quarta-feira, 29 de março de 2017

O grande disputa



Dias atrás foi lançado o Mapa Fundiário do Brasil, uma compilação de informações de 20 bases de dados oficiais, incluindo Incra, Funai, ICMBIo, Serviço Florestal, entre outros, que mostra a primeira fotografia sobre a ocupação e a posse das terras no país.

O mapa — produzido pelo Instituto de Manejo e Certificação Florestal e Agrícola (Imaflora), em parceria com o Laboratório de Geoprocessamento da Esalq/USP como parte da construção do Atlas de Agropecuária Brasileira — indica que 53% do território brasileiro constituem-se de terras privadas; 5%, de assentamentos; e 37%, de áreas públicas.

O mapa confirma que somos um país de grande concentração de terras nas mãos de poucos. Os grandes imóveis rurais privados perfazem a maior parcela do território, com 234 milhões de hectares, ou seja, seis vezes a área de assentamentos e mais do que o dobro da área ocupada pelos pequenos ou médios imóveis rurais.

Mas o fato que talvez chame mais atenção é a enorme área de terras públicas pertencentes à União e aos estados e sem destinação definida, ou seja, áreas que não são unidades de conservação, terras indígenas, áreas militares, unidades de pesquisa ou qualquer outra forma de uso definido. São 86 milhões de hectares em disputa, o equivalente a quase 20 vezes o Estado do Rio de Janeiro ou mais do que o dobro de todas as áreas envolvidas nos conflitos do Oriente Médio. 

Concentradas na Amazônia e com quase 80% cobertos por florestas, estas áreas encontram-se num limbo, ficando à mercê de ocupações ilegais, grilagem, violência e degradação ambiental. Da área total desmatada na Amazônia nos últimos anos, nada menos que 24% foram registrados nas áreas públicas não destinadas. A intensidade do desmatamento em áreas não destinadas é 60 vezes maior que em áreas publicas protegidas.

É fundamental promover a destinação para conservação e uso sustentável destas áreas, para que gerem produtos e serviços para a sociedade ao mesmo tempo que conservem a biodiversidade e a água e contribuam para o equilíbrio climático do continente.

Infelizmente, o governo e o Congresso Nacional têm feito o oposto, cedendo às pressões de invasores de terras publicas. Promovem a redução de unidades de conservação, revertendo a destinação definida e aumentando as áreas em disputa.

A se confirmar a desafetação (excluir da área de conservação ou “descriar” uma área), a mensagem que fica é que valem a pena a grilagem e o desmatamento ilegal. Péssimo sinal em tempos em que se pretende passar o Brasil a limpo com o combate à corrupção e às ilicitudes em geral.

Publicado em O Globo em 29.03.2017

terça-feira, 14 de março de 2017

Para Cima e Para Baixo


Um estudo da Rede Nossa São Paulo realizado em 2016 indica que o paulistano gasta em media 3 horas no trânsito (2 horas para o deslocamento principal – ir para trabalho ou escola e 1 horas para outros deslocamentos). Como pelo menos 8 horas do dia em média são usados para atividades insubstituíveis como dormir, ir ao banheiro ou comer, é possível dizer que quase 20% do tempo útil do dia dos paulistanos é gosto nos deslocamentos pela cidade. São dois meses e meio por ano perdido no transito.

Esta realidade é comum nas principais metrópoles do mundo e afeta deforma desigual ricos e pobres. Quando menos recursos e mais distantes do centro urbano mais tempo se desperdiça nos deslocamentos.

A mobilidade urbana se tornou um dos principais fatores de produtividade e qualidade de vida das cidades. Racionalização de vias, ampliação de corredores e vias exclusivas para transporte publico e bicicletas, automatização da sinalização e controle de fluxo ou medidas de desestimulo aos veículos individuais ajudam, mas não vão resolver o problema. É física pura, conforme as cidades se verticalizam com edifícios que abrigam milhares de pessoas por quadra não há como escoar o transito por vias em plano único nos momentos em que todos se deslocam nas manhas e finais de tarde.

A saída será verticalizar o sistema de transporte para cima e para baixo. Sim, já temos aviões, helicóptero e metrô, mas os modelos atuais ou são caros, ou pouco flexíveis e ou lentos para se expandir.

Algumas iniciativas recentes apontam que estamos prestes a romper paradigmas nesta área. Ainda em 2017 começa a funcionar em Dubai o primeiro sistema de transporte aéreo individual de passageiros utilizando drones elétricos e autônomos da Chinesa Ehang. O passageiro solicita o veiculo por um aplicativo e indicando o destino, o veiculo vem recolhê-lo e deixá-lo no destino final num raio de 20 km ao custo de uma corrida de taxi. Pelo menos dez outras startups estão trabalhando em veículos elétricos voadores para transporte rápido e barato nas cidades, inclusive a UBER (Uber-Elevate). O mais difícil nem é construir veículos viáveis, mas criar as regulamentações necessárias para segurança de vôos destes veículos.

De outro lado no inicio de 2017 Elon Musk, o fundador da Space X e Tesla e criador do conceito do Hyperloop (espécie de trem hiper-rápido que se movimento num tubo com semi-vácuo), anunciou que iria criar a empresa chata (‘The Boring Company’) para reinventar a forma de fazer túneis  Em síntese Elon quer aumentar a velocidade do chamado tatuzão – máquina que faz os túneis para metrô por exemplo – de pouco menos de 100 metros /dia para pelo menos 1 a 2 km/dia. Com isso seria possível construir rapidamente dezenas de níveis de túneis pelas cidades para passagem de metrô, trem, transporte de carga e carros.

Parece uma loucura, mas este é o mesmo maluco que em 2010 inventou de criar um foguete reutilizável e completou a façanha de pousar verticalmente um foguete já em dezembro de 2015.

Nas próximas duas décadas o transporte nos centros urbanos sofrerá uma transformação profunda, para cima e para baixo. Quem sabe assim recuperaremos várias semanas perdidas por ano no trânsito.

Publicado em Época Negócios em Março/2017