quarta-feira, 31 de julho de 2019

A casa está em chamas



O  desmatamento na Amazônia disparou e saiu completamente do controle em julho. Os dados do Sistema de Detecção do Desmatamento em Tempo Real (Deter/Inpe) mostram 1.864 quilômetros quadrados  desmatados até 26 de julho, mais de três vezes a área tombada em todo o mês de julho de 2018. É a maior área detectada em um mês desde a criação do Deter,  em 2004. Comparando o primeiro semestre deste ano com o mesmo período em 2018, há uma tendência de crescimento de mais de 50% no desmatamento em 2019.

A prática  tem crescido especialmente em terras indígenas e Unidades de Conservação,  que estão sendo invadidas por milhares de grileiros, garimpeiros e desmatadores em geral. Em uma única área em Altamira (PA), dentro da Área de Proteção Ambiental do Xingu, foi detectada  uma derrubada de 32 quilômetros  de floresta entre 5 de maio e 20 julho. Isso equivale a mais de dois  milhões de árvores tombadas em 70 dias para virar pasto num espaço quase do tamanho do Parque Nacional da Tijuca (39 quilômetros quadrados). Nesse período,  foram emitidos mais de 20 alertas do Inpe sobre o desmatamento em curso.

O levantamento do MapBiomas — iniciativa multinstitucional de validação dos alertas de desmatamento — indica que mais de 90% do desmatamento acontecendo na Amazônia são  ilegais.

Era de se esperar que o governo estivesse agindo de forma decisiva para combater o desmatamento, mas,  em vez disso,  o presidente e ministros gastam seu tempo reclamando do destaque dado ao tema na imprensa internacional e desacreditam o portador da notícia. Colocam  em dúvida, sem nenhuma base factual, o instituto que conduz desde  os anos 80 o mais longo e completo programa de monitoramento do desmatamento do planeta.

Lideranças do setor do setor rural assistem à  tragédia reclamando do tratamento dado ao Brasil na imprensa internacional,  com receio de que isso atrapalhe os negócios, feche mercados e dificulte a implementação do acordo comercial do Mercosul com a União Europeia.

É preciso que estas lideranças saiam da zona de conforto, parem de assistir à cena passivelmente e deem um recado claro ao poder publico: é  inaceitável a invasão de terras indígenas e unidades de conservação (assim como consideram inaceitável a invasão de propriedade privada) e toda forma de desmatamento e exploração ilegal da vegetação nativa. O poder público tem que fazer uso imediato de todos instrumentos e poderes conferidos pela Constituição para cessar imediatamente estas práticas e restaurar a ordem no Brasil.

A casa está pegando fogo. Não é só a comida que queimou no fogão que a gente joga fora e faz outra. É o apartamento que está em chamas e colocando em risco todo o condomínio. Tem que que acionar o síndico, o zelador, ligar para o bombeiro e agir já! Daqui a pouco pode ser tarde demais.

Publicado em O Globo 31.07.2019