ainda estão por vir. Os líderes devem ser responsáveis, perante os cidadãos, pela eficácia e eficiência com que gerem as suas florestas e servem as pessoas. Muitas agências estão a considerar o modo de reestruturar para servir a crescente classe de novos proprietários florestais, e estão a deixar de se concentrar na gestão de terras públicas e a permitir a boa gestão das florestas pelas comunidades.
Um tema universal urgente é a necessidade de criar mecanismos efetivos para trabalhar em todos os ministérios que afetam terras florestais e incentivar políticas que promovam a gestão à escala regional ou da paisagem. As políticas nos sectores de mineração, água e agrícolas, muitas vezes contornam ou comprometem as políticas relativas às florestas e às comunidades dependentes da floresta. Tais políticas incompatíveis devem ser conciliadas para os países poderem gerir as suas florestas de forma sustentável e para enfrentar os desafios relacionados com a propriedade e os direitos às áreas florestais.
Enquanto as melhores abordagens são prováveis de diferir de um país para o outro, não se deve subestimar o poder de convocação das agências florestais públicas. Este poder pode ser usado para envolver, de forma proativa, outros ministérios relacionados com a terra, bem como os atores privados com os quais esses ministérios trabalham, para garantir que se tomam decisões racionais e transparentes sobre a terra e o uso da terra e que, no processo, os direitos dos cidadãos são protegidos. Formal ou informalmente, e com ou sem reformulações ou reestruturações organizacionais, devem-se prosseguir ativamente os processos de tomada de decisão intersetoriais inclusivos, mesmo quando estes possam ser muito difíceis na ausência de um forte compromisso político.
5. Os líderes florestais devem adquirir novas competências - Em todo o mundo, os líderes das agências florestais públicas enfrentam desafios diferentes de quaisquer outros que tenham enfrentado; eles devem aprimorar as suas competências e as dos seus funcionários para poderem liderar com eficácia. Hoje em dia operam num ambiente global, onde uma mudança na política ou nos regulamentos de um país pode ter impactos internacionais e até mesmo globais. Os líderes das agências florestais públicas devem, portanto, compreender as complexidades globais dos direitos humanos, das organizações comunitárias e empresas, do comércio global, das tendências emergentes em torno de novas tecnologias, dos mercados e das mudanças climáticas.
Para serem bem-sucedidas, as agências florestais públicas devem criar uma cultura inclusiva: precisam de ouvir (realmente) os cidadãos e eleitores. Os líderes das agências florestais públicas requerem, portanto, excelentes competências de comunicação, incluindo em contextos interculturais. Eles precisam de ter competências em envolvimento social/da comunidade e em colaboração e resolução de conflitos porque os cidadãos esperam e exigem cada vez mais uma voz eficaz no desenvolvimento de políticas florestais. Tais competências são essenciais para as agências florestais poderem estabelecer e manter relações positivas com os cidadãos e outras partes interessadas. Por sua parte, os Megaflorestais apoiam simpósios de capacitação para a próxima geração de líderes de agências florestais públicas e seminários sobre "repensar os regulamentos florestais", destinados a promover reformas regulamentares que apoiem melhor a mudança dos direitos
Autores deste Artigo
Tasso Azevedo, Ex-Diretor Geral do Serviço Florestal do Brasil
Boen Purnama, Ex-Secretário-Geral, Ministério das Florestas, Indonésia
Dale Bosworth, Ex-Chefe do Serviço Florestal dos EUA
Sally Collins, Ex-Vice-Chefe, Serviço Florestal dos EUA
Jim Farrell, Ex-Vice-Ministro, Serviço Florestal do Canadá
Keshav Kanel, Ex-Diretor Geral, Departamento das Florestas, Nepal
Doug Konkin, Ex-Vice-Ministro de Florestas da Colúmbia Britânica, Canadá
Juan Manuel Torres-Rojo, Ex-Diretor Geral, Comissão Nacional de Florestas, México
Megaflorestais
Os Megaflorestais são uma rede informal de líderes de agências florestais públicas dedicadas à promoção do diálogo internacional e do intercâmbio sobre as transições na governação florestal, na indústria florestal, e nos papéis das agências florestais públicas. O grupo inclui os chefes das agências florestais dos maiores países com florestas no mundo, e oferece a oportunidade para esses líderes para partilhar as suas experiências e desafios de forma franca e aberta. O objetivo do processo é promover relações mais fortes entre as agências florestais, fortalecer coletivamente as suas capacidades para desempenhar papéis de liderança na abordagem de governação florestal e questões florestais sustentáveis.
Membros incluem Brasil, Camarões, Canadá, China, Estados Unidos, República Democrática do Congo, Índia, Indonésia, México, Peru, e a Rússia.

Conheça mais sobre o Megaflorestais

Publicado no Brasilpost em 05.06.2014

segunda-feira, 2 de junho de 2014

Itamaraty lança processo de consulta sobre contribuição brasileira para o novo acordo climático global

Itamaraty acaba de dar o pontapé inicial no processo de consulta sobre as contribuições que o Brasil oferecerá para o esforço global de reduzir emissões de gases de efeito estufa (GEE) de forma a limitar o aumento da temperatura global em 2ºC.
Para que seja possível se chegar ao acordo global sobre mudanças climáticas naCOP21, a ser realizada em Paris em dezembro de 2015, uma série de marcos estão previstos para construir o acordo. Um dos principais é o envio para o Secretariado daConvenção de Mudanças Climáticas, até 31 de março de 2015, das contribuições nacionalmente definidas de cada país. Assim, será possível avaliar o quão distante a soma dos esforços estará da necessidade de redução de emissões necessárias para o cenários de 2ºC.
O processo de consulta, cuja chamada se encontra na íntegra abaixo, envolve duas etapas:
1. Será realizada pela internet onde os interessados podem responder ao questionário orientador e enviar suas contribuições de forma livre até o dia 18/7 próximo;
2. Esta fase terá inicio no dia 18/8 com a publicação do relatório das contribuições da primeira fase e a realização e uma série de consultas presenciais durante o mês de setembro. As contribuições pela internet poderão ainda ser enviadas até o dia 17/11/2015.
É curioso que a publicação do relatório final das consultas aconteça apenas em 17/4/2015, portanto, depois do prazo final para envio das contribuições brasileiras para a UNFCCC. Fato que precisa ser revista. De qualquer forma, trata-se de uma ótima iniciativa do Itamaraty.
Abaixo estão reproduzidos o calendário completo do processo de consulta e a íntegra da convocatória do Itamaraty. O documento de contexto preparado pelo Itamaraty pode ser visualizado em seu site.
tabela-560
Prezados,
Como é de seu conhecimento, estão em andamento negociações no âmbito da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (UNFCCC) de um novo acordo sob a Convenção, que entrará em vigor a partir de 2020. Nesse contexto, a 19ª Conferência das Partes na UNFCCC (COP-19, realizada em Varsóvia, Polônia) instou as Partes a iniciar ou intensificar as preparações domésticas de suas pretendidas “contribuições nacionalmente determinadas” ao novo acordo e a comunicá-las antes da COP-21.
As “contribuições nacionalmente determinadas” representam o pretendido aporte de cada país ao esforço global de combate à mudança do clima e deverão ter papel central na implementação do novo acordo sob a Convenção. Com o objetivo de subsidiar o processo de preparação da “contribuição nacionalmente determinada” que o Brasil levará à mesa de negociações, o Ministério das Relações Exteriores está coordenando uma consulta à sociedade civil brasileira, de forma a ampliar a transparência da preparação nacional e dar oportunidade a que todos os setores interessados participem e opinem.
A consulta será realizada em duas fases. A primeira fase será de consultas abertas, por meio eletrônico, sobre quais devem ser os elementos principais da contribuição brasileira, utilizando um questionário orientador. Com base nos aportes recebidos durante a primeira fase, será elaborado um relatório preliminar com indicação de possíveis opções de modalidades para a contribuição nacional brasileira. Na segunda fase, esse documento será submetido a novas consultas, por meio eletrônico e reuniões presenciais, para maior detalhamento de cada opção apresentada. A versão final do relatório subsidiará o processo de tomada de decisão, pelo Governo Federal, sobre a contribuição nacional que o Brasil apresentará nas negociações do novo acordo sob a Convenção.
Para participar, visite a página do processo de consulta.
Agradeceria a gentileza de divulgar esta mensagem e este link junto a colegas e entidades com interesse no tema.
Cordiais saudações,Everton Frask LuceroDivisão de Clima, Ozônio e Segurança Química Ministério das Relações Exteriores