quarta-feira, 31 de dezembro de 2014

O ano que definirá as próximas décadas

Em 1972 foi realizada, em Estocolmo, na Suécia, a Conferência Global sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, a primeira grande reunião a tratar da necessidade de harmonizar a proteção ao ambiente e o desenvolvimento e a alertar sobre a ameaça de mudanças do clima.

Quinze anos depois, em 1987, a Comissão Bruntland publicou o relatório “Nosso Futuro Comum”, que definiu o desenvolvimento sustentável como aquele que “atende as necessidades do presente sem comprometer a habilidade das futuras gerações de atender as suas".

No mesmo ano de 1987 começaram as tratativas que levaram à criação em 1988 do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), que publicou seu primeiro relatório sobre o estado do clima em 1990. Este foi uma das bases fundamentais para a construção da Convenção sobre Mudanças Climáticas aprovada dois anos depois durante a Cúpula da Terra realizada no Rio de Janeiro (Rio-92), onde também foram aprovados os Princípios do Desenvolvimento Sustentável (Princípios do Rio), a Agenda 21 (o plano de ação global que serviu de base para as Metas de Desenvolvimento do Milênio lançadas em 2000) e a Convenção da Biodiversidade.

Vinte anos depois, em 2012 a comunidade internacional decidiu dar novos passos e adotou, durante a Rio+20 e a Conferencia de Clima de Doha (COP18), uma agenda de trabalho que pretende culminar em 2015 com dois grande acordos: as Metas Globais para o Desenvolvimento Sustentável (MDS) e o novo acordo climático global para o período pós-2020.

A agenda de mudanças climáticas é talvez a melhor síntese do desafio da sustentabilidade. Os esforços para redução de emissões, redução das vulnerabilidades e adaptação às mudanças do clima têm profundos laços com a paz, saúde e bem-estar em todo o planeta nesta e nas futuras gerações. Estes esforços afetam e são afetados por questões políticas, econômicas, sociais, ambientais e culturais e só podem ser tratados em um contexto de metas claras para o desenvolvimento sustentável.

As decisões de 2015 vão demarcar o caminho a trilharmos nas próximas décadas. A posição do Brasil — sempre uma referência para o tema — precisa ser a mais ousada, inovadora e ambiciosa que se possa imaginar.

Não tem sido o caso dos últimos anos, mas o início de um novo mandato é bem oportuno para que se reverta o quadro.

Publicado em O Globo em 31.12.2014

segunda-feira, 15 de dezembro de 2014

COP20 em Lima: um passo tímido, mas para frente e na direção correta

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Já era madrugada de domingo (14/12) quando a Conferência das Partes da Convenção de Mudanças Climáticas da ONU (COP20), em Lima, programada para terminar dois dias antes, chegou ao final com aprovação do acordo intitulado Lima Call for Clima Action (LCCA).
O documento é positivo, certamente um passo a frente e na direção correta, mas também um passo muito tímido em relação ao nível de ambição necessário para onovo acordo climático global a ser “costurado” até a próxima COP em Paris, em dezembro de 2015.
O QUE SE ESPERAVA DA COP20
Em essência, esperava-se a definição dos elementos centrais do novo acordo climático global que será elaborado, em detalhes, em 2015 e os parâmetros mínimos para a apresentação das contribuições nacionais para mitigação e adaptação, a serem propostas no ano que vem pelas partes e que servirão também de base para o futuro acordo.
Em outras palavras, se fosse um empreendimento imobiliário seria o equivalente a fazer o croqui e as premissas básicas do projeto (área, localização, altura, uso, numero de unidades, serviços e prazos etc) e condições gerais de adesão (valor m2, modelo de financiamento, agentes financeiros etc).
Eis as questões centrais em jogo nestes elementos:
1. Definir o objetivo geral do futuro acordo (ex. reduzir as emissões em X% até 2050 ou convergir a trajetória de emissões para zona compatível que limite o aquecimento global em 2ºC);
2. Definir a inclusão ou não de adaptação e financiamento entre os compromissosdas partes no novo acordo;
3. Definir como serão diferenciados os diferentes grupos de países evoluindo além da diferenciação binária de desenvolvidos e em desenvolvimento; e
4. Ciclos básicos de meta/reporte/revisão para o novo acordo.
Estas definições são importantes como referência para que os países definam suas contribuições nacionais (INDCs) para o novo acordo pós-2020. Por exemplo, o país apresenta meta de redução de emissões para 2025, 2030 ou 2050? Inclui só compromissos de mitigação ou inclui outros temas como financiamento?
O QUE SE ALCANÇOU EM LIMA
O documento que descreveria os elementos do novo acordo global avançou apenas na primeira semana da COP20. Na segunda, ele não saiu do lugar. Com 37 páginas, odocumento está completamente em aberto e apresenta dezenas de várias opções para cada parágrafo. Acabou virando um anexo para informações no acordo de Lima (LCCA).
Na analogia do empreendimento imobiliário, seria o mesmo que anunciar empreendimento com especificações vagas: poderá ter entre 40 e 350 m2 e de 3 a 40 andares, localizado no Brasil, com vista norte, sul, leste ou oeste, e possível valor de R$ 1 mil a 30 mil por m2. Ou seja, pouco ajuda para que um possível investidor faça sua oferta.
O acordo em Lima é basicamente uma decisão para organizar os trabalhos de 2015 de tal forma que possam formar as bases para um acordo em Paris. O documento deixa claro que, com as ações e os compromissos hoje existentes, ainda existe uma lacuna enorme para se chegar a uma trajetória favorável que limite o aumento de temperatura em 2 ou 1,5ºC.
CONTRIBUIÇÕES NACIONAIS (INDCs)
Assim, o Lima Call for Clima Action conclama os países para que apresentem suas contribuições para mitigação e adaptação às mudanças climáticas pós-2020 até meados de 2015 (bem antes da COP em Paris) e sugere uma série de temas e conteúdos que podem constar da proposta, tais como metas, ano base e métrica, prazos de implementação, metodologias para contabilidade das emissões, entre outros aspectos. Define, também, que os compromissos devem necessariamente ampliar a ambição frente ao que já foi colocado na mesa.
Para as pequenas ilhas e os países pobres e menos desenvolvidos é dadotratamento diferenciado e mais flexível, no formato de suas contribuições. Na prática, é o primeiro movimento para diferenciar os países em desenvolvimento, até então tratados como único grupo com regras homogêneas apesar das enormes diferenças – em responsabilidades e capacidades – das grandes economias emergentes como China, Brasil e Índia e dos menos desenvolvidos. É um passo importante para viabilizar o novo acordo em Paris.
O documento ainda determina que o Secretariado da Convenção prepare relatório síntese até novembro de 2015, avaliando o efeito agregado das propostas de contribuições dos países apresentado ao longo do próximo ano (por exemplo, efeito na redução das emissões globais no médio e longo prazo).
FINANCIAMENTO
A inclusão do financiamento como parte dos compromissos obrigatórios dos países, quando se submeterem às INDCs, não foi alcançado e segue como fonte de discórdia, mas os debates sobre financiamento de longo prazo avançaram e, durante a COP20, se alcançou a captação de US$ 10,2 bilhões para o Green Climate Fund (GCF).
Entre os países que anunciaram contribuições para o GCF - além dos países desenvolvidos como Japão, Inglaterra e Alemanha -, estão países em desenvolvimento como Colômbia, Peru, Panamá, Indonésia e México, o que significa um corte na política de “esperar o outro agir para tomar posição”. As contribuições destes países cria constrangimento ético para que os países desenvolvidos e as grandes economias emergentes aportem recursos expressivos no fundo.
O texto de Lima traz referência preambular a questão de perdas e danos (loss and damage) associadas às mudanças climáticas, tema crítico para pequenas ilhas epaíses mais vulneráveis.
EM RESUMO 
resultado da COP de Lima – apesar de aquém do planejado e desejado– representa mais um impulso que mantém nos trilhos e no rumo certo o processo de negociação para possibilitar um novo acordo climático global, mas ainda com inúmeras incertezas e pontos abertos que darão enorme trabalho, ao longo de 2015, para que o acordo seja realmente ambicioso e efetivo.
Voltando, mais uma vez, à analogia do empreendimento imobiliário, não definimos as especificações, mas demos elementos para que os interessados digam, de forma geral, como gostariam de participar, além de prazo para que demostrem este interesse e se comprometam a ter o projeto pronto para ser assinado por todos até o final do próximo ano.
Poderia ter sido melhor, mas à luz do que aconteceu na COP14 (que antecedeu a COP de Copenhague), também poderia ter sido muito pior. A condução da presidência peruana, focada em buscar o resultado de forma aberta e transparente durante todo o curso das negociações, foi crucial para o sucesso em Lima. Serve de exemplo para os franceses que terão a difícil tarefa de liderar o processo em 2015.

sexta-feira, 12 de dezembro de 2014

Sobre uma grande negociação em Lima

Um amigo meu, que acompanha com interesse importantes negociações sobre um enorme empreendimento em Lima, com grande preocupação, me resumiu a situação e os avanços obtidos:

Estava acordado que o Investidor se comprometeria em se posicionar favoravelmente ao investimento, dentro de algumas premissas que estavam em negociação com o Empreendedor.

No momento, o que havia sido acertado era que o futuro Contrato teria uma redação com premissas básicas, ficando a definição do Empreendimento e as Condições para o investimento e prazos definidas em 2 Anexos. O Anexo 1 apresentaria as especificações e o Anexo 2 as condições de desembolso e prazos.

Meu amigo estava apreensivo e ansioso porque o que estava ate então acordado era que os imóveis que comporiam o empreendimento estavam definidos apenas em termos gerais no Anexo 1, com redação  tipo: "serão construídos segundo as boas práticas", "utilizarão materiais adequados", "respeitarão as exigências legais". Não havia definição de metragem, apenas que "as condições de habitabilidade e salubridade serão boas" e poderá Também dizia que “teria entre 5 e 50 mil m2 e entre 2 e 31 andares” entre outras “especificações”.

Como consequência, o Anexo 2 não precificava os imóveis e nem definia claramente as etapas de execução. Apenas dizia que "os imóveis deverão ser construídos dentro do cronograma" e que "os pagamentos serão feitos em parcelas e segundo os cronogramas definidos para a implantação dos imóveis".

Meu amigo via com expectativa o desenrolar e o avanço destas negociações, que, como ja era tempo do Natal, ficariam para 2.015.

A esperança dele era grande, reforçada pelo espirito do Natal e de renovação dos votos para o Ano Novo.

Torço para que o acordo final saia, assim meu amigo se acalma e o grande empreendimento acontece.

Ah! Devo esclarecer que este texto é uma  ficção e que qualquer semelhança com outras negociações aqui em Lima é uma mera coincidência.

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Baseado no relato de um amigo que encontrei em Lima.


quinta-feira, 27 de novembro de 2014

A última fatia do bolo: desafio do novo acordo global de clima (versão tv cultura)

Chuvas torrenciais, secas sem precedentes. as alterações climáticas estão ficando mais visíveis a cada dia. porque esse assunto se tornou uma das mais importantes discussões de nosso tempo e o que isso tem a ver com o cotidiano de cada um de nós?

A comunidade científica aponta a emissão de gases de efeito estufa como a principal responsável pelo aumento da temperatura na terra. governantes, cientistas e sociedade debatem a responsabilidade de cada país e de cada um de nós nas transformações climáticas do planeta.

A série “mudanças climáticas: rumo a um novo acordo global”,  é uma parceria da cpfl e planeta sustentável, que teve como curador o engenheiro florestal tasso azevedo, que neste programa fala sobre o desafio para o novo acordo global de clima. ele nos remete a questionamentos a respeito da economia que queremos seguir para um desenvolvimento sustentável e, se ainda há tempo de reverter com nossas ações o aquecimento do planeta, de que forma?



http://vimeo.com/113010037

Veiculado na TV Cultura em 27.11.2014 no Programa Invenção do Cotemporâneo

Meta Ameaçada

Depois de oito anos de sucessivas quedas nas emissões de gases de efeito estufa no Brasil, em 2013 as emissões voltaram a subir de forma expressiva (7,8%), principalmente pelo aumento do desmatamento na Amazônia e no Cerrado, acompanhado do aumento do consumo de gasolina e diesel e da expansão da geração de energia elétrica a partir de termelétricas movidas a combustíveis fósseis, sobretudo carvão e gás.

O levantamento das emissões para o período de 1970 a 2013 produzido pelo Sistema de Estimativas de Emissões de Gases de Efeito Estufa do Observatório do Clima mostra que o Brasil emitiu 1,57 bilhão de toneladas equivalentes de carbono (Gt CO2e) no ano de 2013, bem abaixo das 2,5 Gt CO2e emitidas em 2005, mas com uma nova composição, em que a energia dobrou sua participação nas emissões, alcançando 30% do total.

De fato, o período efetivo de queda de emissões se deu entre 2005 e 2009; depois disso, as emissões praticamente se estabilizaram ao redor de 1,5 Gt CO2e, mesmo com a queda do desmatamento ainda tendo perdurado, ainda que de forma menos expressiva, entre 2010 e 2012.

Até 2012 o Brasil ainda caminhava claramente para o cumprimento da meta de redução de 36% das suas emissões projetadas para 2020 (o que equivale a 2 Gt CO2e). Porém, a mudança de trajetória em 2013 e a manutenção do crescimento das emissões nas principais áreas de pressão em 2014 tornam isto incerto, com as projeções podendo chegar a 2,2 Gt CO2e em 2020.

Em 2014, o uso das termelétricas foi intensificado em relação a 2013, o consumo de gasolina e diesel cresceu e os sinais dados pelos sistemas de alerta de desmatamento apontam crescimento na Amazônia, no Cerrado e na Mata Atlântica. O único setor que pode mostrar retração de emissões em 2014 é o da indústria, que vem tendo um ano particularmente ruim.

Mais preocupante é constatar que a reversão de tendência ocorre num período de baixíssimo crescimento econômico e, portanto, estamos nos tornando menos eficientes, ou seja, emitimos mais para produzir a mesma quantidade de produtos e serviços.

Não se trata de destino, uma fatalidade, mas de uma situação que pode perfeitamente ser revertida com a retomada do cumprimento das metas do Plano Nacional de Mudanças Climáticas (aumento de 10% do consumo de álcool, aumento da proporção das fontes renováveis na matriz energética — hoje em queda — e redução do desmatamento).


Que sirva de alerta para que, neste novo mandato, o governo federal retome a agenda de desenvolvimento sustentável tão desvalorizada nos últimos anos, e o Brasil possa voltar a liderar pelo exemplo a agenda climática global.

Publicado em O Globo 26.11.2014

sábado, 15 de novembro de 2014

Por que o anúncio de China e Estados Unidos é tão importante?

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Estados Unidos e China, as duas maiores economias do planeta, são também os maiores produtores e consumidores de energia e os dois principais emissores de gases de efeito estufa (GEE), tanto considerando as emissões atuais, lideradas pela China, como as emissões históricas, lideradas pelos EUA.
Qualquer tentativa de um novo acordo climático suficientemente ambicioso para assegurar que a temperatura média do planeta não ultrapasse o limite de 2oC não é possível sem o compromisso destes dois gigantes.
Por isso, o anúncio conjunto de EUA e China de metas ambiciosas para redução de suas emissões após 2020 são tão importantes: o governo americano se comprometeu a reduzir de 26 a 28% suas emissões até 2025 quando comparado com as emissões de 2005 e a China compromete-se a ter o pico de suas emissões (e a partir daí um declínio) antes de 2030 e atingir 20% de energia de fontes não fósseis no mesmo ano.
Na última década, as emissões de GEE no país asiático cresceram cerca de 5% ao ano e já representam cerca de um quarto do total de CO2 liberado na atmosfera terrestre. O anúncio de ontem (13/11), em que a China afirma que irá ter o pico de emissões o mais cedo possível, antes de 2030, revela uma perspectiva de desaceleração acentuada nos próximos anos. Caso isso acontece, haverá um impacto na demanda de combustíveis fósseis em todo mundo e provocará a redução de subsídios, que representam meio trilhão de dólares anualmente.
Por outro lado, para atingir a meta de 20% de energias de fontes não fósseis, a China deverá triplicar ou quadruplicar investimentos anuais em fontes renováveis. As curvas de custos destas energias deverão ter queda ainda mais acentuada que na ultima década com reflexos em todo o planeta.
Os Estados Unidos respondem por 10% das emissões globais e já tiveram o pico de suas emissões em meados da década passada. Já tinham uma meta de redução de 17% das emissões em 2020, quando comparada com 2005, mas o ritmo de queda era insuficiente para uma redução substancial de pelo menos 80% até 2050 (quando comparado aos níveis de 1990). A divulgação da nova meta para 2025 indica uma aceleração do ritmo de queda das emissões americanas de 1,2% para 2,5% ao ano em média. Este novo índice já coloca a nação americana na trajetória de 80% de redução até 2050.
Mas o mais importante sinal é que se as duas maiores economias (uma desenvolvida e outra em desenvolvimento) e maiores consumidores de energia estão apontando que é possível se desenvolver promovendo redução de emissões.
Recentemente a Europa, que responde por 9% das emissões globais, assumiu o compromisso de diminuir em 40% suas emissões até 2030, quando comparado aos níveis da década de 90. Com o novo acordo entre os governos chinês e americano, os países que representam cerca de 45% das emissões atuais saíram na frente com compromissos que levantam a barra da ambição do novo acordo climático global a ser alcançado em 2015 e devem  servir de sinal para que os outros principais emissores como Índia, Rússia, Brasil, Indonésia e Japão também se coloquem o desafio de ser ambiciosos na suas metas de redução de emissões pós 2020.

segunda-feira, 10 de novembro de 2014

Uma síntese para incomodar

IPCC (Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas da ONU) publicou, no último domingo, a quarta e última parte do seu 5o Relatório de Avaliação sobre Mudanças Climáticas (AR5 – Fifth Assessment Report ), o chamado Relatório Síntese reúne e alinha as informações das três partes do relatório já lançadas:
Ciência do Clima (set, 2013),
Impactos, Adaptação e Vulnerabilidades (março, 2014) e
Mitigação das Mudanças Climáticas (abril, 2014)
e produz uma nova leitura integrada do estado da arte do entendimento sobre as mudanças climáticas.
O resultado incomoda pela contundência ao relatar as mudanças do clima já em curso e os impactos sobre as pessoas e a vida em todo planeta e a necessidade de esforço para limitar emissões de gases de efeito estufa (GEE) muito mais drástica do que a apontada em qualquer outro relatório anterior.
Este incômodo precisa servir de inspiração para acelerar a implementação de ações de adaptação e mitigação já e aumentar o nível de ambição ao limite para dar forma aonovo acordo climático global a ser fechado na Conferência de Paris – COP21, em 2015.
O resumo para tomadores de decisão em políticas públicas (Summary for Police Makers) do Relatório Síntese merece ser lido por todos os envolvidos com o desenvolvimento de estratégias em empresas, organizações não-governamentais e governo.
A seguir os principais pontos do Relatório Síntese do 5º Relatório do IPCC:

1. MUDANÇAS OBSERVADAS E SUAS CAUSAS

influência humana sobre o sistema climático é clara, e o registro de emissões antrópicas de gases de efeito estufa recentes é o maior da história. As recentes mudanças climáticas tiveram impactos generalizados sobre os sistemas humanos e naturais.
aquecimento do sistema climático é inequívoco e, desde os anos 1950, muitas das mudanças observadas não têm precedentes ao longo de décadas a milênios. A atmosfera e o oceano têm aquecido, as quantidades de neve e gelo têm diminuído e o nível do mar subiu.grafico1
Cada uma das três últimas décadas tem sido sucessivamente mais quentes na superfície da Terra do que qualquer década anterior desde 1850. O período de 1983 a 2012 foi provavelmente o mais quente no período de 30 anos dos últimos 1.400 anos no Hemisfério Norte. Essa avaliação só é possível nesse hemisfério pela disponibilidade de dados históricos. Os dados de temperatura médias globais – combinadas superfícies terrestres e oceânicas -, calculadas por uma tendência linear, mostram aquecimento de 0,85 oC durante o período de 1880-2012.
Da energia retida pelo aumento da concentração de GEE na atmosfera, 90% está acumulando nos oceanos. Mais de 1/3 do carbono que emitimos está sendo absorvido pelo oceano, causando sua acidificação (26% em relação à era pré-industrial).
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As emissões antropogênicas de gases de efeito de estufa aumentaram desde a era pré-industrial, impulsionado em grande parte pelo crescimento econômico e populacional e, agora, estão maiores do que nunca. Isto levou as concentrações atmosféricas de dióxido de carbono, metano e óxido nitroso, que são sem precedentes, pelo menos, nos últimos 800 mil anos. Seus efeitos, juntamente com os dos outros fatores antrópicos, foram detectados em todo o sistema climático e são a causa dominante do aquecimento observado desde meados do século 20.
Metade das emissões entre 1750 e 2011 aconteceu nos últimos 40 anos. As emissões acelerarão entre 2000-2010 (2,2% a.a.) em relação ao período 1970-2000 (1,3% a.a.).
Nas últimas décadas, as mudanças climáticas têm causado impactos nos sistemas naturais e humanos em todos os continentes e através dos oceanos. Impactos são devido às alterações climáticas observadas, independentemente de sua causa, o que indica a sensibilidade dos sistemas naturais e humanos para a mudança climática.
Mudanças na frequência, intensidade e duração de eventos meteorológicos e climáticos extremos têm sido observadas desde 1950, incluindo extremos de calor e frio, eventos de seca e de excesso de chuva.

2. MUDANÇAS CLIMÁTICAS, RISCOS E IMPACTOS

contínua emissão de gases de efeito estufa causará mais aquecimento e mudanças de longa duração em todos os componentes do sistema climático, aumentando a probabilidade de impactos severos, invasivos e irreversíveis para as pessoas e os ecossistemas. Limitação das alterações climáticas exigiria reduções substanciais e sustentadas nas emissões de gases de efeito estufa, que, juntamente com a adaptação, pode limitar os riscos das mudanças climáticas.
Em grande parte, emissões acumuladas de CO2 determinam aquecimento médio da superfície global no final do século 21 e além. E há projeções que indicam que as emissões de gases de efeito estufa podem variar em uma ampla faixa, dependendo tanto da política de desenvolvimento e do clima socioeconômico.
A temperatura da superfície deverá aumentar ao longo do século 21 em todos os cenários de emissões avaliadas. É muito provável que as ondas de calor ocorram com mais frequência e durem mais tempo, e que os eventos extremos de precipitação vão se tornar mais intensas e frequentes em muitas regiões. O mar vai continuar a aquecer e a acidificar e seu nível global a subir.
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A mudança climática vai amplificar os riscos existentes e criar novos riscos para os sistemas naturais e humanos. Os riscos são distribuídos de forma desigual e são, geralmente, maiores para as pessoas desfavorecidas e as comunidades em países de todos os níveis de desenvolvimento.
Muitos aspectos das mudanças climáticas e impactos associados continuarão a agir por séculos, mesmo se as emissões antrópicas de gases de efeito cessarem por completo. Os riscos de mudanças abruptas ou irreversíveis aumentam à medida que se amplia o aquecimento.

3. CAMINHOS PARA ADAPTAÇÃO, MITIGAÇÃO E DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL

Adaptação e mitigação são estratégias complementares para reduzir e gerir os riscos da mudança climática. Reduções substanciais de emissões ao longo das próximas décadas podem reduzir os riscos climáticos no século 21, aumentar as perspectivas de adaptação eficaz e reduzir custos e desafios de mitigação em longo prazo.
A tomada de decisão eficaz para limitar as alterações climáticas e seus efeitos pode ser informada por uma ampla gama de abordagens analíticas para avaliar riscos e benefícios esperados, reconhecendo a importância da governança, as dimensões éticas, equidade, juízos de valor, avaliações econômicas e diversas percepções e respostas ao risco e à incerteza.
Sem os esforços de mitigação adicionais além daquelas em vigor hoje – e mesmo com a adaptação -, o aquecimento até o final do século 21 vai levar à multiplicação dos riscos de impactos graves, generalizados e irreversíveis em todo o mundo. A mitigação envolve cobenefícios e risco de possíveis efeitos colaterais adversos, mas estes riscos não se comparam aos impactos graves, generalizados e irreversíveis como riscos da mudança climática, aumentando os benefícios dos esforços de mitigação de curto prazo.
Clique no gráfico abaixo para ver os detalhes:
grafico5
A adaptação pode reduzir os riscos de impactos das mudanças climáticas, mas há limites para sua eficácia, especialmente em casos de maiores magnitudes da mudança climática. Por isso, quanto antes for implantada, aumentará as futuras opções de adaptação e preparação.
Ainda existem caminhos possíveis para limitar o aquecimento em níveis abaixo de 2°C em relação aos níveis pré-industriais. Para trilhá-los, é preciso reduzir substancialmente as emissões de GEE até meados do século e quase nulas até o final do século. A implementação de tais reduções nos coloca diante de desafios tecnológicos, econômicos, sociais e institucionais substanciais, que aumentam com atrasos na implementação das ações e do desenvolvimento das principais tecnologias ainda não disponíveis em escala comercial.

4. ADAPTAÇÃO E MITIGAÇÃO

Nenhuma ação de mitigação e adaptação é suficiente por si só. Sua implementação efetiva depende de políticas e de cooperação em todas as escalas, e pode ser reforçada através de respostas integradas que apontam adaptação e mitigação com outros objetivos sociais.
As opções de adaptação existem em todos os setores, mas seu contexto de aplicação e de potencial para reduzir os riscos relacionados com o clima é diferente em todos os segmentos e regiões. Algumas respostas de adaptação envolvem cobenefícios significativos, sinergias e trade-offs. Aumentar a mudança climática aumentará os desafios para muitas opções de adaptação.
A mitigação pode ser mais eficaz se for utilizada em uma abordagem integrada que combina medidas para reduzir o consumo de energiaaumentar a eficiência energéticadescarbonizar o fornecimento de energia, reduzir emissões líquidas eaumentar sumidouros de carbono nos setores agropecuário e florestal.
Respostas de adaptação e mitigação eficazes dependerão de políticas e medidas em várias escalas: internacionais, regionais, nacionais e subnacionais. Políticas em todas as escalas de apoio ao desenvolvimento de tecnologia, difusão e transferência, bem como financiamento para respostas às mudanças climáticas, pode complementar e melhorar a eficácia das políticas que promovem diretamente a adaptação e a mitigação.
As mudanças climáticas são uma ameaça ao desenvolvimento sustentável. No entanto, há muitas oportunidades de vincular mitigação, adaptação e à busca de outros objetivos sociais através de respostas integradas.
Clique na tabela abaixo para ver os detalhes:
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quarta-feira, 29 de outubro de 2014

Retomar o Rumo

Passada uma das mais inusitadas e disputadas eleições dos últimos tempos é hora e partir para ação. Na agenda de sustentabilidade isso significa recuperar o tempo perdido. Os últimos quatro anos não foram bons para esta agenda, com inúmeros retrocessos, paralisias e caminhos em círculos. Não é hora de lamentar o passado, mas de apontar para frente e acertar o rumo.
Ficamos muito tempo vivendo em berço esplendido vangloriando-nos de um passado de conquistas. Paramos de inovar e os retrocessos foram se consolidando. É preciso tirar o atraso de quase todas as agendas socioambientais
Dois conceitos precisam nortear esta retomada de rumo: constante inovação e a renovação das aspirações e nível de ambição.
Assim como o montanhista que, ao conquistar a alta montanha, contempla por alguns minutos, vive o momento e já na descida almeja a escalada da próxima montanha, assim deve ser com o nível de ambição com as metas em políticas publicas. É ótimo que tenhamos reduzido fortemente o desmatamento desde 2004, mas ainda somos o país que mais desmata no mundo e longe do segundo colocado. É preciso almejar zerar a perda de cobertura florestal.
Para alcançar metas cada vez mais ousadas, é fundamental inovar sempre. Os remédios e terapias aplicados para tratar de um problema de saúde vão sendo alterados conforme os primeiros vão dando resultado. Quando acertamos o instrumento de política pública e ele tem efeito, altera a realidade e os mesmos instrumentos tendem a perder a eficácia e precisam ser substituídos ou aprimorados por novas ideias. Inovar em política pública é tão importante como em qualquer setor na nova economia.
Como a presidente foi reeleita sem um plano de governo e com uma agenda enorme no campo da sustentabilidade a ser desenvolvida, proponho três metas em áreas chaves para inspirar o novo mandato: 1) zerar a perda de cobertura florestal no Brasil; 2) retomar e ampliar a proporção de energia renovável em nossa matriz energética; e 3) definir metas de curto, médio e longo prazo para a redução efetiva de emissões de gases de efeito estufa no Brasil e liderar um novo acordo climático global que assegure limitar o aumento da temperatura global em 2 graus C.

Muitas outras metas são necessárias em áreas como gestão de resíduos, recursos hídricos e conservação da biodiversidade. Mas, a compreensão cada vez mais clara da relação dos grandes maciços florestais e as mudanças climáticas com o regime de chuvas que atualmente colocam em risco a geração de energia, a produção de alimentos e o abastecimento de água possibilitam que a agenda de clima e florestas sirva de ponto de convergência para um pacto pela sustentabilidade que nos recoloque no rumo de um futuro mais próspero e justo para o Brasil.
Publicado em O Globo em 29.10.2014

segunda-feira, 20 de outubro de 2014

O ano mais quente da história, de novo

Nesta semana ocorrem dois eventos importantes para a agenda climática.
Em Bonn, na Alemanha, acontece a última reunião – antes da COP20, em Lima, no Peru – do Grupo de Trabalho que elabora as versões preliminares das bases para onovo acordo climático global a ser aprovado em 2015. O desafio do momento é apresentar uma proposta de decisão a ser tomada na próxima COP, em dezembro, que indique o formato e o mínimo de informações que devem ser apresentadas pelos países quando submeterem suas contribuições para redução de emissões de gases de efeito estufa (GEE), pós 2020, que são a base essencial do novo acordo.
Em Copenhague, na Dinamarca, o IPCC  (Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas, da ONU) se reúne para os últimos ajustes da 4ª é ultima parte do seu 5º Relatório de Avaliação das Mudanças Climáticas, o chamado Relatório Síntese a ser publicado na última semana de outubro.
As reuniões acontecem no momento em que as agências climáticas ao redor do mundo confirmaram o mês de setembro como o mais quente desde 1880, quando começaram a ser feitos esses registros. Não é um fato isolado. Abril, maio, junho e agosto já haviam batido recordes históricos de alta temperatura. É a primeira vez que o mês de setembro apresenta tão altas temperaturas sem a influência de um forte El Nino (que ainda não se faz presente e deve vir ainda no final do ano). No ritmo atual, 2014 terminará como o ano mais quente da história desde 1880.
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Os 10 anos mais quentes já registrados (média de temperatura global) aconteceram nos últimos 15 anos, sendo 7 nos últimos 10 anos. Não há dúvida, a temperatura média do planeta está subindo e acelerando.
São Paulo teve, neste mês de outubro, a maior temperatura registrada desde 1934 (quando se iniciou a série histórica). Todas as 10 maiores temperaturas registradas em São Paulo aconteceram nos últimos 15 anos e 7 foram nos últimos três anos (2012-2014).
Em algumas regiões do continente antártico, as temperaturas estão 10oC acima da média histórica, provocando degelos permanentes em glaciais antes considerados perenes.
A seca nas regiões sudeste, nordeste e centro oeste do Brasil ou na Califórnia e boa parte da costa oeste americana têm sido marcantes e colocam em risco a produção de alimentos, a segurança energética e a saúde das pessoas.
Abaixo, os gráficos do NOAA mostram as variações da temperatura nos meses de setembro, os dez anos mais quentes e a temperatura média global na terra e nos oceanos desde 1880:

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terça-feira, 7 de outubro de 2014

O desafio que nos dá o real sentido de humanidade

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Conferência de Estocolmo sobre Homem e Meio Ambiente, realizada em 1972, é considerada por muitos o ponto de partida de grande parte dos acordos e movimentos multilaterais sobre sustentabilidade.
Mas o conceito de desenvolvimento sustentável – como aquele que satisfaz as necessidades da geração presente sem comprometer a habilidade das gerações futuras satisfazerem as suas necessidades – foi cunhado em meados dos anos 80 no relatórioNosso Futuro Comum produzido por uma comissão internacional liderada pela então primeira Ministra da Noruega, Gro Brundtland, daí o relatório ser também conhecido porRelatório Brundtland.
Este relatório se tornou uma espécie de livro-texto ou referência histórica sobre os conceitos, princípios e diretrizes do desenvolvimento sustentável. Entre suas recomendações estavam:
- limitação do crescimento populacional;
- garantia de recursos básicos (água, alimentos, energia) em longo prazo;
- preservação da biodiversidade e dos ecossistemas, diminuição do consumo de energia e desenvolvimento de tecnologias com uso de fontes energéticas renováveis;
- aumento da produção industrial nos países não-industrializados com base em tecnologias ecologicamente adaptadas;
- controle da urbanização desordenada e
- integração entre campo e cidades menores e
- o atendimento das necessidades básicas (saúde, escola, moradia).
Foi com este pano de fundo na cabeça que, na tarde do dia 30 de Setembro, mediei debate com Gro Brundtland, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso e o presidente do Grupo Abril, Fabio Barbosa.
Gro veio ao Brasil para participar de conferência no programa Fronteiras do Pensamento, mas, antes e a convite de FHC, foi ao espaço da organização Comunitaspara conversar com lideranças brasileiras sobre a agenda do desenvolvimento sustentável em 2015, quando dois importantes eventos serão realizados no contexto internacional: a definição dos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável e o novo acordo climático global.
Gro contou um pouco de sua trajetória, mas focou sua fala na questão de mudanças climáticas, que julga ser o maior desafio enfrentado pela humanidade dada a dimensão de seus impactos. Foi enfática ao dizer que a principal ação a ser tomada para reduzir emissões é taxar as emissões. De fato, Visualizar blogquando primeira ministra da Noruega, implementou a taxa de carbono mais de duas décadas atrás. O país é o que mais baixou emissões na Europa, cumprindo com folga as metas do Protocolo de Kyoto.
Fabio Barbosa refletiu sobre os recentes estudos Nova Economia do Clima e o DDPP. Apesar dos estudos apontarem a real possibilidade de conciliar desenvolvimento com a descarbonização da economia os avanços são muito lentos, pois as condições regulatórias e politicas de incentivos são contraditórias, dando o exemplo do subsídio aos combustíveis fósseis na casa das centenas de bilhões de dólares.
O ex-presidente Fernando Henrique contou como se envolveu nos primeiros debates sobre desenvolvimento e meio ambiente em 1974, em um grupo liderado por Ignacy Sachs e a dificuldade de conciliar na diplomacia os interesses nacionais às necessidades planetárias, e fechou o debate afirmando que as mudanças climáticas são o desafio global que nos dão verdadeiro sentido de humanidade: afeta a todos e só pode ser resolvida por todos. Em uma frase deu o exato sentido de ameaça e oportunidade dasmudanças do clima.
Para mim, que nasci em 1972 e, portanto, sou da geração pós-Estocolmo, aquela que não tem desculpa da ignorância para não lutar por um desenvolvimento sustentável, participar do debate com Gro Brundtland foi como dialogar com o livro texto de minha formação. Uma tarde inesquecível.

Publicado no Blog do Clima de O Planeta Sustentável em 07.09.2014 

quarta-feira, 24 de setembro de 2014

Que falta faz um(a) lider

Depois de muito hesitar, a presidente Dilma resolveu participar da Cúpula do Clima convocada pelo secretário- geral do ONU para elevar o grau de ambição politica dos compromissos para o período pós-2020, que formarão o novo acordo climático a ser firmado em 2015.

Os sete minutos de fala da presidente Dilma seguiram o script burocrático e pouco inspirado com que o tema mudanças climáticas (e sustentabilidade em geral) tem sido tratado no seu governo. Ela ficou presa ao passado e não articulou uma visão de futuro que se espera de um chefe de Estado.

É óbvio que devemos nos orgulhar de termos reduzido o desmatamento da Amazônia em 70% na última década, mas é preciso projetar ir além, sabendo que ainda somos o país que mais desmata em todo o mundo. A cúpula era o momento para afirmar novos compromissos substantivos do país, como o fim da perda de cobertura florestal e/ou a retomada da participação das energias renováveis na matriz energética.

Mas nossa agenda interna não permite. O desmatamento parou de cair e nos dois últimos anos voltou a crescer na Amazônia, Mata Atlântica e Cerrado. A participação das fontes renováveis na matriz energética caiu de 45% para 41% nos últimos cinco anos e o governo hipoteca o futuro do país aos investimentos em petróleo.

Embora tenha citado a Marcha do Clima que reuniu centenas de milhares de pessoas em todo o mundo no ultimo domingo, a presidente não conseguiu se sintonizar com a demanda das ruas por compromissos claros e substantivos para o período pós- 2020.

A diferença que faz uma liderança é gritante. Em 2009, quando o mundo se preparava para a Conferência de Clima em Copenhagen, o presidente Lula assumiu compromisso de reduzir o desmatamento na Amazônia em 80% até 2020, e as metas para redução de emissões totais do Brasil em 36% em relação à tendência histórica até 2020. Nas semanas seguintes ao anúncio brasileiro, países- chave como China, Índia, Indonésia e México anunciaram também metas de redução de
emissões.

Durante a Conferencia de Copenhagen, o presidente emocionou o mundo ao pedir a palavra para fazer uma apelo para que China e Estados Unidos destravassem as negociações, inclusive oferecendo colocar recursos no Fundo Global para o Clima ( proposta de Marina Silva que havia sido menos prezada por Dilma, então ministra da Casa Civil e pré-candidata a presidente).

Para além da competência da diplomacia brasileira e de um ministro de Relações Exteriores que conhece com profundidade o tema, o Brasil precisa recuperar o protagonismo na agenda climática com a liderança da Presidência da Republica.


Publicado em O Globo 24/09/2014

segunda-feira, 22 de setembro de 2014

A mudança climática chegou às ruas

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Domingo, dia 21 de setembro de 2014, entrará para a história como o dia em que o enfrentamento das mudanças climáticas transbordou dos domínios da ciência, dos especialistas e dos gabinetes dos políticos e embaixadores para as ruas.
Quase 600 mil pessoas saíram às ruas em mais de 2700 eventos, em 161 países, para demonstrar o seu apoio a agenda de mitigação e adaptação às mudanças climáticas.
Em Nova York, uma multidão de pelo menos 300 mil pessoas ocupou as ruas da cidade para protestar contra o subsídio aos combustíveis fósseis, o fraqueamento para produção de gás, o abandono das pequenas ilhas à sua própria sorte com aumento do nível do mar, o lobby do petróleo e do carvão, o desmatamento e principalmente cobrar – em alto e bom som – que os chefes de estado, que se reúnem em NY a partir de amanhã (23) para a Cúpula do Clima e a Assembléia Geral da ONU, assumam compromissos realmente ambiciosos para redução das emissões de gases de efeito estufa e preparação dos países para se adaptar às mudanças climáticas.
Apesar do esforço do Secretario Geral do ONU, Ban Ki-Moon, de organizar a Cúpula do Clima com o propósito de buscar maior ambição dos países nesses compromissos – antes da Conferência das Partes da Convenção de Mudanças Climáticas que ocorrerá em dezembro, no Peru (COP20) -, os sinais são de poucos anúncios relevantes durante a semana.
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Para reforçar a ação promovida por mais de 1200 organizações não governamentais dezenas de personalidades acompanharam a manifestação. Em NY, durante a marcha, Ban Ki-moon circulou acompanhado pelo prefeito da cidade, Bill de Blasio, pelo ex-vice Presidente americano e Nobel da Paz, Al Gore, e pela primatóloga Jane Goodall (foto acima).
A marcha acontece em meio ao anúncio dos pesquisadores do Global Carbon Project*que as emissões de gases de efeito estufa continuam subindo e em 2013 bateram o recorde histórico. Apenas o setor de energia e cimento emitiu 36 bilhões de toneladas de CO2. Desde 1990, o crescimento ultrapassa os 60%. No ritmo atual das emissões, oaquecimento global chegaria a 3,2 a 5,4ºC até o final do século, portanto muito acima dos 2ºC proposta pelo IPCC como limite ainda seguro de aumento da temperatura média global.
O crescimento do consumo de carvão respondeu por 59% do aumento das emissões globais, seguido do petróleo e do gás com outros 28%. Os subsídios à produção e ao consumo de combustíveis fósseis ultrapassam os US$ 500 bilhões de dólares ao ano, segundo o PNUD. Este quadro precisa ser revertido e a decisão dos países sobre a contribuição que podem dar ao novo acordo climático global a ser aprovado em 2015 é fundamental.
Que a marcha sirva de inspiração para os chefes de estado presentes em NY esta semana, para que tomem posições mais ambiciosas. O povo está saindo às ruas e a pressão deve continuar.