terça-feira, 18 de outubro de 2016

Os reservatórios verdes

Jose Luciano Penido e Tasso Azevedo



Plantando florestas em areas degradadas podemos eliminar o uso de termoelétricas movidas a combustíveis fósseis no Brasil

O Acordo de Paris caminha para se tornar uma realidade nos próximos meses, com a ratificação por dezenas de países incluindo, além do Brasil e as duas maiores economias do planeta, Estados Unidos e China. O ritmo acelerado para entrada em vigor do acordo é tão fundamental quanto urgente para limitar o aumento médio da temperatura global bem abaixo de 2oC e assim limitar as mudanças no clima em nível tolerável à sobrevivência do ser humano na Terra.  

O Brasil foi muito relevante nas negociações que viabilizaram o Acordo de Paris, e apresentou uma meta ambiciosa de redução de emissões de gases de efeito estufa até 2030 alicerçada em compromissos específicos para os setores de uso da terra e energia.

Entre os compromissos brasileiros estão a recuperação, até 2030, de 15 milhões de hectares de pastos degradados e de 12 milhões de hectares de áreas de preservação permanente e reserva legal e por outro lado garantir 45% de energia renovável na matriz energética e 23% de fontes renováveis não hídricas na matriz elétrica.

Levantamento preliminar com dados do Cadastro Ambiental Rural indicam a necessidade de reflorestar mais de 20 milhões de hectares (cerca de 2,3% do território nacional) para atender ao déficit de áreas de preservação permanente e de reserva legal previstos no Código Florestal. 

Propomos que metade da área a ser reflorestada possa ser florestas de produção (em diferentes formatos).

As cadeia produtiva florestais tradicionais (como painéis de madeira e pepel e celulose) teria capacidade limitada para absorver a produção adicional de madeira de 10 milhões de hectares, em especial com a composição heterogênea das áreas de recuperação. Mas a geração e energia elétrica com biomassa pode ser uma oportunidade econômica para que tal reflorestamento aconteça de forma economicamente viável. 

Os limites para expansão da geração elétrica a partir de hidroelétrica de grandes reservatórios, associado a períodos de estiagem provocado por alterações climáticas que restringem a operação do atual parque hidroelétrico, tem levado o Brasil a investir em termoelétricas á carvão, óleo e gás para garantir a chamada geração na base. São fontes caras, poluidoras e de alta demanda de água. Esta escolha fez com que o setor de geração elétrica seja o que mais aumenta emissão de gases de efeito estufa no Brasil ao mesmo tempo que a tarifa de energia explodiu.

Termoelétricas movidas a biomassa, especialmente quando associadas a base florestal, contém todas as vantagens das termoelétricas de combustível fósseis como a geração continua e flexível de energia e ao mesmo tempo que são neutras na emissão carbono (tudo que emite foi capturado durante o crescimento da florestas antes) e sua cadeia de produção ajuda a proteção dos mananciais.

As vezes não se percebe que é o verde que produz o azul! São as florestas que protegem o solo, carregam as nuvens de vapor, favorecem a recarga dos aquíferos e estabilizam os ciclos da água, tão fundamentais ao consumo humano, à agricultura e à geração de energia.  

Sugerimos que o Brasil estabeleça como objetivo estratégico nacional substituir até 2050 toda a base instalada de UTEs movida a combustíveis fosseis por outras movidas a biomassa, em especial de florestas.  Em anos de boa chuva utilizaremos os reservatórios azuis e as florestas continuarão crescendo. Em anos de pouca chuva economizaremos a água, produzindo energia com a biomassa colhida das florestas plantadas.   Esta estratégia permitiria que o Brasil expandir a sua capacidade instalada de geração de eletricidade exclusivamente com fontes renováveis, especialmente eólica e solar, que teria sua intermitência  compensada e ajustada pelas termoelétricas a biomassa e hidroelétricas.  

O Plano inicial elaborado pela governo brasileiro para atender ao Acordo de Paris prevê 86 TWh por ano de geração termoelétrica a gás e carvão em 2030, isso equivale a geração média de 10,6 GWh.  Para garantir esta geração com termoelétricas a biomassa são necessários 3 milhões de hectares de floresta de produção, ou cerca de 25% da meta de reflorestamento do Brasil para o mesmo período.

Com 10 milhões de hectares plantados será possível gerar entre 30 e 40 GWh médio, o que permite ao Brasil banir a construção de novas UTEs movidas a combustíveis fosseis, e planejar o descomissionamento ou conversão de todas já instaladas nos próximos 30 anos.

Implantando as termoelétricas a biomassa florestal de forma descentralizada (ex. unidade de 100MW com 30 mil hectares de florestas) promoveriam produção, restauração, emprego e renda em centenas de municípios. A disponibilidade de vapor como subproduto será atrativo para se estabelecer novos polos industriais no interior do Brasil.

Este é um motor de desenvolvimento. Toda tecnologia de floresta e de UTEs a biomassa é brasileira e com custos em reais, o que fortalece  a nossa economia.

Uma série de instrumentos de politicas publicas podem ser utilizados para viabilizar os reservatórios verdes. Desde leilões específicos para UTEs a biomassa florestal dedicada, passando pelo mercado brasileiro de reduções de emissões de gases de efeito estufa (MBRE) ou os instrumentos de REDD+ (Redução das Emissões de Desmatamento, Degradação e promoção do Manejo Sustentável e Conservação Florestal).

Os Reservatórios Verdes trocarão as emissões de termoelétricas por remoções e captura de carbono em larga escala promovida pelo crescimento das florestas. Cada hectare de floresta dos reservatórios verdes constituídos em áreas hoje degradadas poderão armazenar em média cerca de 150 tCO2, mesmo considerando a colheita para produção de energia. Ou seja cada hectare de floresta captará o equivalente a emissão anual de 150 carros.

O Brasil pode e deve se antecipar ao mundo para mais uma vez demonstrar um caminho para as energias renováveis que caracterizam a sua matriz energética como fez com os biocombustíveis e a hidroeletricidade no passado.

Os Reservatórios Verdes são nosso passaporte para o futuro aliando desenvolvimento local, recuperação ambiental, produção sustentável e energia limpa para todos.

José Penido é Presidente do Conselho da Fibria
Tasso Azevedo é coordenador do SEEG/OC

Publicado em jornal Valor Economico em 18.10.2016