quarta-feira, 30 de abril de 2014

De Vento em Popa



A evolução da expansão da energia eólica nos últimos 15 anos é um bom indicador da revolução energética que se descortina. Entre 2000 e 2013 toda a capacidade instalada de geração elétrica eólica subiu de 17 GW para 318 GW, ou seja a capacidade foi aumentada em 18 vezes em 13 anos.  Apenas em 2013 foram instalados 37 mil MW, cerca de 5 vezes o que foi instalado de novas hidroelétricas.

Segundo o Global Wind Report  em 2014 serão instalados um recorde de 47 GW de energia eólica e as projeções são de alcançar 600 GW em 2018. Na China a meta é alcançar 220 GW instalados até 2020 (em 2014 já chegará em 100 GW), o que deve representar até 10% da capacidade instalada de  geração de energia elétrica no país.

Embora grande parte dos 6.000 GW da capacidade instalada de geração elétrica ainda seja predominantemente baseada em combustíveis fósseis  (em especial carvão e gás), as fontes renováveis já representaram  mais da metade da capacidade energética instalada no mundo em 2013, com destaque para solar e eólica, que juntas responderam por mais de 70 GW instalados (metade de toda capacidade acumulada de geração elétrica no Brasil, incluindo todas as hidroelétricas).

A energia eólica, que até o ano 2.000 representava 0,5% da capacidade global, em 2013 representou 6% da capacidade instalada e caminha para chegar a 10% em 2020 e 20% em 2035.

Diferentes estudos apontam que o potencial global de geração eólica, considerando um fator de capacidade de 20%, pode chegar a 40 vezes a demanda atual de energia de todo o planeta. Como sempre está ventando em algum lugar do globo, não é difícil imaginar que a interligação continental de sistemas elétricos (assim como acontece com gás) permitirá multiplicar rapidamente a participação da energia eólica na matriz elétrica global. 

E engana-se quem imagina que este fonte de energia é movida a subsídios. Muito pelo contrário. Na Europa, por exemplo, em 2013 os subsídios para geração eólica foram da ordem de US$ 2 bilhões contra US$ 421 bilhões para o petróleo.

O Brasil é o país que tem o maior crescimento de geração eólica na América Latina, mesmo que ainda tímido em relação ao potencial. Depois de resistir por anos a investir nesta fonte, no final de 2009 o governo realizou o primeiro leilão exclusivo para eólicas e o sucesso foi tamanho, que em 2013 os leilões de eólica voltaram a ser exclusivos, desta vez para dar chance as outras fontes (inclusive fósseis) nos leilões abertos.  Paradoxos de um país que insiste em andar na contramão.


segunda-feira, 28 de abril de 2014

Com tremendo esforço conseguiremos manter os 2ºC

Em um post recente comentamos que a 3ª parte do 5º relatório do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) sobre mitigação, lançado na primeira semana de abril, revisou mais de 900 cenários de emissões até 2100 para buscar possíveis caminhos para alcançar a estabilização e eventual redução da concentração de gases de efeito estufa (GEE) na atmosfera e limitar o crescimento da média da temperatura global. Mas o que são estes cenários e para que servem? É o que vamos tentar explicar neste post.
O Grupo III do IPCC estimou emissões e remoções antrópicas de GEE e identificou as principais fontes de emissão (ex. queima de combustíveis fósseis) e fatores que influenciam as mesmas (ex. tamanho da população, nível de eficiência energética). A partir destas informações foram definidas variáveis para compor cenários de emissões que incluem:
- crescimentos populacional e econômico
- demanda e eficiência energética
- penetração de novas tecnologias mais limpas
- intensidade de emissões na economia
- uso de fontes renováveis ou de baixa emissão na matriz energética
- perda ou ganho de biomassa – como desmatamento/ reflorestamento
- utilização de tecnologias de captura e armazenamento de carbono
- precificação do carbono
- políticas de subsídios
Estas variáveis são analisadas tomando em conta diversos setores como transportes, energia, mudança de uso da terra, agropecuária, construção civil e indústria.
A partir de combinações de valores de dezenas destas variáveis ao longo do tempo (por exemplo, a participação da energia solar na matriz elétrica global) foram estimadas trajetórias de emissões e remoções de GEE até 2100 e respectivas curvas deconcentração de gases na atmosfera (medida em partes por milhão – ppm – CO2eq). Cada uma destas combinações representa uma conjuntura analisada.
Estes cenários são então agrupados de acordo com a proximidade com as quatro trajetórias representativas de concentração de GEE (RCPs), desenvolvidas pelo Grupo I do IPCC – respectivamente RCP 2.6, 4.5, 6.0 e 8,5 W/m2, que correspondem a concentrações médias de 450, 650, 850 e 1370 ppm CO2eq. O RCP 2.6 é o que apresenta maior probabilidade de se manter o aumento de temperatura média global em até 2ºC e o RCP 8,5, no outro extremo, representa zero chance de atingir este limite.
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O primeiro conjunto de cenários gerado pelo Grupo III do IPCC tenta reproduzir o que seria a trajetória das emissões se nosso desenvolvimento seguisse a tendência atual, os chamados cenários tendenciais ou de linha de base. Foram desenhados cerca de 300 cenários (combinações das variáveis) tendenciais que apontam que as emissões acumuladas podem chegar a 4000 GtCO2 em 2100 e uma concentração de gases de efeito estufa na atmosfera de 730 a mais de 1300 ppm, portanto em linha com as indesejáveis trajetórias RCP 6.0 e 8,5.
A figura abaixo que aparece no resumo técnico do relatório mostra em tons de cinza o espaço ocupado pelas trajetórias dos cenários tendenciais:
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O segundo conjunto de cenários representa diferentes possibilidades de mitigação, seja reduzindo emissões ou aumentando remoções antrópicas. Foram testadas 900 situações para identificar alternativas compatíveis com os RCPs 2.6 e 4,5.
A figura abaixo ilustra à esquerda dezenas de trajetórias de emissões no período entre 2010 e 2030, retiradas de cenários compatíveis com RCP 2.6, enquanto à direita mostra que quanto mais altas forem as emissões em 2030 maior deve ser a redução anual das emissões no período seguinte para manter os cenários compatíveis com RCP 2.6, ou seja com limite de 2oC de aumento médio de temperatura.
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A figura também mostra onde estariam as emissões em 2020 considerando diferentes compromissos dos países no Acordo de Cancún. A boa notícia é que ainda é possível se manter no cenário de 2oC se os compromissos forem cumpridos. Por outro lado, a queda de emissões nas décadas seguintes deve ser na ordem de 4 a 6% ao ano, o que exige tremendo esforço considerando que atualmente crescem a cerca de 2% ao ano.
Na análise do conjunto de pouco mais de 500 cenários compatíveis com o RCP2.6, o IPCC conseguiu extrair pontos em comum das trajetórias de emissões que nos dão dicas preciosas do esforço que precisamos fazer para alcançar a meta de limitar o aumento de temperatura em 2oC:
- Todos os continentes do planeta devem reduzir substancialmente emissões frente ao cenário tendencial até 2100
- As mudanças de uso da terra devem representar, no agregado, remoções em larga escala de CO2 na segunda metade do século
- Os sistemas energéticos devem passar por uma revolução em larga escala que diminua drasticamente as emissões antes de 2050. Isso significa uma acelerada eletrificação do mundo (hoje é 20% da matriz energética global), combinada com adescarbonização da geração de energia instalada e encerramento da geração pela queima de carvão mineral
- O carbono terá valor – seja como taxa, imposto ou limite de emissão – e será disseminado pela economia
- Transferências de recursos, investimentos e tecnologias precisam ser feitas em larga escala para evitar uma distribuição relativa de custos de transformação proporcionalmente maior para os países em desenvolvimento. Estas transferências devem chegar na casa das centenas de bilhões de dólares anualmente.
- As emissões em 2030 terão enorme impacto nos desafios de se limitar em níveis de concentração de GEE na atmosfera compatíveis com 2º C. A vasta maioria dos cenários com custos viáveis indicam que as emissões em 2030 estejam entre 30 e 50 GtCO2e (atualmente já superam os 50 GtCO2eq e crescendo). Os cenários com emissões em 2030 mais próximos de 50 GtCO2eq consideram emissões negativas em parte da segunda metade do século, ou seja, remoções maiores que emissões.
- Grande parte dos cenários considera a aplicação e viabilidade de aplicação de tecnologias de remoção de carbono da atmosfera (CDR) em larga escala a partir de 2050
- A maioria deles desconsidera o uso de geoengenharia para captura de carbono ou interferência na radiação solar como parte da solução devido aos riscos e incertezas que acarretam.
Em resumo, o IPCC analisa inúmeros cenários de emissões para tirar lições das características das trajetórias, demonstrando que ainda podemos mitigar as emissões de gases de efeito estufa e limitar o crescimento da temperatura média global em 2oC. Exige um esforço tremendo, mas é possível de ser alcançado como revelam os cenários produzidos pela ciência nos últimos anos.
Este deve ser o pano de fundo para embasar o compromisso dos países e da sociedade global para formar o novo acordo global sobre mudanças climáticas em 2015.

terça-feira, 15 de abril de 2014

Ainda dá tempo

Na última sexta-feira, foi lançada a terceira parte do 5º Relatório do IPCC sobre Mudanças Climáticas (AR5). O relatório é resultado do Grupo de Trabalho III do IPCC que trata da mitigação das mudanças climáticas.
A primeira parte do relatório tratou da ciência do clima e definiu os limites de emissão de gases de efeito estufa até 2100 para que tenhamos chances reais de limitar o aumento de temperatura em 2ºC (leia O que diz o primeiro relatório e O sol e o oceano no balanço energético da Terra). A segunda parte do relatório lançada em março apontou os impactos, a vulnerabilidade e as demandas de adaptação para as mudanças climáticas em curso ou potenciais (leia Entenda a segunda parte e Todas as pessoas serão atingidas). O relatório do terceiro grupo busca descrever a trajetória de emissões de gases de efeito estufa e avaliar as possibilidade de reduzir emissões, aumentar a captura de GHG e evitar os piores cenários de mudanças do clima (leia O trem da mitigação está partindo).
A mensagem central do Grupo de Trabalho 3 (GT3) é: ainda dá tempo de reverter o crescimento das emissões de GEE e colocar o mundo em uma trajetória que permita limitar o aumento de temperatura em 2ºC. Existe tecnologia e conhecimento para fazer a mudança, mas é preciso decisão política para colocar em marcha o plano de mudanças.
A TRAJETÓRIA DAS EMISSÕES GLOBAIS DE GHG
A emissão de gases de efeito estufa vem crescendo continuamente desde os anos 70 quando começam as estimativas do IPCC. Eram 27 GtCO2e (carbono equivalente) e desde então quase dobraram chegando a 49 GtCO2e em 2010 (estimativas do programa EDGAR indicam que as emissões chegaram as 51 GtCO2e em 2012). As emissões cresceram a um ritmo de 1,3% ao ano entre 1970 e 2000 e na ultima década aceleraram crescendo 2,2% ao ano em especial pelo crescimento das emissões naseconomias emergentes.
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As emissões de CO2 a partir da queima de combustíveis fósseis continua sendo a principal fonte de emissões e sua participação cresceu de 55 para 65% do total de emissões entre 1970 e 2010. Apenas as emissões referentes à mudança de uso da terra (incluindo desmatamento) reduziram em números absolutos entre 1970 e 2010, ainda que sejam os números com maior grau de incerteza (até ±50%). O setor – que em meados dos anos 90 chegou a responder por quase 20% das emissões globais – em 2010 respondeu por 10% das emissões. A redução do desmatamento na Amazônia e a ampliação de reflorestamentos na Ásia (ex. China) têm contribuído de forma importante para este resultado.
O IPCC estima que cerca de 40% das emissões acumuladas entre 1750 e 2010 (260 anos) aconteceu entre 1970 e 2010 – entre 2000 e 2010 as emissões aumentaram 10 GtCO2e (20% de aumento), com este aumento vindo dos setores de geração de energia (47%), industrias (30%), transportes (11%) e construção (3%).
A trajetória histórica de emissões ainda esta fortemente atrelada ao crescimento do PIB e da população do ponto de vista global. Porém, ao decompor os dados por região, tipologia de países e regiões, começam a aparecer descolamentos como o caso do Brasil e da Costa Rica e, mais recentemente, parte dos países europeus.
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O relatório alerta que, sem esforços adicionais e consistentes para reduzir as emissões estas cresceram movidas pelo PIB e população e levam a cenários de aumento de temperatura média do planeta entre 3,7 e 4,9ºC, o que, de acordo com o 2º. relatório traria impactos gigantescos para humanidade e os recursos naturais.
CENÁRIOS DE MITIGAÇÃO DE EMISSÕES
Os pesquisadores do IPCC fizeram a mais extensa revisão sobre mitigação, analisando mais de 900 cenários publicados contemplando concentrações de GEE de 430 a 720 ppm CO2e em 2100. Os cenários que resultam em concentração, entre 430 a 480 ppm, são os únicos que apresentam probabilidade maior de 50% de limitar o aumento de temperatura em 2ºC, a meta acordada pelos países nos Acordo de Copenhague e Cancun (2009/2010).
No gráfico abaixo, produzido pelo IPCC é possível perceber para limitar a concentração entre 430 e 480 ppm (parte azul claro) as emissões devem ser reduzidas a cerca de 10-15 GtCO2e em 2050 (70-80% de redução em relação as emissões atuais) e serem negativas a partir de 2090 (emissões menores que aumento de estoques). Se somos sérios em relação ao compromisso com os 2ºC, as reduções de emissões precisam ser muito fortes e expressivas e o pico de emissões deve acontecer até 2020.
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Muitos cenários compatíveis com 450 ppm consideram que possa haver um aumento da concentração até 500 ppm antes de haver uma redução até 450 no final do século. Nestes casos os cenários assumem que na segunda metade do século as atividades de captura e armazenamento de carbono suplantarão as emissões.
O IPCC enfatiza que os compromissos de redução de emissões assumidos pelos países no âmbito da convenção de mudanças climáticas (em especial o Acordo de Cancun) são inconsistentes com uma trajetória que limite o crescimento da temperatura em 2ºC, as reduções precisarão ser ampliadas substancialmente pós 2020.
Nos cenários de mitigação deste 5º relatório do IPCC foram consideradas, pela primeira vez, além de novas tecnologias e inovação, as mudanças de padrões de consumo como uma das variáveis que impactam as emissões.
Uma das conclusões importantes é que os cenários mais promissores para redução de emissões apresentam forte sinergia com os objetivos de aumento da qualidade do ar, garantia da segurança energética e alimentar e o aumento da resiliência dos ecossistemas. Por exemplo, a redução de uso de térmicas a carvão mineral reduz-se também a emissão de poluentes locais.
Os cenários de mitigação compatíveis com limite de 2ºC também mostram efeitos colaterais importantes para economias excessivamente dependentes de combustíveis fósseis. A receita derivada do comércio de petróleo deve cair de forma expressiva até 2050. A disponibilidade e viabilidade de das técnicas de CCS (captura e armazenamento de carbono) poderão reduzir este efeito.
O relatório explora os diferentes caminhos de mitigação para os diferentes setores da economia. Vamos explorar esses caminhos nos próximos posts do Blog do Clima.

terça-feira, 8 de abril de 2014

Com elenco estelar, série de TV discute os impactos atuais das mudanças climáticas

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Na semana em que o IPCC prepara o lançamento da terceira parte de seu 5º Relatório sobre Mudanças Climáticas na mais extensa e completa revisão de toda a ciência relacionada às alterações do clima, um plantel de estrelas do cinema e do jornalismo dos Estados Unidos lança um dos mais ousados documentários sobre seus impactos na vida de milhões de pessoas ao redor do planeta: Years of Living Dangerously*.
Sem textos pré-formatados e em ritmo de reportagem de campo, atores como Matt Damon, Harrison Ford, Jessica Alba, Arnold Schwarzenegger e o jornalistaThomas Friedman (NewYork Times) viajam aos quatro cantos do mundo para retratar os efeitos do aquecimento global e investigar as conexões entre as decisões humanas e os eventos climático extremos. Sem rodeios, indo direto ao ponto e tratando de temas difíceis como a relação entre desmatamento e corrupção na Indonésia; seca, fome e guerra civil na Síria; ondas de calor, desemprego, religião, política e depressão econômica no meio oeste americano.
A série é produzida por James Cameron (diretor de blockbusters como Titanic e Avatar) e Schwarzenegger, e conta ainda com Ian Somerhalder (The Vampire Diaries),Michael Hall (Dexter), Don Cheade (Traffic; Iron Man), entre outros, atuando como correspondentes investigativos.
A série dividida em episódios com uma hora de duração estreia em 13/4 no canal de TV a cabo Showtime, nos EUA, e quem sabe em breve no Brasil. O primeiro episódio da série está disponível no You Tube, que na verdade faz parte do canal da série nessa plataforma.
Se seguir a pegada do primeiro episódio nos demais, e a transmissão for ampliada para a TV aberta, este será, sem dúvida, um marco definitivo no debate e na compreensão sobre as mudanças climáticas.

Publicado em Planeta Sustentável 08.04.2014

Vamos brigar por água e comida?

O alerta não veio de uma ONG ou de ativistas socioambientais, mas do presidente do Banco Mundial, o coreano-americano Jim Yong Kim: se não conseguirmos mudar nossa atitude em relação às mudanças climáticas, em menos de uma década o mundo estará imerso em conflitos relacionados ao acesso à água e a alimentos.

Com essa frase, Jim Yong fez espécie de resumo do resumo da segunda parte do 5º Relatório de Avaliação sobre as mudanças climáticas Globais, produzido e divulgado pelo Painel Intergovernamental sobre mudanças climáticas (IPCC), na última semana de março, em Yokohama, no Japão. O foco do trabalho: impactos, vulnerabilidade e adaptação às mudanças climáticas.

Se a primeira parte do relatório demonstrava que o aquecimento global sem precedentes é um fato e as emissões de gases de efeito estufa são a principal causa, a segunda mostra que as alterações do clima provocadas por esse aquecimento (aumento do nível do mar, acidez dos oceanos e redução da extensão e da espessura do gelo nos polos) já estão causando impactos significativos na vida das pessoas e no ambiente natural, tais como perda de produção agrícola, aceleração da extinção e deslocamento de espécies, ampliação de danos à infraestrutura e à economia, por extremos de chuva e seca.

O painel de cientistas alerta ainda para o fato de os impactos se agravarem, intensificarem e ampliarem nas próximas décadas, caso não tenhamos sucesso em reduzir drasticamente as emissões de gases de efeito estufa. O relatório, com mais de 2 mil páginas, é recheado de exemplos de impactos relacionados a extremos climáticos recentes, como ondas de calor, secas, enchentes, ciclones, incêndios florestais, que revelam a vulnerabilidade e exposição de muitos ecossistemas e da instraestrutura humana para lidar com a variabilidade climática atual.

Nas últimas décadas, as mudanças climáticas causaram impactos nos sistemas naturais e aos humanos em todos os continentes e em todos os oceanos. Em muitas regiões, mudanças na precipitação e no derretimento da neve e do gelo estão alterando o sistema hidrológico, afetando a quantidade e a qualidade dos recursos hídricos.

Várias espécies terrestres, aquáticas e marinhas alteraram sua distribuição geográfica, rotas migratórias, calendário biológico, abundância e até mesmo sua interação com outras espécies, em resposta às mudanças do clima. Os fitoplanctons, por exemplo, têm se deslocado cerda de 400km por década em busca de águas mais frias. As principais culturas agrícolas estão sendo impactadas. Os ganhos anuais de produtividade caíram de 2% para 1% nas últimas duas décadas. Para algumas culturas, como a do milho, a produtividade já está caindo.

A avaliação dos riscos dos impactos futuros derivados das mudanças climáticas é a parte mais complexa do relatório. O risco de impacto é resultado da interação de três fatores principais: a ameaça em questão (aumento do nível do mar, seca severa etc.), o grau de exposição do ambiente ou da população (proximidade ao local da ameaça) e o grau de vulnerabilidade (acesso a infraestrutura disponível para enfrentar períodos de seca).

A exposição e a vulnerabilidade não podem ser alteradas ao longo do tempo, de acordo com as condições econômicas e sociais, decisões de investimento e até como consequência de conflitos. Embora os impactos das mudanças climáticas se distribuam por todos os continentes e oceanos, são justamente as populações mais pobres e menos desenvolvidas as mais vulneráveis. A falta de infraestrutura, conhecimento e investimentos para prever, monitorar, adaptar-se e reagir aos eventos climáticos extremos e suas consequências coloca em risco as vidas de milhões de pessoas no planeta, espremidas entre duas opções: adaptar-se ou mudar-se para outra região.

O 5º Relatório do IPCC é a mais extensa, completa e profunda revisão do estado da ciência do clima já produzido. Deve ser revisto e considerado pelos tomadores de decisão nos setores público e privado, para se estabelecer ações para mitigar as emissões e adaptar atividades, negócios, infraestrutura e todos os aspectos de nossa vida.

O relatório é categórico ao afirmar que a forma mais efetiva de reduzir os riscos é evitar o aquecimento, ou, em outras palavras, reduzir as emissões de gases de efeito estufa. Ainda que tenhamos sucesso em reduzir drasticamente as emissões, teremos riscos importantes de impacto derivados das emissões históricas acumuladas e, portanto, é preciso gerenciar esses riscos a aumentar a resiliência dos ambientes e da sociedade.

Publicado em Correio Brasiliense 08.04.2014

quinta-feira, 3 de abril de 2014

Entenda a 2a Parte do 5o Relatório do IPCC

IPCC (Painel Intergovernamental para Mudanças Climáticas da ONU) divulgou neste domingo, em Yokohama no Japão, a segunda parte do 5º Relatório de Avaliação sobre as Mudanças Climáticas Globais que trata dos impactos, vulnerabilidade e adaptação.
Se a primeira parte do relatório, que tratava sobre ciência do clima, demostrava que oaquecimento global sem precedentes é um fato e as emissões de gases de efeito estufa (GEE) são a principal causa, o segundo relatório mostra que as alterações do clima provocadas por este aquecimento (eg. aumento do nível do mar, acidez dos oceanos e redução da extensão e espessura do gelo nos polos) já estão causando impactos significativos para a vida das pessoas e o ambiente natural tais como perda de produtividade agrícola, aceleração da extinção e deslocamento de espécies, ampliação de danos à infraestrutura e economia por extremos de chuva e seca.
O painel de cientistas alerta ainda para o fato de os impactos se agravarem, intensificarem e ampliarem nas próximas décadas caso não tenhamos sucesso em reduzir drasticamente as emissões de GEE.
A quantidade de documentação científica disponível para revisão neste 5º relatório do Grupo 2 do IPCC dobrou em relação ao relatório anterior, permitindo aos cientistas aumentar de forma considerável o nível de confiança nos dados do relatório.
Este estudo é mais uma peça da mais extensa, completa e profunda revisão do estado da ciência do clima já produzido e deve ser revista e considerada pelos tomadores de decisão nos setores público e privado para que se estabeleçam ações para mitigar as emissões e adaptar as nossas atividades, negócios, infraestrutura e todos aspectos de nossas vidas.
A seguir as principais mensagens do Relatório do Grupo II do IPCC:

OS IMPACTOS JÁ OBSERVADOS

Nas ultimas décadas, as mudanças climáticas causaram impactos nos sistemas naturais e humanos em todos os continentes e em todos os oceanos. Os impactos nos ecossistemas são mais fortes e abrangentes atualmente, já os impactos nos humanos são mais difíceis de isolar de outros fatores.
A figura abaixo mostra os tipos de impactos observados na América Latina. O relatório traz a descrição de impactos para todos os continentes e oceanos. Clique na imagem para ampliar.
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- Em muitas regiões, mudanças na precipitação e no derretimento de neve e geloestão alterando o sistema hidrológico, alterando a quantidade e a qualidade dos recursos hídricos;
- Várias espécies terrestres, aquáticas e marinhas alteraram sua distribuição geográfica,rotas migratórias, calendário biológico, abundância e até mesmo sua interação com outras espécies, em resposta às mudanças do clima. Os fitoplanctons, por exemplo, têm se deslocado cerda de 400 km por década em busca de águas mais frias;
- O impacto das mudanças climáticas sobre a produtividade das principais culturas agrícolas tem sido principalmente negativo, ainda que certas culturas possam até se beneficiar em algumas regiões temperadas. Em geral, os ganhos anuais de produtividades da atividade agrícola caíram de 2% para 1% nas últimas duas décadas. Para algumas culturas, como a do milho, a produtividade já esta caindo;
- O impacto das mudanças climáticas observado sobre ocorrência e características dedoenças em humanos ainda é pequeno se comparado com outros fatores de estresse e estudos nesta área. Então, precisam ser aprofundados.

A NOSSA VULNERABILIDADE
O grau de vulnerabilidade e exposição aos impactos das mudanças climáticas derivam de fatores não climáticos muito comumente relacionados às desigualdades do processo de desenvolvimento. Estas diferenças são determinantes para entendermos os riscos de sermos mais ou menos atingidos pelas mudanças climáticas.
O relatório completo, com suas mais de duas mil páginas é recheado de exemplos de impactos relacionados a extremos climáticos recentes como ondas de calor, secas, enchentes, ciclones, incêndios florestais que revelam a vulnerabilidade e exposição de muitos ecossistemas e da infraestrutura humana para lidar com a variabilidade climática atual.
Outra constatação importante é que os conflitos violentos aumentam a vulnerabilidade às mudanças climáticas, pois a infraestrutura, as instituições, o capital social e disponibilidade dos recursos naturais são necessários à adaptação aos impactos. E este é um processo que pode se retroalimentar uma vez que estes impactos podem exacerbar situações de conflito.

A EXPERIÊNCIA COM ADAPTAÇÃO

Apesar do tom contundente e que fala dos impactos, riscos e vulnerabilidades às mudanças climáticas, o relatório ao tratar da adaptação apresenta elementos para a construção de uma visão mais otimista.
É destacado que, ao longo da história, indivíduos, comunidades e sociedades têm se ajustado para se adaptar a mudanças nas condições, variabilidade e extremos climáticos com variados graus de sucesso. A diferença para o processo atual é que os impactos em escala global atingem uma proporção muito maior em um intervalo relativamente pequeno de tempo (algumas décadas).
O relatório indica que a adaptação, ainda que de forma limitada, está começando a ser incorporada nos processos de planejamento, especialmente ao analisar opções tecnológicas. Por outro lado, a percepção da importância das tecnologias sociais, arranjos institucionais e adaptações ecossistêmicas cresceram na última década.
O relatório descreve dezenas de politicas e casos de adaptação como recuperação e ampliação de ecossistemas de mangue para proteção da costa no Pacífico, instalação de diferentes sistemas de alerta de eventos extremos, programas de pesquisa em adaptação climática de culturas agrícolas, entre outros. Quase um cardápio para planejadores do setor público e privado!

OS RISCOS DE IMPACTOS FUTUROS
A avaliação dos riscos de impactos futuros derivados das mudanças climáticas é a parte mais complexa do relatório. O risco de impacto é resultado da interação de três fatores principais:
- a ameaça em questão (ex. aumento do nível do mar; seca severa etc),
- o grau de exposição do ambiente ou população (ex. proximidade ao local da ameaça) e
- o grau de vulnerabilidade (ex. acesso a infraestrutura disponível para enfrentar períodos de seca).
A exposição e a vulnerabilidade podem ser alterados ao longo do tempo de acordo com as condições econômicas e sociais, decisões de investimentos e até como consequência de conflitos. Este sistema dinâmico é representado no relatório pela figura abaixo. Clique nela para ampliar.
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Para lidar com esta complexidade de forma didática, desde o 3º relatório do IPCC, as informações de risco são organizadas a partir do conjunto de cinco Razões para Preocupação (RFCs – do termo em inglês – reasons for concern):
(i) Sistemas únicos e ameaçados;
(ii) Eventos climáticos extremos;
(iii) Distribuição de impactos;
(iv) Impacto global agregado e
(v) Eventos singulares de larga escala (ou causadores de pontos de ruptura irreversíveis).
A figura abaixo mostra, do lado esquerdo, os cenários mais otimista e mais pessimista para a trajetória de aquecimento global (resultado do relatório do Grupo 1 sobre ciência do clima) e o aumento do risco nas cinco dimensões de RFCs. Clique na imagem para ampliar.
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Os cientistas do IPCC também apresentam análise detalhada dos riscos relacionados a diferentes setores/temas como recursos hídricos, ecossistemas terrestres, sistemas marinhos, zona costeira, produção de alimentos, áreas urbanas, áreas rurais, economia, serviços, saúde humana, segurança e pobreza. E aqui não há boa noticia!
O quadro abaixo ilustra os principais riscos e o potencial de adaptação para a América Latina. A mesma informação é apresentada no relatório para todas as regiões do planeta. Clique na imagem para ampliar.
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GERENCIAR RISCOS E CONSTRUIR RESILIÊNCIA
O relatório é categórico em afirmar que a forma mais efetiva de reduzir os riscos é evitar o aquecimento, ou, em outras palavras, reduzir as emissões de gases de efeito estufa.
Mesmo que tenhamos sucesso em reduzir drasticamente as emissões, ainda teremos riscos importantes de impacto derivados das emissões históricas acumuladas e, portando, é preciso gerenciar estes riscos e aumentar a resiliência dos ambientes e sociedade.
O relatório propõe princípios e recomendações para ações de adaptação efetivas e, em ultima instância, indica que o aumento de nossa resiliência aos riscos climáticos está diretamente ligado à nossa capacidade de tomar decisões que aumentem nosso espaço de manobra entre as pressões sociais e as pressões do meio físico.