quarta-feira, 29 de julho de 2020

O Capital acordou para Amazônia



O descontrole e o descaso do governo federal com o desmatamento e a Amazônia resultaram  num efeito inesperado no setor privado.  Pressionados pela rápida deterioração da imagem do Brasil no cenário internacional,  que tem se refletido em desconfiança em relação aos produtos e serviços brasileiros, empresas de diversos setores têm se mobilizado para colocar em prática uma agenda proativa para a região.


Em 2019,  o setor privado ainda aguardava uma reação do poder público que pudesse recolocar o Brasil no rumo do controle do desmatamento, mas os meses foram passando,  e a luz amarela acendeu no início de 2020 em Davos,  onde  o Brasil passou um vexame,  sem ter o que apresentar quando todas as atenções estavam voltadas para a agenda da sustentabilidade no Fórum Econômico Mundial.


Já são 14 meses seguidos em que o desmatamento sobe sem trégua quando comparado com o mesmo período do ano anterior. Mesmo com a passagem do bastão da coordenação do combate ao desmatamento para o vice-presidente Mourão no Conselho da Amazônia,  não há sinais de retração. Por outro lado, a Covid-19 avança sobre os povos indígenas de forma particularmente cruel,  pois está associada às invasões do garimpo e à extração ilegal de madeira em seus territórios,  e a inação do governo é amplificada pelos vetos do presidente a medidas importantes de proteção dessas populações vulneráveis que haviam sido aprovadas pelo Congresso.


A luz amarela ficou vermelha quando os investidores começaram a externar de forma inequívoca que se afastarão do Brasil e das empresas que possam ter risco de se contaminar com desmatamento ou impactar as populações indígenas. Empresas no sul do Brasil, a 3 mil quilômetros de distância,  agora têm que responder como garantem não estar vinculadas com a derrubada da floresta e o fogo na Amazônia.


Primeiro vieram os CEOs de dezenas de empresas, várias líderes nos seus setores, cobrando ação do governo no combate ao desmatamento ilegal e se comprometendo com apoio a caminhos sustentáveis para a Amazônia. Depois,  os três maiores bancos privados do país se unem de forma inédita para promover cadeias produtivas sustentáveis e investimentos em infraestrutura básica para o desenvolvimento social e ambiental,  ao mesmo tempo que cobram combate intransigente ao desmatamento na região. Gigantes do agronegócio,  como a Marfrig,  se comprometem a eliminar o desmatamento de toda a sua cadeia de suprimentos  (direta e indireta) e planejam rastreabilidade completa da produção.


O que antes era um movimento isolado e pioneiro de empresas com longa trajetória na causa da sustentabilidade,  como a Natura,  agora se converte em um movimento mais amplo e abrange. Torcemos para seja o início de uma nova era que perdure e persevere nas próximas décadas.


Publicado em O Globo, 29 de Julho de 2020