quarta-feira, 5 de agosto de 2020

Pandemia, fome e desmatamento



Depois de anos em ascensão, o desmatamento da Amazônia caiu de 27 mil km2 para 4,5 mil km2 entre 2004 e 2012, queda de 84% em oito anos. A partir de 2015 entrou em alta e chegou a 10,1 mil km2 em 2019, alta de 100% em cinco anos. As projeções indicam que em 2020 será maior.

A taxa de 15% de brasileiros passando fome em 1990 teve pequena redução até o início dos anos 2000 e passou por uma abrupta queda até 2014, quando saímos do mapa mundial da fome. Reduzimos em 82% em pouco mais de dez anos, chegando a 1,7% da população. Como o desmatamento, a população com fome entrou em tendência de alta desde 2016.

As curvas da evolução da pobreza, da fome e do desmatamento no Brasil tem o mesmo padrão: grande queda até 2012-14 e ascensão nos anos seguintes. E fenômenos que pareciam isolados agora se conectam com a pandemia de Covid-19: fazem parte do sistema agroalimentar, onde natureza, agricultura, alimento e saúde se interligam.

Sabemos que o desmatamento acentua as mudanças climáticas, que ameaça a produção de alimentos. Que a perda da biodiversidade aumenta o risco de pandemias e que 25% das doenças infecciosas e 50% das zoonóticas que contaminaram os humanos estavam associadas à agricultura. Além disso, os alimentos industrializados causam a morte silenciosa de outros milhões por doenças crônicas. A fumaça do desmatamento provoca doenças respiratórias nas cidades.

Não faltam exemplos do nexo virtuoso ou predatório do sistema "floresta-agricultura-comida-saúde". As conquistas da redução da fome e do desmatamento foram resultado de um conjunto de políticas públicas articuladas. Destacam-se o Fome Zero, o Bolsa Família, o Programa de Aquisição de Alimentos e o Programa Nacional de Alimentação Escolar, discutidos com a sociedade no extinto Conselho Nacional de Segurança Alimentar. O Plano de Ação para Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia Legal aumentou as áreas protegidas e a fiscalização, embargou áreas ilegais e liderou a queda do desmatamento.

Vale lembrar que neste período a economia cresceu e o Brasil se consolidou como um dos principais produtores de commodities agrícolas do mundo, enquanto fortaleceu a agricultura familiar. Não resolvemos os problemas da fome, do desmatamento e da desigualdade, mas pavimentamos o caminho.

Todo esse acúmulo foi jogado fora com o enfraquecimento dessas políticas. A Covid-19 apenas acentua a trajetória perversa em que entramos. E aponta a necessidade de políticas integradas para o sistema agroalimentar. Na pandemia chegamos ao paradoxo do aumento do desmatamento e da fome enquanto estamos perdendo alimentos no campo.

Estamos na rota de voltar ao mapa da fome (acelerado pela Covid-19), bater recordes de desmatamento e de emissões de gases de efeito estufa. Também estamos nos afastando de contribuir com os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, com o Acordo de Paris e abrindo mão do desenvolvimento do nosso país.


Tasso Azevedo & Luis Fernando Guedes Pinto, publicado em Opinião, Jornal Folha de São Paulo, 05.08.2020