quarta-feira, 31 de dezembro de 2014

O ano que definirá as próximas décadas

Em 1972 foi realizada, em Estocolmo, na Suécia, a Conferência Global sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, a primeira grande reunião a tratar da necessidade de harmonizar a proteção ao ambiente e o desenvolvimento e a alertar sobre a ameaça de mudanças do clima.

Quinze anos depois, em 1987, a Comissão Bruntland publicou o relatório “Nosso Futuro Comum”, que definiu o desenvolvimento sustentável como aquele que “atende as necessidades do presente sem comprometer a habilidade das futuras gerações de atender as suas".

No mesmo ano de 1987 começaram as tratativas que levaram à criação em 1988 do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), que publicou seu primeiro relatório sobre o estado do clima em 1990. Este foi uma das bases fundamentais para a construção da Convenção sobre Mudanças Climáticas aprovada dois anos depois durante a Cúpula da Terra realizada no Rio de Janeiro (Rio-92), onde também foram aprovados os Princípios do Desenvolvimento Sustentável (Princípios do Rio), a Agenda 21 (o plano de ação global que serviu de base para as Metas de Desenvolvimento do Milênio lançadas em 2000) e a Convenção da Biodiversidade.

Vinte anos depois, em 2012 a comunidade internacional decidiu dar novos passos e adotou, durante a Rio+20 e a Conferencia de Clima de Doha (COP18), uma agenda de trabalho que pretende culminar em 2015 com dois grande acordos: as Metas Globais para o Desenvolvimento Sustentável (MDS) e o novo acordo climático global para o período pós-2020.

A agenda de mudanças climáticas é talvez a melhor síntese do desafio da sustentabilidade. Os esforços para redução de emissões, redução das vulnerabilidades e adaptação às mudanças do clima têm profundos laços com a paz, saúde e bem-estar em todo o planeta nesta e nas futuras gerações. Estes esforços afetam e são afetados por questões políticas, econômicas, sociais, ambientais e culturais e só podem ser tratados em um contexto de metas claras para o desenvolvimento sustentável.

As decisões de 2015 vão demarcar o caminho a trilharmos nas próximas décadas. A posição do Brasil — sempre uma referência para o tema — precisa ser a mais ousada, inovadora e ambiciosa que se possa imaginar.

Não tem sido o caso dos últimos anos, mas o início de um novo mandato é bem oportuno para que se reverta o quadro.

Publicado em O Globo em 31.12.2014

segunda-feira, 15 de dezembro de 2014

COP20 em Lima: um passo tímido, mas para frente e na direção correta

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Já era madrugada de domingo (14/12) quando a Conferência das Partes da Convenção de Mudanças Climáticas da ONU (COP20), em Lima, programada para terminar dois dias antes, chegou ao final com aprovação do acordo intitulado Lima Call for Clima Action (LCCA).
O documento é positivo, certamente um passo a frente e na direção correta, mas também um passo muito tímido em relação ao nível de ambição necessário para onovo acordo climático global a ser “costurado” até a próxima COP em Paris, em dezembro de 2015.
O QUE SE ESPERAVA DA COP20
Em essência, esperava-se a definição dos elementos centrais do novo acordo climático global que será elaborado, em detalhes, em 2015 e os parâmetros mínimos para a apresentação das contribuições nacionais para mitigação e adaptação, a serem propostas no ano que vem pelas partes e que servirão também de base para o futuro acordo.
Em outras palavras, se fosse um empreendimento imobiliário seria o equivalente a fazer o croqui e as premissas básicas do projeto (área, localização, altura, uso, numero de unidades, serviços e prazos etc) e condições gerais de adesão (valor m2, modelo de financiamento, agentes financeiros etc).
Eis as questões centrais em jogo nestes elementos:
1. Definir o objetivo geral do futuro acordo (ex. reduzir as emissões em X% até 2050 ou convergir a trajetória de emissões para zona compatível que limite o aquecimento global em 2ºC);
2. Definir a inclusão ou não de adaptação e financiamento entre os compromissosdas partes no novo acordo;
3. Definir como serão diferenciados os diferentes grupos de países evoluindo além da diferenciação binária de desenvolvidos e em desenvolvimento; e
4. Ciclos básicos de meta/reporte/revisão para o novo acordo.
Estas definições são importantes como referência para que os países definam suas contribuições nacionais (INDCs) para o novo acordo pós-2020. Por exemplo, o país apresenta meta de redução de emissões para 2025, 2030 ou 2050? Inclui só compromissos de mitigação ou inclui outros temas como financiamento?
O QUE SE ALCANÇOU EM LIMA
O documento que descreveria os elementos do novo acordo global avançou apenas na primeira semana da COP20. Na segunda, ele não saiu do lugar. Com 37 páginas, odocumento está completamente em aberto e apresenta dezenas de várias opções para cada parágrafo. Acabou virando um anexo para informações no acordo de Lima (LCCA).
Na analogia do empreendimento imobiliário, seria o mesmo que anunciar empreendimento com especificações vagas: poderá ter entre 40 e 350 m2 e de 3 a 40 andares, localizado no Brasil, com vista norte, sul, leste ou oeste, e possível valor de R$ 1 mil a 30 mil por m2. Ou seja, pouco ajuda para que um possível investidor faça sua oferta.
O acordo em Lima é basicamente uma decisão para organizar os trabalhos de 2015 de tal forma que possam formar as bases para um acordo em Paris. O documento deixa claro que, com as ações e os compromissos hoje existentes, ainda existe uma lacuna enorme para se chegar a uma trajetória favorável que limite o aumento de temperatura em 2 ou 1,5ºC.
CONTRIBUIÇÕES NACIONAIS (INDCs)
Assim, o Lima Call for Clima Action conclama os países para que apresentem suas contribuições para mitigação e adaptação às mudanças climáticas pós-2020 até meados de 2015 (bem antes da COP em Paris) e sugere uma série de temas e conteúdos que podem constar da proposta, tais como metas, ano base e métrica, prazos de implementação, metodologias para contabilidade das emissões, entre outros aspectos. Define, também, que os compromissos devem necessariamente ampliar a ambição frente ao que já foi colocado na mesa.
Para as pequenas ilhas e os países pobres e menos desenvolvidos é dadotratamento diferenciado e mais flexível, no formato de suas contribuições. Na prática, é o primeiro movimento para diferenciar os países em desenvolvimento, até então tratados como único grupo com regras homogêneas apesar das enormes diferenças – em responsabilidades e capacidades – das grandes economias emergentes como China, Brasil e Índia e dos menos desenvolvidos. É um passo importante para viabilizar o novo acordo em Paris.
O documento ainda determina que o Secretariado da Convenção prepare relatório síntese até novembro de 2015, avaliando o efeito agregado das propostas de contribuições dos países apresentado ao longo do próximo ano (por exemplo, efeito na redução das emissões globais no médio e longo prazo).
FINANCIAMENTO
A inclusão do financiamento como parte dos compromissos obrigatórios dos países, quando se submeterem às INDCs, não foi alcançado e segue como fonte de discórdia, mas os debates sobre financiamento de longo prazo avançaram e, durante a COP20, se alcançou a captação de US$ 10,2 bilhões para o Green Climate Fund (GCF).
Entre os países que anunciaram contribuições para o GCF - além dos países desenvolvidos como Japão, Inglaterra e Alemanha -, estão países em desenvolvimento como Colômbia, Peru, Panamá, Indonésia e México, o que significa um corte na política de “esperar o outro agir para tomar posição”. As contribuições destes países cria constrangimento ético para que os países desenvolvidos e as grandes economias emergentes aportem recursos expressivos no fundo.
O texto de Lima traz referência preambular a questão de perdas e danos (loss and damage) associadas às mudanças climáticas, tema crítico para pequenas ilhas epaíses mais vulneráveis.
EM RESUMO 
resultado da COP de Lima – apesar de aquém do planejado e desejado– representa mais um impulso que mantém nos trilhos e no rumo certo o processo de negociação para possibilitar um novo acordo climático global, mas ainda com inúmeras incertezas e pontos abertos que darão enorme trabalho, ao longo de 2015, para que o acordo seja realmente ambicioso e efetivo.
Voltando, mais uma vez, à analogia do empreendimento imobiliário, não definimos as especificações, mas demos elementos para que os interessados digam, de forma geral, como gostariam de participar, além de prazo para que demostrem este interesse e se comprometam a ter o projeto pronto para ser assinado por todos até o final do próximo ano.
Poderia ter sido melhor, mas à luz do que aconteceu na COP14 (que antecedeu a COP de Copenhague), também poderia ter sido muito pior. A condução da presidência peruana, focada em buscar o resultado de forma aberta e transparente durante todo o curso das negociações, foi crucial para o sucesso em Lima. Serve de exemplo para os franceses que terão a difícil tarefa de liderar o processo em 2015.

sexta-feira, 12 de dezembro de 2014

Sobre uma grande negociação em Lima

Um amigo meu, que acompanha com interesse importantes negociações sobre um enorme empreendimento em Lima, com grande preocupação, me resumiu a situação e os avanços obtidos:

Estava acordado que o Investidor se comprometeria em se posicionar favoravelmente ao investimento, dentro de algumas premissas que estavam em negociação com o Empreendedor.

No momento, o que havia sido acertado era que o futuro Contrato teria uma redação com premissas básicas, ficando a definição do Empreendimento e as Condições para o investimento e prazos definidas em 2 Anexos. O Anexo 1 apresentaria as especificações e o Anexo 2 as condições de desembolso e prazos.

Meu amigo estava apreensivo e ansioso porque o que estava ate então acordado era que os imóveis que comporiam o empreendimento estavam definidos apenas em termos gerais no Anexo 1, com redação  tipo: "serão construídos segundo as boas práticas", "utilizarão materiais adequados", "respeitarão as exigências legais". Não havia definição de metragem, apenas que "as condições de habitabilidade e salubridade serão boas" e poderá Também dizia que “teria entre 5 e 50 mil m2 e entre 2 e 31 andares” entre outras “especificações”.

Como consequência, o Anexo 2 não precificava os imóveis e nem definia claramente as etapas de execução. Apenas dizia que "os imóveis deverão ser construídos dentro do cronograma" e que "os pagamentos serão feitos em parcelas e segundo os cronogramas definidos para a implantação dos imóveis".

Meu amigo via com expectativa o desenrolar e o avanço destas negociações, que, como ja era tempo do Natal, ficariam para 2.015.

A esperança dele era grande, reforçada pelo espirito do Natal e de renovação dos votos para o Ano Novo.

Torço para que o acordo final saia, assim meu amigo se acalma e o grande empreendimento acontece.

Ah! Devo esclarecer que este texto é uma  ficção e que qualquer semelhança com outras negociações aqui em Lima é uma mera coincidência.

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Baseado no relato de um amigo que encontrei em Lima.